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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Minha primeira filha


O passado não muda, apenas troca a roupagem, assim é a vida! Vou escrevendo... Tem dia que não tenho vontade, outros tenho preguiça de raciocinar e voltar no tempo, e assim vou descarregando minha mente... Tem certos assuntos que são difíceis de descrever, entram muito fundo nas nossas intimidades, me lembro sempre da minha tia querida que já contei sua história lá no Gerais... Aquela que ficou viúva com as crianças pequenas. Lembrou? Ela dizia, “já que pôs o cavalo na água agora deixa molhar as orelhas”, é isso ai, não irei desistir.
Então, retornando a caminhada, como já disse eu estava grávida e minha mãe também, já em estado avançado, eram duas vomitando e cuspindo, nasceu Tânia, menina espigadinha e esperta, foi um dia feliz. Todos os irmãos que eram muitos queriam pegar um pouco, era pegar e balançar, a criança não podia ir para cama, nasceu com ajuda da Josina, tornou-se uma grande amiga de todos, e minha mãe fazia a propaganda com as amigas.
O Soares continuava na boa vida e bacana, agora sim inventou de comprar alguns bezerros para criar e vender para corte, mas escolheu aqueles mais feios e magros, como trabalhava em laboratório farmacêutico achava que era entendido no assunto, tinha muitas amostras de medicamentos, vitaminas e sais minerais, pensou... “Vou dar esses remédios para os bezerros e certamente irão crescer rápido e vão dar grande lucro.”
Mas foi só vontade... Os bezerros pegaram bernes e eram muitos, ele ficou preocupado, pensou “Agora ta danado...” “Eles já estão fracos e agora os bernes. O jeito era comprar bastante esparadrapo, gazes, giletes para raspar os pelos em volta dos bernes, passar uma pomada, fazer um curativo e esperar... certamente iriam morrer. Mas não aconteceu assim, o peão precisava laçar derrubar, segurar bem para ele se aproximar e fazer o curativo... Quando soltava, o bezerro passava a língua e tirava o curativo, isso resultou em dias e mais dias de trabalhos inúteis, não aceitava palpites...
Quando resolveu vende-los aceitou a primeira oferta mais barata que recebeu, pagou mas ficou livre da encrenca. Lá tinha uma vaca doente que já havia caído no buraco, estava toda machucada, não ficava em pé, só deitada, não comia, o Soares perguntou se dava a vaca para ele porque queria cuidar dela... Deu o nome de Charina, não sei o motivo desse nome, então chamou uns peões mandou fazer um estaleiro colocaram a vaca em cima, forçando-a ficar em pé, e todos os dias ia ao retiro de taxi dar remédio pra charina, dava banho com água buscada na fonte e o taxi esperando... A vaca nada de melhorar... Um dia chegou ela estava morta, ficou triste, mas não foi por falta de tratamento... Assim foi fazendo besteiras e gastando seu sagrado dinheiro.
Todos os meses procurava o médico em BH para fazer acompanhamento da gravidez. Então, quando foi se aproximando o momento fomos para BH esperar o nascimento, eu era muito magra só tinha barriga e o parto seria normal, o médico já tinha avisado que não podia nem imaginar o que eu passaria. Minha mãe não servia de exemplo, Pois ela não se queixava nem reclamava de dores, fui completamente enganada.
Assim que tive os primeiros sinais corremos para o hospital, o médico avisado e depois de muitos sofrimentos, já havia passado muitas horas de desconforto e torturas, nasceu a Sandra minha primeira filha, o pai ficou radiante, foi logo para casa da família avisar que a menina tinha nascido foi de taxi me deixando só, ainda não tinha passado o efeito dos medicamentos, quando senti que estava molhada chamei a enfermeira... Era hemorragia... Foi um corre corre, aplicaram medicamentos para conter o sangramento.
Estava mesmo muito mal. Quando Soares chegou e ficou sabendo do acontecido, foi dar broncas, era mestre em broncas. Pensava que tudo girava em torno dele, mas passou, e tudo foi solucionado. A pequena tinha tudo do bom e do melhor, muitos cuidados e muitas dores de barriga, tomou todos os chás que ensinaram, às vezes acordava durante as noites em gritos com cólicas ai levantava todos da casa para socorrê-la, era muita gente a dar palpites como criar filhos.
Eu ficava muito cansada, naquele tempo em BH não havia água suficiente em todos os bairros, a água chegava só pela madrugada, então precisava encher as vasilhas para o dia seguinte se não quisesse buscar no balde em casa da vizinha a uns dois quarteirões de distancia para tomar banhos, lavar fraldas que eram feitas de tecido branco e era preciso ser bem lavadas, para não ficarem encardidas.
Minha sogra coitada, uma santa viva, digo isso porque muitas pessoas criticam sogras eu só tenho a elogiar a minha, nunca vi outra pessoa com tanta doação! Já era de idade avançada e mesmo assim fazia de tudo para aquela família, até mesmo buscar água nos baldes para todos tomarem banhos e fazer todos os trabalhos, levantava às cinco horas fazia o café, fritava uns bolinhos de fubá de modo muito simples, uma mistura de fubá açúcar e leite se tivesse se não colocava água mesmo, uma pitada de sal um pouco de queijo se tivesse também, um pouco de bicarbonato de sódio para crescer e não fazer mal assim ela dizia, meu sogro depois daquele acidente que já falei, ficou com um defeito na perna e andava com dificuldades, então era entregue tudo nas mãos e creio que aproveitava disso para ser cuidado.
Ela com a maior paciência do mundo levava o café a toda hora para que o mesmo pudesse fazer a boca de pito como diziam, e como fumava, um atrás do outro. Cigarros de palha que ela ia comprar longe, e o fumo de rolo o predileto. E gostava de juntar amigos no quarto para jogar baralho, era um tal de vinte um, acho que era a valer, não gostava que agente olhasse, mas deixe pra lá!
Assim que preparava o café, ia para a missa, não faltava nem com muita chuva, era o que dava força... Só Deus dava tanta coragem, o Antonio que agora era delas as tias, estava sendo tratado com todo carinho possível foi tanto que o excesso acho que prejudica. Toda palavra que pronunciava era recebida com brilhos nos olhos. As cunhadas trabalhavam, saiam cedo.
Não tinham fogão à gás era lenha ou fogareiro à álcool todo um ritual para preparar as comidas, era muito sacrifício... Tinham medo do gás!  Mas o álcool também é perigoso... Fiquei em BH até terminar o resguardo isto é, quarenta dias, voltamos para casa em Curvelo de taxi para variar... Com a chegada da Sandra, eram visitas e presentes, a menina muito querida, com muitos tios e tias, uma quase da mesma idade a Tânia, cresceram juntas por algum tempo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A loteria


Compartilhei essa vida por algum tempo... O marido Sebastião que de agora em diante vou chamar de Soares, porque ele gostava que o chamasse assim... Quero que saibam que continuo fazendo suas vontades... Durante esse tempo, na ausência do Soares, eu era a mesma menina, junto a meus irmãos, participava de tudo e observava tudo que acontecia... As traquinagens, não podia perder nada.
Todo dia tinha uma coisa pra ser motivo de chacotas, parecia que não haviam problemas, ou não os via. Agora depois de três anos fico grávida da minha primeira filha. Sempre que o soares viajava para trabalhar na região de Vitória Minas me levava junto até BH, me deixava em casa dos pais dele. Uma madrugada acordei com barulho do taxi. Soares chegava de viagem não só com as malas, tinha nos braços uma coisa enrolada em um cobertor. Vi aquilo e fiquei preocupada sem entender nada.
Dona Mariquinha já tinha levantado para ir a missa, logo foi recebê-lo e viu que ele trazia uma criança, era um menino muito doente, estava com disenteria e uma infecção de intestino muito forte. Ele tinha dois anos de idade e pesava somente dois quilos e meio, os olhos e os cílios eram enormes devido à magreza. Vi o menino e fiquei impressionada, comecei a chorar... Estava muito sensível devido à gravidez, a criança se chamava Antonio.
O Soares contou-nos como aconteceu tudo, que ele estava no hotel e a mãe do Antonio ia ser despedida porque estava levando o menino para o serviço, então o Soares vendo isso pediu a criança, mas não podia imaginar que a mãe o daria, e ao embarcar no trem a mulher entrega a criança, ele correu até o hotel que ficava próximo e pediu um cobertor, comprou um pacote de bolachas, que o Antonio nem teria força para comer.
Dona Mariquinha muito caridosa, foi logo cuidar da criança fazer um mingau dar um banho morno enrolar em uns panos limpos, cuidou com todo carinho, passou pomadas nas feridas das virilhas. Minhas cunhadas, Maria José e Amélia, arranjaram uma cama para o menino junto delas.
Chegou o dia de voltarmos para casa, com certeza teria que levar a criança que estava ainda com os pés muito inchados e disenteria... Se ofereceram pra ficar com o menino até eu melhorar dos enjôos, então fomos embora com essa preocupação. Depois de duas semanas voltamos a BH, então disseram que iam criar o menino por quem já tinha tomado amor e que seria delas. Senti-me aliviada, pois sabia que não conseguiria cuidar dele como precisava.
Acho que o soares ficou muito endividado com o casamento, quis fazer mais do que podia, ainda gastou com passeios, vivia rezando pra ganhar na loteria, nunca desistia, todo dinheiro que conseguia comprava bilhetes e sonhava... E rezava... Pedia que queria ganhar duzentos mil cruzeiros que com isso ele ia ficar muito bem. E como correu atrás desta fortuna!
Não podia ver um cambista que ia em busca de um bilhete nem que fosse uma tira. Mas queria porque queria. Às vezes acordava bem cedo e falava pra mim, "Fizinha, acredita que sonhei com um numero e me esqueci?” “Agora vou deixar uma caneta e um papel no criado, para quando sonhar anotar logo o numero, Deus tá querendo me falar."
Assim fazia... Um dia acordou chorando, fiquei preocupada e perguntei o que tinha acontecido, custou pra dizer, falou que tinha sonhado com Jesus, que pediu a Ele o numero do bilhete, e que Jesus fez com a cabeça que sim, e o Soares ficou muito emocionado.
Assim que foi a BH para reunião da firma em que trabalhava, para receber o pagamento, passou no Campeão da Avenida, viu o bilhete preso no vidro e pensou: "É esse!” comprou sem demora. No dia seguinte na hora do sorteio, não teve paciência de esperar em casa, foi para a porta da loteria. Os sorteios acho que eram irradiados, não sei bem ao certo, só sei que falaram o numero dele, quase desmaiou. Foi muita emoção. Conferiu, Conferiu e conferiu.
Foi ele mesmo, ganhou trezentos e sessenta mil cruzeiros, já com os descontos. Era muita grana pra quem estava pensando só em duzentos. Saiu dali correu para o centro telefônico, para mandar mensageiro em casa me chamar, era assim mesmo precisava mandar chamar e pagar mensageiro. Quando atendi, ele não conseguia falar de emoção, queria que eu adivinhasse.
Como? Nem chegou a falar nada, só suspirava. Respirava fundo, pensei em tudo menos na loteria. Com muito custo falou: “Agora vou ser dono de meus negócios, vou à firma pedir demissão, pagar minhas contas e te buscar para comprar o enxoval da criança, e roupas para você.” Assim ficou combinado. Final de semana chega de taxi de BH a Curvelo, agora sim não vai andar mais de jardineira, chegou dono da situação... Perfume caro... Sapatos de cromo alemão, o que tinha de melhor.
Enfeitou-se todo e foi visitar um amigo que tinha um café na praça do fórum, agora não precisava ter pressa tinha todo tempo do mundo, era só fazer planos e executar... Mas primeiro tinha que descansar, tirar umas férias... As tardes tomava banho, terno de linho branco, gravata de primeira linha, sapatos bem engraxados, brilhantina perfumada, barba bem escanhoada, estava para ninguém botar defeito.
Subia para o café do Nilton, ali ficava até o café fechar, isso era feito quase todos os dias. Então chegou o dia de ir para BH para fazer as compras, a primeira coisa: comprar alguns livros de química. Tinha muita tendência a invenções... Ainda mais agora, que tinha dinheiro e tempo, era só inventar algumas coisas, patentear e ficar rico... Parecia fácil.
Era um sonhador... Então fomos às lojas caras comprar o que tinha de mais bonito, primeira parada na Mesbla comprar o carrinho da criança, o único importado, um cadilac com molas especiais amortecedores, aquela beleza... Um punhado de discos, da Nora Nei, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e outros mais. Comprar cambraia irlandesa que os vendedores mostravam, notavam logo que o comprador estava por cima... Eles só queriam vender e ele comprar...
Voltando para casa com as peças de tecidos para o enxoval as baetas para fazer os cueiros, tudo seria bordado, com muitas rendas francesas, parecia que não teria fim... Foram muitos outros exageros, que ficaria horas descrevendo. Um dos livros ensinava como fazer cera para assoalho, tinha a receita. O Soares voltou a BH para comprar o material, só lá teria tudo aquilo de boa qualidade.
Comprou foi muito para aproveitar a viagem, muito breu, cera de abelhas, cera de carnaúba, etc. Faltava ainda o sêbo de boi, esse compraria mesmo em Curvelo era só encomendar, seriam uns vinte quilos, porque fazer pouco era bobagem... Ele seria concorrente de outras ceras boas que haviam no mercado. Então fez a primeira etapa para testar, só um pouco... Passou no assoalho... Poliu... Poliu... Com flanela nova, não dava muito brilho... algo estava errado. “A receita” pensou... ”Vou consertar...” Alterou umas coisas, mudou outras... Nada... Até que um dia conseguiu fazer o pedaço de tabua brilhar. Foi um dia feliz, chamou todos para ver o teste... “Agora sim! Ninguém vai poder comigo!” Encomendou o sebo em diversos açougues, a quantidade seria grande vinte quilos.
Dissolveu o breu, fritou o sebo em um tacho para isto precisou fazer uma trempe no quintal e chamar a meninada para trazer as lenhas e fazer o fogo. Um dia de serviço no sol quente. Depois de pronta a cera, encheu uma lata e deixou esfriar... Era só esperar pra ver... Estava satisfeito... Realizado... Já tinha comprado a enceradeira com um dispositivo que aquecia a cera e jogava no assoalho para as escovas espalharem, era um último lançamento.
Achou melhor passar a cera com as mãos, para caprichar mais, as salas eram grandes de tacos de peroba, passou na casa toda, uma camada bem grossa, esperou secar bem, quando veio com a enceradeira... Ela travava... Chiava... E não rodava, pegou o escovão, ele grudava no taco e nada fazia andar, ficou muito bravo... Gastou nem sei mais quantos litros de querosene para tentar tirar, mesmo assim ainda levou bom tempo dando trabalho para voltar no que era.
Essa lata de cera ele deu pra Nicinha, aproveitar e usar imagina... Ela até tentou, mas foi impossível, não deu. Com a sobra do material pensou em fazer sabonetes... Era muita idéia... Também não deu.
Mas o leitor pode esperar as invenções continuam...

A volta pra casa


A volta foi o mesmo trajeto ficamos mais uns dois dias em Santo Antonio do Rio Abaixo, lá conheci o Juquinha com as suas orquídeas, ele colhia na serra e levava pra vender na cidade, quando me viu se apaixonou. Dava-me todas as orquídeas, eu dava pra ele o dinheiro, mas nunca queria aceitar precisava forçar.
O marido não descuidava. Dizia sempre: "não confio em homem nenhum." Voltamos para BH e finalmente para nossa casa em Curvelo. Não via a hora pra chegar em casa e ver meus presentes porque não houve tempo para ver tudo. A casa tinha ficado fechada por muitos dias, e como era tempo de chuvas era dezembro!
Quando abrimos a porta, as pernas ficaram pretas de tantas pulgas, isso mesmo, pulgas. Foi difícil acabar com elas, ficamos em casa dos pais até dar fim nas pulgas. Com tudo isso, os dias foram passando... Eu peguei a obrigação de dona de casa: arrumar, lavar, passar com ferro a brasas, cozinhar em fogão a lenha. O fogo demorava pra pegar, pois as lenhas às vezes estavam molhadas, chegava a ficar vermelha de tanto soprar. Chorava de fumaças nos olhos, mas feliz, me achava a mais feliz do mundo...
Ele continuava no emprego de viajante. Nos finais de semana, eram só alegrias, caprichar na comida, encerar os assoalhos para ficar brilhando, com escovão e flanela na escova pra ficar bem bonito sem arranhar e estar pronta pra receber com cara boa. Essa era a vida e era feliz. Também pudera, estava separada da família, mas perto. Tinha até uma porta que ligava à casa dos meus pais. Precisava mais? Não era bastante?
Poucas pessoas têm essa oportunidade, às vezes viajava com ele para Diamantina, achava lindas as estradas, sem nenhuma conservação, os pontos de paradas precários, os sanitários terríveis, eram em casinhas improvisadas, feitas de madeiras no alto, assoalhadas com buraco e porcos debaixo esperando. Advinha o que?
Uma vez na jardineira, no banco a nossa frente, ia um casal com uma criança de uns dois anos que ficava em pé entre os pais e virado para trás, após a parada para o almoço, resolveram levar a comida para o menino comer durante a viagem, como já disse Sebastião andava só de terno e gravata. Eu também estava bem arrumada, vejam que o casal deu ao menino uma coxa de frango pra segurar e um prato de arroz, então o garoto mordia o frango e o arroz caia nas pernas do Sebastião, o pai do menino dizia: “Ô senhor, toma cuidado senão o Luiz vai sujar sua roupa!" Quando vi o meu marido que não levava desaforo pra casa, respondeu: “Ô senhor que vai tomar cuidado com seu filho, porque se ele me sujar vou jogá-lo fora da jardineira.”
Pintou aquele clima. Foi até chegar em Diamantina com o garoto roendo essa coxa de frango, eles diziam: “O Luiz já deve estar sentindo o cheiro de sua terra né Luiz?" Nunca esquecemos desta viagem. Hoje esse Luiz já deve ser vô ou bisa como eu.
Morando em Curvelo, as tardes gostávamos de andar de bicicleta, saíamos em turma. Sebastião ficou desejando também, mas não sabia andar, era preciso aprender. Como fazer? Comprar uma bicicleta e pedir aos meninos pra ensinar estava fácil, bastava querer.
Na praça perto de casa tinham muitos buracos, na rua do centro era paralelepípedo difícil pra quem não sabe equilibrar só quem já estava treinado. Então, comprou uma bicicleta, equipou com tudo que tinha direito: retrovisores dos dois lados mandou fazer capa de couro para o cilindro, colocou umas tiras de plástico pendurados em cada lado do guidão, umas rodinhas coloridas nos raios, campainha já veio na bicicleta, mas precisava de buzina daquela bem sofisticada, estava mesmo bem bacana. Só faltava saber andar. Pensou logo: "Vou pedir ao Armando pra me ajudar, segurar pra eu não cair.” Assim foi feito, ele montava, Armando ia segurando. Ele todo torto e desequilibrado, quando pegava uma reta que melhorava o equilibrio ele dizia: "pode soltar" Armando dizia: "já soltei!” Então era um tombo na certa.
Tentaram muitas vezes e nunca conseguiu andar bem de bicicleta. Machucou muito, cortou até o tendão do polegar, precisou dar diversos pontos e sofreu com isso, viajando carregando malas pesadas e a mão enfaixada por muitos dias. Como já disse, os primos e primas moravam na rua do fundo e os nossos quintais se encontravam, até mesmo já tinham feito uma passagem no muro, às vezes juntavam todos e saiam à noite. A Nicinha como sempre preparava as dela.
Na volta do passeio separavam na bifurcação da rua e os primos seguiam pela rua de baixo, então, Nicinha corria pra chegar primeiro em casa, passar pelo quintal, entrar na casa deles, sabia onde ficava a tramela, era só abrir e estava dentro da casa, a intenção era assombrar os primos... Ela pegava uma vassoura de folhas de coqueiro e começava a varrer a casa no escuro, ela nunca sentiu medo de nada, quando colocavam a chave na fechadura ouviam aquele barulho de gente varrendo a casa, saiam correndo davam a volta no quarteirão, todos muito assustados, a chamar papai.
Enquanto isso Nicinha vem embora e deita. Para Fingir que não sabia de nada,eles nem desconfiavam, podia estar repetindo a assombração toda semana. Ela às vezes esperava que eles apagassem as luzes e jogava milho debulhado no telhado. Era corrida certa pra nossa casa, queriam chamar o padre pra ir benzer, acabar com a assombração, mamãe dizia: ''Isso não é nada vocês estão cismados."
Ela não imaginava que Nicinha fazia essas coisas. Como nada fica sem resposta, um dia ela vai no escuro para aprontar mais uma... De repente, atrás do pé de fava que ficava na porta da cozinha, Nicinha foi assustada com dois olhos olhando pra ela, bem grandes, só os olhos. Ela voltou sem graça, com um sorriso amarelo. E, pediu ajuda, então juntou os primos vizinhos amigos e tudo que tinha direito, acendeu uma vela pra cada um, fez uma procissão e foram cantando: “BENDITO LOUVADO SEJA...” Pisaram toda a horta, acabaram com a plantação, esse foi o fim das assombrações.

domingo, 4 de dezembro de 2011

A viagem de lua de mel


A viagem de lua de mel já estava programada, iríamos de jardineira para BH no domingo ficaríamos em um hotel por poucos dias. Depois de uns dois dias recebemos visita de uma parenta dele, que era dona de uma pensão perto da Praça Raul Soares e convidou-nos para ficar lá um dia, mais que depressa ele aceitou, a moça era muito agradável e alegre e Sebastião pelo jeito tinha bastante amizade.
Fomos para a pensão,no dia seguinte partiríamos para Santo Antonio do Rio Abaixo, terra do querido marido,o mesmo não ia lá desde o tempo da guerra...Volto a falar nisso...Preciso terminar de contar o que sucedeu na pensão...prometi ser verdadeira e não deixar nada pra trás.
Naquela noite vi que os quartos eram em um corredor comprido... Fechando com o banheiro para todos o hóspedes. Fiquei imaginando como seria para ir fazer xixi na madrugada!!! Tinha medo do desconhecido, aquilo estava muito estranho... Como seria? Sempre achei soluções para as coisas simples, e isso era coisa simples.
Entramos para o quarto, junto com a dona que nos mostrava tudo, e dava as boas vindas, eu só prestava atenção no que tinha dentro e qual seria a minha saída... Achei... Achei... Não falei guardei só pra mim, já estava resolvido meu problema. Havia uma porta que dava para uma sacada de frente para avenida, era mesmo espetacular... Reparando mais, vi em cima do guarda roupas um globo daqueles de colocar nas lâmpadas em formato cônico, isso não ia preocupar mais.
A moça nos leva pra conhecer o resto da pensão, muito atenciosa nos serve sucos, pasteis, bolos etc. Ficou até tarde pondo as fofocas em dia, recordando de pessoas que eu não conhecia. Eu apesar de tudo, era muito tímida com quem não convivia... Tudo estava sendo novo para mim, agora era tratada de senhora, Dona, e ser respeitada como tal.
Terminadas as conversas, fomos dormir, foi só um pequeno sono, acordo com vontade de fazer xixi, pensei, ir naquele corredor escuro jamais! Lembrei do plano, para pegar o globo lá no alto teria que subir na cadeira que estava ao lado da cama sem fazer barulho pra não acordar o marido tinha que ser muito sagaz, ou melhor, esperta, fazer uma rodia com a anágua, que era bem engomada a fim de equilibrar o globo e fazer ali, depois pensa no restante... Logo me veio a idéia, olhei pela sacada e vi a copa de uma arvore e uma marquise que não me deixava ver o passeio, era silêncio total... a rua estava deserta... Advinha!!! Joguei na arvore!
No mesmo momento saem de debaixo da marquise, dois homens que iam passando assustados, só ouvi dizerem: "olha, veja só, está chovendo!" O outro respondeu, "Viu é só debaixo da arvore, isso é um aviso pra nós”, o outro diz é mesmo credo!
No quarto tinha uma pia com torneira, lavei o globo e coloquei no mesmo lugar, não ficou nenhuma pista do que tinha acontecido. Dia seguinte, tudo normal, fomos almoçar em casa dos pais dele, e a tarde seguir viagem para Santo Antonio do Rio Abaixo, nunca tinha feito viagem mais longa, estradas estreitas de buracos com muitas curvas encima de serras, dava pra ver as copas dos coqueiros e muito perigosa, essa era minha visão.
Lá no alto da serra do Cipó havia uma construção antiga, que chamavam de palácio, acho que lá deveria ser um hotel não tenho certeza. Os passageiros enjoavam, um rapaz estava em pé na jardineira, o lugar dele vago, depois observando podemos notar que ele estava com disenteria, e que a calça estava cheia!!!
Coitado, estava muito envergonhado... Com os solavancos da jardineira a coisa foi ficando feia, até que chegou em um ponto de parada, ele foi o primeiro a descer, Sebastião ofereceu a ele uma calça, que o moço aceitou prontamente, agora é pegar a mala no bagageiro, foi falar com o dono da parada para arranjar um lugar pra ele tomar um banho pra seguir viagem e jogar água na jardineira que ninguém aguentava de tanto odor.
Essa viagem parecia não ter fim, a jardineira precisava parar sempre para o povo ir ao mato fazer as necessidades e as mulheres vomitar... Foi assim até chegar a noite no Santo Antonio do Rio Abaixo. A cidade era pequena, povo hospitaleiro, lá moravam muitos parentes que a muito não se viam, lá só tinha uma pequena pensão, muito simples, os donos se desmanchavam em amabilidades, cada dia éramos convidados para almoçar em casa de parente para conhecer, as comidas feitas com muito capricho.
Sebastião tinha uma irmã que morava lá, ela tinha um filho já moço, tinha visto o tio quando pequeno, quando me viu ficou de olhos brilhando, eu era tão jovem quanto ele, Sebastião, cortou logo, me disse para não dar muita prosa... Tinha ciúmes de tudo e de todos... Imagino que ficamos neste lugar uma semana, seguimos depois para Ferros, cidade que ele também tinha parentes que não se viam há muito tempo.
Tudo era muito diferente do que conhecia, os costumes, lá fui conhecer a canjiquinha, que comiam no lugar do arroz, a folha de samambaia, a taioba... Etc. Em Ferros foi pouco tempo, o ponto final seria Borba Gato, fazenda do tio rico com fama de mão de vaca. Família grande, muitos filhos, uma prima já teria tido uma queda por ele, antes de ter ido embora para guerra, tinha ficado alguma coisa em suspense, parece que havia alguma esperança, agora ele volta casado com uma menina... Ela continuava solteira, o pai bastante severo, não deixava as moças namorarem, ninguém servia... Havia três solteiras, os rapazes eram um casado, o resto também sem namoradas.
A fazenda era linda, tudo muito bem cuidado, também não tinham empregados, a família que cuidava de tudo, levantavam muito cedo para tirar o leite, fazer queijos, tratar dos porcos, o dia era de muito trabalho. As moças cuidavam da casa das roupas da cozinha, panelas grandes, comidas boas.
Era fazenda de café, com vastos pastos, no cafezal a terra era escura, parecia um côco ralado com chocolates, a casa ficava no alto, assoalhos de taboas largas, com varanda em volta, debaixo da casa era seleiro onde ficavam os cavalos prontos para sair a qualquer hora e os que poderiam chegar ficavam ali recolhidos. Na porta da cozinha tinha uma nascente com uma bica que jorrava água sem parar dia e noite, água pura e gelada, ali formava-se um rêgo que cortava o quintal e seguia para as lavouras, ainda perto da casa tinha uma casinha construída sobre o rêgo, o assoalho tinha um buraco onde as pessoas faziam suas necessidades, os banhos eram tomados na bacia com águas aquecidas no fogão.
Nas noites de lua assentavam na varanda pra conversar e contar causos, moças e rapazes não tinham nenhuma vivencia, não tinham um radio uma revista... Nada para distrair somente serviço. A ex do meu marido, moça já nos seus trinta anos vivia deprimida talvez tivesse alguma esperança... As vezes eu surpreendia os dois conversando baixinho, quando eu aproximava eles disfarçavam, eu fazia de conta que não tinha notado, pra não ficar clima ruim.
Nunca fui ciumenta, sempre resolvi tudo sem perder a esportiva, levava na brincadeira. Quero contar essa lua de mel com todos os detalhes, talvez venha a ficar cansativo... São muitas passagens engraçadas durante esse casamento que durou cinquenta e seis anos aos trancos e barrancos, vou me revestir de coragem para colocar tudo isso na história.
As vezes vão pensar que estou aumentando, mas aconteceu realmente... Uma noite, Sebastião Comeu muito e ainda tomou um copo de leite com muita nata, ele amava tomar leite com sal e natas... Lá tinha dois cães, que durante o dia, eram amigos, mas a noite viravam feras e ficavam soltos no quintal e ninguém chegava. Lá pelas tantas... ele sentiu dor na barriga e tinha urgência para ir ao banheiro, mas como? Era longe... E passar pelo quintal!!! Ele pensou... Não querendo me acordar levantou devagar, abriu a porta da cozinha sem fazer barulho, e não dava pra esperar muito, foi chegando atrás do pé de café e descendo a calça, de repente... Os cachorros rosnam e vem com tudo... Ele apavora corre com a calça nas pernas e pula na grade da varanda, e os cachorros pega não pega... Ele pendurado, todos acordam saem correndo, o tio pensou que fossem bandidos e já busca a carabina, eu dei falta dele na cama e corri também, e ouvi gritar: “Sou euuuu...” “Socorro segura os cachorros”, o tio gritou, as mulheres vão pra lá... Ele tá sem a calça, nestas alturas os cachorros já tinham puxado a calça dele e rasgado... Os primos e o tio ajudaram a sair da grade. E o levaram para tomar banho, e na água fria da bica. No dia seguinte para ele só servia ir embora... Todos pediam para ficar mais, eu estava até gostando mas ele se sentiu envergonhado e fomos embora.
Depois de certo tempo voltamos lá, e sempre que lembrávamos dos cachorros era motivo para muitos risos.

domingo, 20 de novembro de 2011

O Casamento


Durante o noivado que durou um ano e meio, minha mãe ficou novamente grávida. Que novidade! Estava demorando... Vomitou tudo que tinha direito. E cuspiu, é assim, mulher grávida cospe demais, é muita saliva! Faltando exatamente três meses para o casamento, foi preciso chamar a D. Josina, Ângela já anunciava sua chegada, menina ativa, esperta e bem branquinha, cabelo quase nada, eram tantas as visitas, porque agora morávamos na cidade, e tínhamos muitos amigos e os presentes agora já não eram galinhas, ovos, rapaduras, etc. Traziam talcos, sabonetes, casaquinhos e sapatinhos de tricô e outras coisas uteis.
Durante os preparativos para a festa já se falava, sobre a festa, separando os leitões, que iriam assar o novilho gordo, as doceiras reservando os dias, as cozinheiras avisadas, só o fotografo que ficou por ultimo, quando procurado, já estava contratado por outra noiva que casava no mesmo dia e horário. Também já estava sendo considerada moça velha... Já estava com dezenove anos, veja só, hoje eu seria uma menina... Os estudos precisei parar por ali... Mulher casada não estuda.  Isso era o que se ouvia.
A animação foi total, os parentes fazendo roupas novas, os primos não tinham outro assunto. Só se falava no casamento. A casa por sua vez levou tinta nova, panelas grandes compradas na barraquinha de S. Geraldo. Foi feito um forno de tijolos no quintal, para assar as quitandas, estavam esperando muita gente. As casas do tio Inácio e tio José também receberam um trato especial, compraram mais colchões. Viviam contando os dias, mas era muita preocupação.
Só em nossa casa já éramos nove filhos.  Os pais os empregados, vejam quantas roupas e sapatos pra todos, era mesmo uma grande despesa que o pai precisava fazer, ele não reclamava de nada. Meu vestido foi confeccionado pela melhor costureira de Curvelo, especialista em vestidos de noivas.
Minhas cunhadas estavam preocupadas, queriam trazer minha sogra D. Mariquinha, ela era muito simples, gostava só de roupas compridas estampadinhas de preto e branco e mangas compridas. Pra ela ir ao casamento, queriam que ela mudasse o visual completamente, e que usasse até chapéu... Imaginem o drama!
Forçaram tanto que a coitada preferiu enfezar e não comparecer. A outra cunhada mais velha também desistiu com tamanhas exigências só compareceram o pai, um irmão com a namorada, e uma cunhada. Vieram parecendo bonecas de bolo, quem já viu? Chapéus de abas largas da cor dos vestidos, sapatos de saltos Luiz XV, os cabelos com cachos, eram mesmo uma beleza pra uma cidade que não tinha nem calçamento.
Nosso povo estava arrumado, dentro do limite de cada um. O noivo chegou dois dias antes trazendo os moveis no caminhão, a casa que iríamos morar era aquela outra do papai, junto à casa grande que já descrevi. Os moveis eram lindos de madeira clara. Novidade para o lugar, todos queriam ver. O casamento seria no sábado, na quinta feira o povo já estava chegando, os doces de frutas já estavam prontos e de leite para fazer os queijões que eram os meus preferidos. A Ezequiela de João Lopes veio de Santana para fazer e assar no forno novo. Os outros doces, os bombons, os balainhos, cajuzinhos, canudinhos recheados, quindins bom bocados e muito mais.
Os presentes também começaram a chegar ai sim, eram muitos e todos de muito bom gosto. Eu fazia questão de arrumar uma cama larga só para por os presentes e deixar à vista de todos para serem admirados. Sebastião comprou até uma radiola em um móvel grande com belo som estava mesmo podendo. Não sei como, deve ter ficado endividado por muito tempo, acredito que os irmãos o ajudavam.
Fui muito querida, todos faziam muito gosto do casamento. Chegou o grande dia... Logo cedo os encarregados de cuidar das leitoas e sacrificar o boi já estavam em ação, era mesmo muito trabalho... Fazer um buraco no quintal e encher de lenha fazendo fogo para começar assar as carnes, as caixas de vinhos já tinham chegado, precisavam ser retirados das embalagens, isso era serviço pra meninos... Mas ninguém queria saber de ajudar em nada... Era conversar, rir, correr e roubar doces.
O povo estava mesmo animado... As mulheres na cozinha falando alto correndo atrás das coisas, a mãe tinha que receber os hóspedes que chegaram com muita antecedência, a intenção era ajudar. Antes do casamento seria o batizado de Ângela, estava marcado na igreja matriz para as dez horas. Os noivos seriam os padrinhos, ela naquele dia completaria três meses, então seriam naquele dia, duas festas.
Para as primas, parecia que o casamento era delas de tanta animação. Meu vô Evaristo veio dias antes pra marcar presença e ajudar no que fosse possível, a casa estava mesmo repleta de parentes. O muro que dividia com o tio Zé de Varisto, já tinha ido parar no chão de tanto passarem de um lado para o outro, agora parecia que era uma casa só. As plantas do caminho, a horta, tudo pisoteado, as correrias não cessavam.
O casamento estava marcado para as seis horas no santuário de S Geraldo, a noiva já estava em cima de uma cadeira esperando o vestido que não chegava, a agonia era muita, já tinha colocado as anáguas engomadas, o vestido chegou com grande atraso, a noiva nervosa não podia chorar que manchava a pintura. Para fechar o vestido, tinha nada menos que uns cinquenta e seis botões com alcinhas apertadas, com tamanha pressa, abotoaram muitos trocados.
De mangas compridas e bufantes, com abotoamentos nos punhos até ao cotovelo, duas saias que formavam grande cauda era mesmo uma beleza. Passado o momento da cerimônia todos voltam andando para casa, só a noiva não era possível por causa da grande cauda do vestido, ai a festa começa, e vai até pela manhã. De longe se ouviam as musicas... “ó jardineira porque está tão triste...” “Elvira escuta...” Mais tarde depois que as bebidas já tinham subido as cabeças, se ouviam “fuscão preto”, “Chiquita bacana,” “A cabeleira do Zézé”, ai por diante...
A festa durou ainda por todo domingo, eram muitas coisas que comeram e levavam... Festa boa é assim, ficou na lembrança por muito tempo.

domingo, 6 de novembro de 2011

O noivado


A... Como escrevemos cartas... Como falávamos ao telefone... Como brigamos também por ciumeira, ele imaginava as coisas e brigava... Quando saíamos, sempre alguém perguntava se ele era meu pai. Eu nem ligava, mas ele não gostava e saia logo de perto e dizia pra mim: “Que pessoa boba!”.
Mas foi assim, ele era representante de um laboratório farmacêutico e viajava naquela região de Curvelo. Estava sempre passando por lá. Eu nunca tinha namorado a sério, isto é, pensando em casamento. Eram só paquerinhas, flertes, e um namoro, desde quando nos conhecemos, tinha uma queda... Mas eram só brigas. Tinha dia que era uma beleza, ia me visitar em casa levando presentes e tudo mais. Não tínhamos nenhum compromisso, era coisa de infância.
Sebastião não podia nem sonhar que ele passou na minha rua. Meus pais já tinham me alertado que não iria dar certo pela diferença de idade, que sempre ia haver muitos ciúmes, e também meu jeito de ser, era muito divertida, brincava com as pessoas e ele não ia aceitar isso, fiquei pensativa. Ele era muito envolvente, e sabia como me ganhar, prosa fácil, entendia de tudo, cuidadoso comigo... Sabia conversar com os mais velhos, foi convidado a hospedar em nossa casa quando passasse por lá.
Os parentes gostavam muito dele, dos casos que contava de suas andanças, povo simples, e bons ouvintes, conquistou logo amizade de todos, sendo convidado para almoços, festas e tudo mais. Depois de muitas idas e vindas, ele um dia fez a surpresa de me pedir em casamento, aconteceu até almoço, com os parentes todos convidados, a casa ficou cheia. Era dia de festa. Não demorou o pai dele foi conhecer minha família. A mãe achava a viagem muito longa, e nunca teve animo de enfrentar a distancia.
Eu agora só pensava em fazer enxoval, naquele tempo usavam levar um baú cheio de jogos de cama bordados, toalhas de mesa, colchas tudo bordado com linha ilha da madeira, a Fifina, aquela artista que riscava para bordar trabalhava dia e noite para dar conta de tanta coisa, até pano de pratos teria que bordar. Precisei aprender o corte centesimal para fazer algumas costuras, às vezes passava as noites no retiro, com lamparina sentada em cima da cama bordando. Pela manhã as narinas estavam pretas de carvão do querosene, isso tudo pra levar um belo enxoval. E tem mais, toda vez que chegava alguém eu abria o baú e tirava as coisas para mostrar e guardar de novo, era muito trabalho... Mas era com prazer que fazia isto.
Minhas amigas também gostavam de me ajudar, bordando os panos de pratos. Às vezes Sebastião, adiantava o trabalho, e ficava mais tempo no retiro, era um amor danado! Minha mãe caprichava nas comidas, às vezes saia para cavalgar, ele não gostava, ou melhor, não tinha costume, apostar corrida nem pensar; era muito branco e bastava um pouco de sol pra ficar parecendo um camarão.
O noivado durou um ano e meio, e ficou combinado que iríamos morar na casa ao lado do papai como já disse anteriormente, eram duas casas, Curvelo ficava no centro do setor de trabalho dele, às vezes as viagens eram demoradas, mas geralmente vinha nos finais de semana, elas eram feitas de trem. Pegava o noturno as vinte e duas horas, levava duas malas e uma pasta pra trabalho, em uma das malas iam as amostras de medicamentos era bastante pesada, as roupas na segunda mala, precisava usar ternos e gravatas, isso é que encantava as moças, e as vezes também chapéu, olha que chique!
Os ternos costumavam ser de linho, os ferros de passar eram a brasa, e por capricho amava um terno branco de S120, linho grosso difícil para passar, eu como sempre muito boba... Queria mostrar que seria uma boa esposa, assumi logo a obrigação de cuidar das roupas dele até mesmo antes do casamento. Não haviam feito ainda as bacias de plástico, eram de folha de metal, o sabão era em barras ou feito em casa com restos de gorduras, os ternos brancos eu deixava de molho depois de esfregar bastante com folhas de mamão, que tinham me ensinado pra ficar bem branco.
No dia seguinte, quando ia olhar para acabar de lavar, era só ferrugem. Eu tinha vontade de morrer, pra tirar aquilo, me ensinaram colocar as rodelas de limão, depois um pano branco e finalmente o ferro quente. Só tem que depois disso a roupa ficava verde. E pra tirar o verde? E o medo das reclamações quando chegasse, era muito exigente, minha mãe sempre me alertava, mas os jovens não ouvem, o amor é maior, acha que é capaz de superar tudo. E para passar aqueles ternos? Com ferro a brasa, era um Deus me acuda... Quando as brasas começavam a dar estalos e soltar faíscas! Onde caiam faziam um buraco! Como diz o ditado, defunto muito encomendado erra a cova. Depois que fiquei doente não fui mais a escola, fiquei dois anos em tratamento, depois comecei a namorar logo fiquei noiva, ia casar, então não se estudava mais agora, eram outras as obrigações. Já tinha passado o tempo... 


domingo, 23 de outubro de 2011

A enfermidade


Agora vou escrever uma fase difícil da minha vida até então, foram só momentos de brincadeiras e molecagem. Já estava mocinha, tinha minhas paquerinhas, tudo muito sério, como a época exigia. Continuava no colégio, as notas agora eram boas, ficávamos em casa, as crianças que estavam no grupo, sempre com alguém pra cuidar. Minha mãe no retiro, com as crianças pequenas e ajudando a organizar as coisas, plantar hortas etc. Tinha também uma fabrica de farinha, com muitas pessoas trabalhando, tirando polvilho e torrando as farinhas, era mesmo bastante movimento, não falando do leite que toda manhã precisava ordenhar as vacas e desnatar um tanto, e o outro tanto era levado pra cidade para ser vendido de porta em porta, já tinha a freguesia.
Parecia que tudo estava bem, de repente cheguei da aula sentindo dor quando respirava uma dor fina... No pulmão esquerdo, não dei importância, pensei que passaria com o tempo, mas não passou... Foi só aumentando aos poucos, eu sem querer preocupar meus pais, tentei segurar, um dia escarrei uma secreção rosada, mesmo assim não disse nada esperei mais... Ai, não demorou, comecei a vomitar sangue vivo, fiquei louca, vi que era muito sério, era preciso tomar providencia rápido.
Meu tio Geraldo como já disse era muito amigo chegou lá em casa e eu contei pra ele, ficou assustado e mandou chamar meu pai no retiro, minha mãe veio também, chamaram o médico, que constatou com os exames, que era tuberculose. Pediu também que separasse minhas coisas, vasilhas e tudo que fosse meu, que não deixasse misturar com ninguém, porque contaminava, e a cura era difícil. Fui para um quarto sozinha, não podia receber visitas nem das primas que éramos inseparáveis. Parei de ir à escola, e às vezes altas horas precisava sair alguém correndo pra chamar o médico, ele já sabia do que se tratava, vinha trazendo as injeções para cortar hemorragias, o Dr. Espechit não tinha carro morava longe da minha casa. Ele foi um anjo na minha vida, quanta vez precisasse dele... Ele estava ali atento cuidadoso fiel a sua profissão. Essas pessoas Deus põe em nossos caminhos para nos socorrer e nos dar a mão quando estamos no fundo do poço. Acredito que ele já partiu para o andar de cima, que receba toda minha gratidão. Às vezes ficava deitada na minha cama, sentindo muita fraqueza... Desanimada... Triste... Infeliz... Não tinha forças nem pra chorar, a janela sempre aberta, olhava para o céu com nuvens brancas, o sol muito quente, sentia falta da presença de gente, todos evitavam entrar e assentar na minha cama.
Houve um dia que desejei fortemente a morte, cheguei mesmo a pedir a Deus, pedia misericórdia... Um dia padre Paulo tido como padre santo, já tinha feito diversas curas com suas orações, foi me visitar e levar-me a unção, pensei agora será o fim... Não demorou, para o Dr. Espechit chamar meu pai e dizer que tinham descoberto um novo medicamento, que ainda estava em teste, e que em BH um médico tinha recebido para fazer experiência o Dr. Silvio Machado, especialista em pulmão. Disse também que o pai me levasse lá, que teria que ser de avião, eu não suportaria ir de jardineira, também não poderia estar junto das pessoas. O pai não pensou duas vezes, fretou um teco teco e pela primeira vez andamos de avião, chegando a BH ficamos no hotel, não deveríamos ir pra casa de nenhum parente, em seguida levou-me ao médico. O mesmo nos deixou otimistas, falou do medicamento, ele já tinha recebido, e com certeza, dentro de uns dois anos eu ficaria curada. Mas tinha um porem, precisava ficar em BH. O pai voltou para casa me deixando só para ir ao médico, era impossível ficar comigo, teria que resolver tudo sozinha. Sentia uma solidão muito grande... Eu era frágil, adolescente, insegura... Mas me esqueci que era pequena, tornei-me grande de coragem, é a força que brota de nossa fragilidade é a força de Deus... Lembrei-me de minha mãe "Você não nasceu com ninguém, nasceu sozinha tem que se virar só...” Não seria somente o remédio, teria que fazer umas aplicações de pneumotórax, que é enfiar uma agulha grossa no peito, ir até a pleura e encher de ar, isso era feito a principio, dia sim dia não.
Depois de um tempo que estava no hotel, minha tia querida, ofereceu para o pai alugar uma casa que ela ia ficar comigo. Essa foi a maior benção, junto com ela não tinha tempo ruim, alegria voltou, não me tratava como doente, foi cautelosa e boa companheira. Jamais poderei esquecer sua dedicação, ela faz parte das pessoas iluminadas... Aquelas que não medem sacrifício para servir, já era casada de pouco e deixou tudo para ficar comigo, veja se não tenho mesmo que amar essa tia caçula?
Depois de um ano pude voltar para casa, continuando com os medicamentos, fui ficar no retiro junto com os pais, alimentação saudável, com todos os cuidados, repouso, nada de tomar sereno, gemadas, tudo que ensinavam. Às vezes ia a BH, agora já podia ir na jardineira. Nessas alturas, minha tia já tinha comprado uma casa em BH, o marido dela precisava fazer NPOR, ele era muito jovem, e mudaram para lá.
Como ainda estava fazendo pneumotórax porem com intervalo maior, ficava na casa dela. Durante esse tempo ela engravidou-se e teve um filho, o Aron, um encanto de garoto, quando eu chegava lá, corria pra pegar a bola pra jogar no gramado que tinha na frente da casa, lá também era ponto de ônibus, eu aproveitava para namorar os moços que ficavam esperando o ônibus. Era de costume ficar lá por muitos dias fazendo companhia para tia e ajudando a cuidar do Aron. Ela sempre tinha ajudante para fazer o serviço de casa. Neste ponto de ônibus conheci meu marido, de quem ainda vou falar muito.
Quando completaram os dois anos o Dr. Silvio me deu alta do tratamento. Também pudera, moça simples do interior, quando via um moço de gravata e chapéu, caia o queijo, era a coisa mais linda! Mas não somente eu que era assim, todas as meninas de minha idade. O Aron jogava a bola por cima do muro e Sebastião a devolvia, nisso fomos criando uma amizade, era só Aron, vê-lo parecia de propósito, já ia a bola voando através do muro. Até que um dia ele veio conversar, era treze anos mais velho, homem experiente, cativante fazia tudo para me agradar, e sabia como ninguém conquistar uma pequena tola. Aron enchia-se de presentes, bolas diferentes, bombons, carrinhos etc... Ele morava em uma rua abaixo da nossa, tinha mudado não fazia muito tempo, morava com os pais e irmãos. Eu estava já voltando para Curvelo, quando fiquei sabendo que o pai dele tinha sido atropelado por um carro na avenida, então à noite antes de viajar fui ao hospital, estavam todos preocupados com o pai que já era de idade avançada. Essa visita foi a gota que precisava para ele se declarar. Não era fácil para comunicar-mos, seria por cartas que levaria mais de semana, ou por telefone, só havia um centro telefônico, que a pessoas ligavam, o centro mandava um mensageiro nas casas das pessoas marcando a hora para falar. Ficamos algum tempo namorando assim. Esse assunto vai render muita prosa!

domingo, 9 de outubro de 2011

As viagens


Como agora só andávamos em turmas, as meninas para um lado, meninos para outro. Muitos já com os hormônios fluindo, as paquerinhas começando, as distrações, quando não íamos para o retiro no final de semana, era passear no jardim, como já contei, ou ficar na porta do cinema vendo quem estava entrando, ou indo a missa das dez, na praça da matriz. Minha tia caçula, depois da morte do vô Domingos, não voltou pra Belo Horizonte. Ficou com vó Ezequiela, as outras irmãs já tinham se casado e estavam em suas casas. Nadir foi morar em BH, isso era motivo para sempre irmos passar ums dias lá. Minha tia mocinha como eu, a diferença de idade era só de três anos e muito amigas, foi uma amizade que permaneceu por toda vida. As viagens pra BH, merecem ser contadas. As estradas não eram pavimentadas, quando chovia, o barro fazia atolar os carros, a jardineira entào. Essa coitada, era preciso o trocador decer, ir ao fazendeiro mais próximo, pedir duas juntas de bois pra puxar e tirar do atoleiro.
Quando passava no bananal, que nào tinha nada de bananas, era um pequeno riacho, ai a coisa era feia, os passageiros desciam, as moças, geralmente de sapatos novos e vestidos brancos de lese, isso tudo pra ir para capital. Às vezes era preciso juntar todos os passageiros para empurrar a jardineira. Chegávamos em BH todos emlameados. No tempo da seca era pior, a jardineira era sempre velha, com o fundo furado, então entrava terra por todos os lados, não se podia fechar o vidro que estava sempre emperrado, e mesmo assim as mulheres ficavam enjoando, e vomitando. Misturava aquela sujeira, junto com tudo que já tinha na jardineira velha.
As malas como já disse em outra história, iam em cima amarradas, lá tambem iam bandas de porcos, galinhas, sacos com mandiocas etc. Isso é o que me lembro, devia ter muito mais coisas. Nossos cabelos e cílios ficavam amarelos e a gente cuspia barro. Havia tambem o trem, o noturno, ele passava sempre as vinte e duas horas, chegava em BH quando não atrasava muito, pela manhã, era melhor porque ficávamos livres do barro e da poeira mas em compensação não se podia dormir e tambem, se chovesse, era preciso abrir o guarda chuva, e tínhamos que usar um jaleco, ou melhor, um guarda pó, como era chamado, para protejer as roupas das faiscas de fogo, que saiam das chaminés da Maria Fumaça. Áh!... Mas quando chegava em BH, era uma beleza, passear de bondes. Ficávamos dando voltas, os rapazes eram diferentes, bem desinibidos, chegavam e puxavam logo conversa.
A noite passear na avenida Afonso Pena, as duas de braços dados, era moda. Os moços ficavam também encostados nos postes de luz olhando as moças. Durante o dia ia para o parque Municipal, tinham fotógrafos espalhados no parque e nas avenidas, bastava passar  por perto pra ser fotografada e recebia os retratos na volta. Parece que eles conheciam com certeza quem era do interior para atacar. Nós dávamos boas risadas, era muito divertido. Iamos na rádio Inconfidência assistir programas de calouros, ver Emilhinha Borba, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e a cantora Marlene. Todo os dias tinha um programa diferente.
Não demorou pra minha tia arrumar um casamento, esse caso não presenciei, fiquei sabendo por ela mesmo. Conheceu o moço, gente boa... Enamorou-se, ficou apaixonada, ficou noiva e voltou para casa em Curvelo para fazer o enxoval. O noivo era gente de posse, como ela também. Era pra ser grande acotecimento... Igreja de S. José reservada, bufet contratado, tudo certo... Ela foi com minha vó para um hotel pra sair de lá já pronta, mas não é de ver, que na noite anterior ao casamento, já lá pelas vinte e duas horas, ela disse a minha vó: "mãe eu vou embora, não quero mais me casar." A vó disse: "Maria, você está louca, não pode fazer isso!"  Ela disse: "Se você quizer ficar ai fica, que eu estou indo, vou pegar o noturno para casa de minha amiga em Piui." E foi saindo, já com as malas, minha vó falou: "Não vou passar essa vergonha sozinha, vou tambem..." Juntou as coisas dela e foi junto no trem noturno.
Não fiquei sabendo do desenrrolar dos dias, nem ela quis saber. Posso imaginar que foi muito desagradavel tudo isso. Não demorou pra ela conhecer outra pessoa, e se casar direitinho, o casamento foi na fazenda do Rio do Peixe, não fui ao casamento. Não me lembro o motivo...Talvez a história seguinte possa explicar.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Uma Maria


Hoje quero dedicar a minha escrita à minha mãe, essa de quem escrevi quase nada... Às vezes, penso que chegou a hora. Mas a emoção me domina, e deixo pra depois. Nunca imaginei que fosse tão difícil falar daquela que cuidou... Que nos ensinou os primeiros passos, as primeiras palavras...
Quero falar de minha mãe jovem... Futuramente, falarei da mãe madura... Experiente... Amor silencioso, sem limites, eterno.
Ela casou-se com quatorze anos, era uma adolescente, menina mulher, menina mãe. Ela chamava-se Maria, não poderia ser outro nome. Passou pelo seu calvário muito cedo, foram-lhe tiradas dos braços duas filhas, uma, em seguida a outra. Morando muito longe de seus pais e distante de vizinhos, o pai não tinha estrutura para suportar tudo isso, ficou doente... Muito doente, saia pelos campos desorientado... Às vezes, ameaçava se matar ficava pelos cantos, deu depressão... Ela ali... Fazendo de conta que era uma rocha.
Imagina seu coração? Já havia perdido dois amores e prestes a perder o companheiro que amava? Eu era sua companhia!... Quem era eu?... Outra criança frágil, pequena, que mal sabia falar o nome, e dar um recado mal dado, impossível imaginar o tamanho de seu sofrimento, eles moravam em um lugar ermo afastado de tudo, sem nenhum recurso ou conforto, fiquei sabendo por esses dias conversando com o pai que, está pra fazer cem anos. Ainda soube me contar esses detalhes que eu não conhecia, lembrou também o nome do lugar, disse que lá se chamava Capivara, e de como foi difícil superar tudo aquilo.
Falou também que quando a primeira filha morreu, eles moravam lá em Capivara, a segunda já descrevi porque me lembro foi a Eunice, ele só teve melhora quando nasceu Nicinha, ai sim, sentiu que apesar de tudo, a vida continuava... E como continuou!  Somente quando somos mães e pais é que podemos medir e sofrer em silencio.
Essas forças são dadas em proporções maiores as Marias... Simplicidades, ao extremo, e de uma grande sabedoria. Essa, foi de berço, nasceu junto com ela, li que a sabedoria é para os simples e humildes. Minha mãe era isso. Simples e humilde. Seus partos todos foram feitos em casa, nunca ouvi um gemido, um pedido de socorro, sempre a luta ativa com muitos filhos pequenos e desinquietos... Põe desinquietos nisso... Ela nunca deu uma palmada, um castigo, mas ameaçava quando estávamos brigando. Sempre dizia: "se não parar com isto, vou por de castigo abraçados." e o medo de ter que ficar abraçado com aquele que naquele momento estava odiando, parava logo e saia pra lá.
Apesar de pouco estudo, não fazia nenhuma leitura, como? Que hora? Às vezes eu a via em um lugar afastado do barulho, com um livrinho de oração, fazendo novena de S.Geraldo, ou rezando a oração de Santa Maria Eterna. Só Deus sabia o que ela estava pedindo! Com certeza, saúde para os filhos em primeiro lugar, paciência e forças pra suportar as dificuldades que eram muitas. Nunca ouvi alguma briga com o pai por ciúmes, ele nunca foi fiel a ela, nem assim ela perdia a linha, era superior a tudo, e que briga não leva a nada. Sempre a ouvi dizer para as comadres, quando brigarem, não saiam de suas camas, deixem que eles durmam no sofá, porque é muito desagradável ter que voltar, deixe que isso aconteça com ele. Ela sabia também ser meninona, Brincar de esconde-esconde, geralmente nas noites de lua cheia, pedia alguém pra tomar conta dos pequenos, e, àquelas horas eram de correr e brincar, o pai também entrava nesta, terminava quando já estávamos cansados. Não me esqueço de um dia, em que ela se escondeu em cima da comunheira da casa do curral, quando foi descer, prendeu a aliança em uma lasca da madeira e a aliança deu um corte no dedo dela, foi muito sangue, o dedo inchou e não pôde tirar a aliança nem tinha como dar pontos, a brincadeira acabou ali.
Sempre que pedia pra buscar alguma coisa e a gente chamava alguma companheira, ela dizia logo: “você não nasceu ligada a ninguém, nasceu sozinha, tem que se virar só.” Seguimos com muita precisão esse exemplo, não sabemos esperar, nem depender das pessoas. Chamam isto de orgulho, eu creio que sim, mas não sabemos ser diferentes.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A casa na cidade


Sendo assim, as coisas foram tomando um rumo, na cidade, nossa família já estava instalada, como era preciso. Logo ficamos sabendo que a casa que fazia fundo com a nossa, estava a venda. Olha ai, podia haver melhor oportunidade para o tio José de Evaristo comprar e trazer nossos primos e primas para morar ali e estudar? A idéia era muito boa! O pai procurou logo o dono da casa e segurou o negócio. Em seguida mandou recado para o tio vir fechar a compra. Assim que chegou e viu que a casa era do jeito que ele tinha pensado, que poderia continuar na fazenda, e os filhos não iriam ficar junto com estranhos, estava tudo em casa, agora era rezar para aparecer outra casa para o tio Inácio. Ele também tinha filhos na idade escolar, os primeiros anos já tinha feito na roça, mas era preciso continuar.
Nossa alegria era contagiante, os outros primos teriam de vir também, não dava pra separar... Ficou um bom tempo sem aparecer nada, de repente, conversa vai, conversa vem, o pai fica sabendo que em frente à casa do tio José tinha uma casa com um cômodo de açougue pra vender. O pai não poupou tempo foi atrás, fez o negócio para o tio, fez mesmo antes de consultá-lo com medo dele perder a oportunidade. Agora estava bom todos próximos. Ficava assim, da nossa casa, passava pra casa dos primos, tinha um porém, saltar o muro... Mas não demorou o muro foi quebrando uns pedaços.
Os filhos do tio Inácio vieram assim que puderam morar na cidade, os pais continuaram tocando os trabalhos com as lavouras e gados. Quem precisasse ir até as fazendas, teria que ir até a ponte do bicudo de caminhão, e de lá até em casa de cavalo. O caminhão ia toda semana levar encomendas e trazer o povo com as coisas para vender, como: queijo, rapaduras, frangos, polvilhos, farinhas etc. O Batista, que já falei, aquele criado pelo vô Evaristo, ele sempre levava frangos pra vender, chegavam sempre à noite, e pela manhã precisava dar milho aos frangos antes de colocar na vara pra oferecer de porta em porta. Também ajudava a dar peso. Então assim que abriu o comercio, Batista entrou e perguntou, "Ai tem mio?" A vendedora disse. "Mio não tem... Tem milho!” Ele respondeu. "Pensei que entrei numa venda, e entrei foi numa escola, a senhora me desculpe, e pelo jeito a senhora é a diretora." e foi saindo, ele costumava vender as coisas e guardar o dinheiro amarrado em um lenço. Quando a moça viu a trouxa de dinheiro, ficou toda amável, e quis vender tudo. Além do que ele precisava.
Tio Inácio ficou satisfeito com a compra da casa, providenciou logo a reforma da mesma para que ficasse mais aconchegante. Parece que o tempo era mesmo favorável as compras, não demorou um vizinho da fazenda S. Antonio, propôs comprá-la, o pai gostava de lá e tinha pena de vendê-la, agora não tinha mais o vô pra pedir conselhos. Conversou com a mãe, e chegaram à conclusão, que deveria esperar um pouco até aparecer terras junto das nossas perto de Curvelo para comprar.
Eles pensaram se vendessem agora, acabariam gastando o dinheiro, e estando empregado na fazenda estaria seguro. Dito e feito dai bom tempo apareceu um retiro ligado as nossas terras, já tínhamos bons pastos, e uma porção grande que tinha recebido de herança, ai sim, não podia recusar o negócio, estava melhor do que esperávamos sendo assim vendeu a chácara que dava mais despesas que lucros, comprou mais bois para cortes. Lembrou do cômodo de açougue do tio Inácio, na rua do fundo.
Como o retiro era perto, só nove quilômetros, dava pra cuidar dos dois. Lá já tinha uma casa de um tamanho razoável, uma cisterna coberta, com bomba pra jogar água na caixa, sem ser preciso buscar na fonte. O pomar formado já tinha algumas frutas da época, muita cana plantada para alimentação do gado no tempo da seca. Então pensou rápido, abrir o açougue... Teria o gado para fornecer as carnes, era uma boa idéia... Não demorou a realizar a vontade, antes da festa de S Geraldo o açougue já deveria estar funcionando, e funcionou.
Lá na cidade tinha tal de Senhor Germano, homem bom, silencioso, educado, só não dava prosa pra ninguém. Não sabemos o motivo porque que Armando sentia tanto medo dele. Um dia, o pai precisou sair para ir ao banco, pediu a Armando pra ficar tomando conta. Armando pensou, “vou assentar aqui, com a peixeira na mão, assim tô tomando conta de verdade...” Mas não é de ver, que justamente naquele momento entra o Senhor Germano, com o laço na mão. Ele trabalhava na prefeitura, pegando animais nas ruas. Armando, quando viu ficou branco, levantou até tremendo para atendê-lo. O medo era tanto, que cortava qualquer carne que o Senhor Germano quisesse. Quando o pai chegou, ele falou de peito cheio: “Hoje fiquei perto do Senhor Germano...” Papai disse logo, “não falei que você é macho?”
Com os primos juntos não tinha tempo ruim, todas as noites íamos brincar de cartas, agora já não ia pras ruas brincar de pega- pega, as conversas eram outras... Eram só rapazes, namorar escondido, assentar no banco das praças e ao avistar uma pessoa conhecida saia correndo, medo de alguém contar para os pais, eram besteiras ninguém estava nem ai. Ainda mais que andávamos de turmas. Dar voltas de bicicletas, era tudo de bom, éramos muitos, e as bicicletas poucas, precisavam tirar sorte pra ver quem seria o próximo.
Neste intervalo minha mãe já tinha ganhado mais dois filhos, Vivaldo que papai escolheu o nome olhando na folhinha do Sagrado Coração, dizia que era nome de homem inteligente, Cresceu forte e paparicado igual aos outros. No dia da mudança da chácara pra cidade a mãe sentiu uma dor... Advinha? Nasceu Lucia, veio como uma brisa mansa, pequena, como se tivesse faltado material, mas ela nunca precisou de tamanho para ser feliz... A mãe era ótima parideira, Depois que conheceu a Jozina, só pensava nisso... O pai vivia rindo, já tinha três homens faltavam poucos para um time de futebol. Sentiam muito orgulho de sua prole... Diziam sempre que os filhos deles eram os mais bonitos. Serenita ficava cuidando da gente na cidade, a mãe o pai e os pequenos no retiro, mas todos os dias o leiteiro vinha trazendo o leite para ser vendido, e final de semana íamos alguns de charrete, outros de bicicletas e voltávamos no domingo à noite.
Havia em nossa casa uma entrada lateral, por onde davam as janelas de dois quartos, pela manhã o padeiro colocava os pães na janela do fundo para comermos com o café antes de ir pra escola. Como nem tudo pode ser perfeito, os pães, estavam sumindo... Quem será? Ficamos imaginando... Mil idéias surgiram... Conclusão... Alguém estava pegando antes da gente! Nicinha, como sempre muito corajosa. Prontificou-se logo, "vou dormir aqui e pela manhã pego no flagrante". A janela era de madeira com taramela pra fechar, a cama ficava com a cabeceira debaixo da janela, o que ela fez?  Pegou um pau, cabo de machado, assentou na cama encostada na cabeceira, não deitava pra não dormir, taramela semi-aberta, agora é esperar... Só que cochilou... Pela manhã, quando o padeiro coloca o pão esbarra na janela, ela acorda, pula da cama já com o pau na mão, abre rápido a janela, levanta o pau pra atacar... O padeiro da um pulo pra trás e grita. “Opa! Sou eu..." Por pouco não deu uma surra no padeiro.

sábado, 10 de setembro de 2011

A venda


Terminado a reforma da casa, que demorou muito, pois teve quase que jogar toda no chão, deu tempo até pra mãe engravidar de novo e nascer Maria de Lourdes, menina espigadinha e sapeca, fiquei feliz, mais uma para o bando. Também ela já tinha feito freguesia com a parteira Jozina. Já éramos quatro contra dois.
A casa foi dividida em duas, uma menor, que poderia ser alugada, e a maior onde foram feitos diversos quartos, um grande, cabia sete camas, esse era pras meninas, os outros também, parecia que esperavam ainda muitos filhos. Duas salas, uma cozinha enorme quintal grande com canteiros, caixa d’água pra muitos litros, ainda um depósito subterrâneo, pra segurança, o consumo era grande, muitas roupas para serem lavadas, agora já sabe, eram banhos todos os dias, precisava pegar o ritmo da cidade.
Tudo ali era mais fácil, não precisava buscar lenha no campo nem água na fonte, o leite e o pão vinha na porta, a escola só atravessar a praça, colégio ficava um pouco distante, mas tinha muitas colegas vizinhas. Lá eu não tinha bom comportamento, gostava de conversar, também meus pais não me puniam, acostumada com liberdade, demorava a entrar nos eixos. Fugi de novo, agora as carteiras eram de duas em duas, a menina que assentava na minha frente deixou o cabelo por cima de meu caderno e vi um piolho andando na minha carteira, ai falei pra todos ouvirem, a freira ficou brava comigo, não podia agir assim, tinha que ter chegado à colega e falado.
Na hora do recreio fizeram fila pra ir para o pátio, a freira ficou na porta, quando chegou minha vez de passar ela disse: “Você fica de castigo” voltei triste, ela saiu e fechou a porta. Eu pensei... Tive vontade de chorar... Depois resolvi fui para janela, tinha uma horta, e um pé de mamão junto ao muro, desses que nascem por acaso... Então, peguei a pasta saltei a janela subi no pé de mamão, passei para o muro, lá em baixo estava um caminhão parado com uns sacos de ração dentro, devia ter uns dez, não deu outra, joguei a pasta depois pulei, saí correndo e fui embora. Encontrei com o pai que estava montando um comercio na casa da vó no cômodo de loja que tinha lá, contei o motivo, o pai achou por bem ir lá conversar, justificou... pediu desculpas... No dia seguinte cheguei muito sem graça as meninas olhavam e riam, fiquei com vergonha, mas já tinha feito e assumi, pedi desculpas pra freira e tudo bem, só me ameaçou, se fizesse de novo ia ser expulsa.
O comercio estava sendo montado, ponto bom, esquina da praça, ali não teria erro. Vinha muitas coisas da chácara: ovos, queijos, requeijão, frutas, frangos etc. A Liu ficava na chácara, e fazia os queijos, os requeijões e mandava Serenita, ajudava minha mãe na lida da casa. Maria de Lourdes, que chamávamos de Lourdinha, já engatinhava por toda casa, minha mãe ajudava na venda, às vezes eu também. Freguesia só crescendo, por quê? Porque será? Não demorou pra fechar... Já tinha um caderno cheio de anotações, e já começava outro. Pra comprar na venda dele não precisava de dinheiro, bastava falar que estava precisando. E lá iam as mercadorias. Cobrar nunca. E as noticias espalhavam, não aguentou muito tempo. Ele viu que ia quebrar, cobrar ele não gostava, tinha vergonha, o jeito que achou foi fechar. Quando minha mãe falava ele dizia, deixa Maria, se eles tivessem dinheiro, não estariam passando falta das coisas.
Ele foi sempre assim o que era dele era de todos, herdei esse lado, não me apego a nada. Não tenho nada, e tenho tudo. Tudo que necessito: família, amigos, saúde, vida e paz. Não troco isto pelo maior tesouro do mundo. A presença de DEUS é visível em nossas vidas. Quem tiver olhos que veja quem tiver ouvidos, que ouça. O quarto ano não consegui passar de ano também poderá, com tantos transtornos? Repeti, a quinta série fui bem, também já era tempo de tomar jeito. Estávamos na chácara, quando fiquei menstruada, nem nunca tinha ouvido falar disso, parece mentira, mas é pura verdade, as mães não comentavam nada dessas coisas com a gente, tomei o maior susto, a primeira pessoa que falei foi a Serenita, me tranquilizou, me explicou que era assim mesmo, e que todo mês ia repetir até eu ficar velha. Nem conhecíamos obsorventes, não recebíamos nenhum preparo para enfrentar esse tipo de coisa. E casavam também completamente sem saber o que estava pra acontecer, tamanho atraso, quando digo isso muitos duvidam, pensam que é exagero.
Agora, já começava a me interessar pelos meninos, saia pra passear com as amigas e as primas, era dar voltas na praça do jardim ou praça do fórum. Lá todas as noites as moças se aprontavam e de braços dados rodavam a praça, os moços ficavam parados nos postes de luz paquerando, às nove horas pra casa. Se atrasasse um pouco tinha bronca, se arranjasse namorado nada de pegar na mão, ia ficar falada, depois não arranjava casamento. Também andar com mulheres separadas, nem pensar, se estavam todos assentados na porta e passasse uma separada e parasse pra perguntar alguma coisa, os pais mandavam agente ir pra dentro.
A missa não era mais das crianças as nove, era as dez missa campal, celebrada na praça da matriz, o padre ficava no coreto, e o povo em pé, as moças de sapato alto, no sol quente, pisando em cima dos cascalhos, era chique a missa das dez aos domingos. Agora mudou o prefeito, esse queria mostrar serviço, mandou fazer um calçamento, em frente ao cinema era uns dez metros, fizeram tijolos de concreto e calçaram, ficou bonito, chamaram as escolas pra desfilar no calçamento na inauguração, houve até banda de musica, o tiro de guerra marchando os alunos com uniformes de gala, muitos fogos, era mesmo uma grande festa.
Sim, passou o dia de domingo. Na segunda, passou um caminhão, nem estava cheio, não é de vê que o calçamento partiu todo? Lá se foi o trabalho. Esse serviu só de chacota para o prefeito.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A procissão







Na chácara tínhamos mais conforto, luz elétrica, água canalizada, um pomar imenso, com todo tipo de frutas que agente nem nunca tinha ouvido falar, um belo jardim, na frente da varanda havia um caramanchão de maracujá, onde colocávamos redes, contávamos histórias, e cantávamos juntos. O pai sempre voltava ao Santo Antonio para ver como estava o andamento da fazenda. Ele era muito jovem, apesar de já ser pai de cinco filhos não falando nos abortos, uma que morreu quando eu era ainda muito pequena e a Eunice de cuja morte me lembrava. Naquele tempo casavam cedo, o pai com dezoito a mãe com quatorze, eram adolescentes... Os hormônios na flor da pele... Não havia anticoncepcional, preservativos também não existiam. Ele não era nenhum santo em fidelidade, minha mãe sabia que ele pulava cercas, mas nem por isso ela ficava com brigas, nunca presenciamos uma cena de ciúmes, era super inteligente, se chorava, nunca vimos, ele sempre foi bom marido, carinhoso, pai presente, brincalhão e divertido. Eu podia notar que as traições não eram por amor e sim por instinto de homem. Gostava de mulheres sempre muito feias e sem tipo, não olhava cara. Acho que a mãe fazia vista grossa, punha na balança as virtudes... E... Deixava passar, assim foi... Ela só pensava em ser exemplo para os filhos.
Por um bom tempo a rotina foi igual, ir pra escola às vezes andando com colegas que moravam por perto, outras vezes de carro ou no cavalo, tudo era válido, ficar final de semana na cidade com as primas, brincar na praça, sair com o tio Lálá, que fazia nossas vontades escondido da vó Ezequiela. Ia à missa das nove aos domingos no santuário de S. Geraldo e às vezes iam todos para a chácara, ai era bom demais. Por mais de um ano, o pai continuou indo na fazenda, sempre, a mãe nunca podia ir estava amamentando José Carlos, Nicinha e Armando já estavam indo para a escola, ficar indo e vindo na fazenda estava difícil, com a morte do vô, e a partilha das terras, tocou para o pai umas terras próximas de Curvelo, mas eram somente terras, sem nenhuma construção. Visto a isso ele decidiu vender S.Antonio e comprar uma casa na cidade e mais terras ligadas as que herdou do vô, assim foi feito. Comprou uma casa grande e velha, no centro, na rua do correio bem perto de escola, pensando nos filhos que aproximavam idade de estudar. Antes precisava fazer uma bela reforma, enquanto isso comprou uma charrete para levar-nos a escola, foi uma farra todos queriam conduzir a charrete, era muito bom.
Pela manhã o vaqueiro tirava o leite, punha as latas na carroça, ia vender na cidade de porta em porta, levava também muitas frutas. Descendo pra chácara tinha uma estrada lateral bem profunda e escura passava por ponte de madeira sobre um riacho, o nome é Riacho Fundo. Nos finais de semana os jovens que moravam do outro lado da ponte se juntavam e iam passear nas barraquinhas e na praça, voltavam tarde... Bem tarde, as primas como já disse gostavam também de ir pra nossa casa, então como tínhamos muita criatividade, pegávamos uma vela um fósforo, e um lençol branco, geralmente noite de lua, subíamos na porteira ao lado da estrada escura, enrolava no lençol ficava esperando os jovens, quando ouvia conversas, acendia a vela, eles viam aquilo começavam a correr e gritar, a gente ria tanto que uns até faziam xixi.
As distrações eram criadas, o que vinha na cabeça... Era pensar e agir, desse no que desse os pais nem davam broncas, não existia televisão, nem todos podiam ter um radio, éramos felizes nas simplicidades, amigos, companheiros, sem nenhum espírito de competição. Mas, bom mesmo era o mês de outubro, festa de S.Geraldo... Missas com sermão a noite, geralmente era só pela manhã, na festa era diferente tinha novena, confissões, barraquinhas de fora, trazendo novidades, a cidade ficava repleta de pessoas de todos os lugares, na igreja se não fosse mais cedo não assentava, minha mãe como sempre com criança de colo, era uma das primeiras a chegar, as cantoras bem afinadas a Piquitita e a irmã que esqueci o nome, cantavam tudo em latim, as missas também era rezadas em latim, só o sermão o povo entendia. As mulheres, e crianças que já tinham feito primeira comunhão usavam véus, as casadas véus pretos ou cinza, as moças solteiras e meninas véus brancos.
Recebiam a Eucaristia, de joelhos e na boca, nessa hora não usavam batom iam em jejum. Apesar de não entenderem a importância da missa, os padres ensinavam o respeito. No ultimo dia da festa havia a procissão de S. Geraldo ai todos de velas acesas, véus nas cabeças, sapatos novos machucando os calcanhares, às vezes até tirava no caminho fazia de conta que estava cumprindo promessas. Os vestidos novos feitos pela Dita Gonzaga, costureira famosa, trabalhava como ninguém naqueles dias. Na procissão, estava a mãe de braço dado com o pai e nós atrás, ela segurava a vela acesa, de repente a vela começa a escorrer e queimar a mão, ela soltou o braço dele pra consertar a vela... O povo foi andando... Foi andando... Ela distraída com a vela, nisso quando terminou de arrumar, levou o braço... Não era mais o pai que estava ao lado dela, era o S. Raimundo, ela nem percebeu, andou um bom pedaço de braços com ele, o pai viu e mostrou pra nós, foi difícil pra segurar o riso, quando ela deu pelo caso ficou muito sem graça pediu desculpas, chamou nossa atenção, porque não avisamos pra ela. Isso é motivo de risos até hoje quando nos lembramos da situação.


domingo, 28 de agosto de 2011

O automóvel



Meu pai não sabia onde socorrer, o vô precisava de sua presença, a mamãe também, já em estado avançado de gravidez, a fazenda S.Antonio, estava entregue aos encarregados, a chácara precisava ser organizada. A mamãe deu sorte em trazer com ela duas ajudantes, a Liu e Serenita, elas também precisavam aprender a ler. Meu vô já não saia do quarto, tinha muita dificuldade para se alimentar, às vezes passava todo o dia só tomando líquido. Ouvia o pai dizer que não tinha nada mais a fazer, cada dia estava pior, precisava ter sempre alguém ao seu lado.
A fazenda do Rio do Peixe, meu tio João estava tomando conta, não tenho certeza, mas me parece que ele já tinha se casado com Lia, filha de José Ferreira. Na família do pai eram nove irmãos, perdoem-me, se não conseguir falar de todos, alguns perdi pelas distancias, Geraldo era o penúltimo, muito apegado a mim, porém ele tinha epilepsia, às vezes caia com convulsões e se machucava, mas ele não evitava o perigo, gostava de me levar nos circos e assentar nas ultimas arquibancadas, às vezes ele pressentia que ia passar mal e me convidava para descer. Foi ele quem me ensinou a andar de bicicleta, era muito divertido e brincalhão.
Assim que organizaram as coisas na nova morada, fui para lá. Ficaram com os avós, minha tia caçula, a prima paparicada, Geraldo e os tios que estavam sempre lá por causa da doença do vô. A chácara era o que tinha de melhor, tudo lindo, e muito próxima da cidade, podíamos ir a pé quando quiséssemos, assim que saíamos da cidade, uma rua de terra, ou melhor, toda a cidade não tinha calçamento, só terra, levava até a um mata burro, dai em diante, já era nosso.
Na entrada tinha eucaliptos plantados nas laterais até chegar ao pátio, eram árvores enormes, davam sombras lindas na estrada de cascalhos, entrar ali era como estar entrando no céu. O pai, como agora tinha um automóvel... Precisava levar a família para passear, mas ele nunca tinha guiado um automóvel, mesmo assim queria ir lá ao vô, atravessar de ponta a ponta aquela grande cidade, assim ele deveria estar pensando, minha mãe logo disse: “Eu não vou tenho medo!” “Estou perto de dar a luz, e não sei o que pode acontecer...” Nós estávamos eufóricos, andar de automóvel!... Com papai dirigindo seria muito bom. Aprontamos-nos como se fosse para uma festa, Nicinha, como sempre, sem cabelo nas sobrancelhas e na testa, como já disse ela não deixava crescer, Armando de calça comprida, camisa abotoada no pescoço, Ana Maria, passou batom vermelho de minha mãe e bastante ruge nas bochechas, achava que estava abafando... Entramos no veiculo, meu pai ligou, não pegou... Ligou de novo... Nada... Veio a pergunta: “Será que tem gasolina?” Só olhando... Estava completamente seco, como podíamos sair? Mandou um empregado pegar um cavalo e ir à cidade comprar um galão de combustível, até que fazer tudo isto chega à noite, ia precisar acender faróis, como? Não podia estavam queimados, o jeito é ficar para amanhã, e quem diz que as crianças se conformavam... Era só choros e reclamações. Meu pai ficou bravo, prometeu que no dia seguinte, domingo, iríamos todos à missa no carro. Assim seria bom, nos conformamos, já sabia que quando ele prometia, sempre cumpria.
Dia seguinte todos levantam bem cedo, hoje é o dia... Ir a missa das nove no carro, depois passar no vô pra vê-lo e exibir o carro para as amigas... Tudo bem, todos no jeito até minha mãe agora estava indo, a Liu, Cerenita, o carro estava mesmo lotado, não cabia mais nada. Deu partida não pegou... Tentou... Tentou... Depois alguém disse tem que dar manica, não entendi bem o que era aquilo, vi quando pegaram um ferro torto, enfiaram na frente do carro e começaram a rodar aquele ferro, ai pegou, meu pai entrou rápido acelerou, passou a marcha e fomos embora parecia que tudo tinha dado certo, o pai é mesmo sabido... Pensei, chegamos no mata burro, todos cobrem os olhos com as mãos com medo de cair no buraco que era bem fundo, em seguida tinha uma subida, quem diz que o carro subia? Derrapava nos cascalhos, ele freava o carro apagava, mandou descer todo mundo, e vamos empurrar, até sair da subida, nestas alturas já estavam todos sujos de poeira e suados de tanto fazer forças.
Chegou ao lugar plano, entraram todos pegou de novo o ferro milagroso, enfiou na frente e rodou, pegou de novo e fomos, até chegar à porta da igreja, a missa já tinha começado, entrou aquele povão empoeirado aquela meninada feia, mulher grávida... Aquele povo que tinha se arrumado tanto!.. As crianças naquele converseiro alto procurando lugar pra assentar, o pessoal olhava para trás. Ainda bem que o padre estava de costas.
Saindo dali, fomos andando até a casa do vô, mamãe pediu que não fizéssemos barulho, o vô estava nas ultimas, já não conhecia as pessoas, só com soro na veia e a família já toda reunida, os parentes que moravam fora já tinham chegado. Minha vó assentada na varanda com um lenço na mão enxugando as lagrimas. Estava um ambiente constrangedor, o coronel era muito querido... Coitado de meu pai vai sentir muita falta de seu conselheiro. Permanecemos lá por toda tarde, mas antes de escurecer nos levou embora, o carro não podia andar a noite, e tinha o perigo da descida para o mata burro, agora só falta ter que segurar pra não cair no buraco. Graças a Deus chegamos vivos. Ficamos em casa com a mãe, o pai voltou para se juntar ao povo que estava em vigília de oração para o vô.
Pela manhã tivemos a noticia da morte, e que o velório não era pra levar crianças, devido o estado de minha mãe ela também não foi. Neste dia não fui à aula, era velório. Passamos brincando, descobrindo o que tinha de bom naquele lugar. A vizinha veio visitar, e oferecer os préstimos, falou com a mãe da parteira que atendia em casa, já era conhecida, a dona Jozina mulher experiente, acostumada a fazer parto até de criança que está assentada, com ela é assim, só aplicar uma injeção que a criança nasce rápida.
Vi quando falou em injeção a cara que a mãe fez, ela nunca tinha tomado pra ter filho! A vizinha deu o endereço, despediu e foi embora. Papai ficou ocupado o dia inteiro, a casa da vó tinha muita gente e precisava cuidar das coisas, ele chegou bem cansado não tinha dormido a noite passada com a vigília. Pela manhã a mãe estava desinquieta, sem achar lugar, o pai pegou o endereço da parteira e foi buscá-la, no carro, já tinha treinado um pouco e já se achava apto para conduzir uma parteira. Não demorou ele buzinou chegando na porteira. As crianças correram pra ver, a dona Jozina trazia uma maleta com as ferramentas, e disse que trazia ali um neném, todos pequenos acreditaram, eu já estava consciente do que estava acontecendo, mas já era hora de aprontar e ir para escola.
Como estava um pouco atrasada, pedi pra selar o pampinha, cavalo bom, sabia trotar e marchar, fazia inveja a qualquer pessoa, desci a avenida principal cavalgando, chegando, amarrei atrás da escola em uma sombra, todas as colegas vieram olhar meu cavalo pintado de vermelho e branco, me sentia como rainha. Voltei pra casa e já tinha mais um irmão, nasceu José Carlos, nariz chato boca grande, todos diziam: “Que lindo!” “Parece um anjinho” Pensava comigo mesmo: “Será?...” Minha mãe estava muito feliz, e nós também. A sopa de galinha já estava feita, uma panela bem grande todos comiam, agora era só alegria.