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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A loteria


Compartilhei essa vida por algum tempo... O marido Sebastião que de agora em diante vou chamar de Soares, porque ele gostava que o chamasse assim... Quero que saibam que continuo fazendo suas vontades... Durante esse tempo, na ausência do Soares, eu era a mesma menina, junto a meus irmãos, participava de tudo e observava tudo que acontecia... As traquinagens, não podia perder nada.
Todo dia tinha uma coisa pra ser motivo de chacotas, parecia que não haviam problemas, ou não os via. Agora depois de três anos fico grávida da minha primeira filha. Sempre que o soares viajava para trabalhar na região de Vitória Minas me levava junto até BH, me deixava em casa dos pais dele. Uma madrugada acordei com barulho do taxi. Soares chegava de viagem não só com as malas, tinha nos braços uma coisa enrolada em um cobertor. Vi aquilo e fiquei preocupada sem entender nada.
Dona Mariquinha já tinha levantado para ir a missa, logo foi recebê-lo e viu que ele trazia uma criança, era um menino muito doente, estava com disenteria e uma infecção de intestino muito forte. Ele tinha dois anos de idade e pesava somente dois quilos e meio, os olhos e os cílios eram enormes devido à magreza. Vi o menino e fiquei impressionada, comecei a chorar... Estava muito sensível devido à gravidez, a criança se chamava Antonio.
O Soares contou-nos como aconteceu tudo, que ele estava no hotel e a mãe do Antonio ia ser despedida porque estava levando o menino para o serviço, então o Soares vendo isso pediu a criança, mas não podia imaginar que a mãe o daria, e ao embarcar no trem a mulher entrega a criança, ele correu até o hotel que ficava próximo e pediu um cobertor, comprou um pacote de bolachas, que o Antonio nem teria força para comer.
Dona Mariquinha muito caridosa, foi logo cuidar da criança fazer um mingau dar um banho morno enrolar em uns panos limpos, cuidou com todo carinho, passou pomadas nas feridas das virilhas. Minhas cunhadas, Maria José e Amélia, arranjaram uma cama para o menino junto delas.
Chegou o dia de voltarmos para casa, com certeza teria que levar a criança que estava ainda com os pés muito inchados e disenteria... Se ofereceram pra ficar com o menino até eu melhorar dos enjôos, então fomos embora com essa preocupação. Depois de duas semanas voltamos a BH, então disseram que iam criar o menino por quem já tinha tomado amor e que seria delas. Senti-me aliviada, pois sabia que não conseguiria cuidar dele como precisava.
Acho que o soares ficou muito endividado com o casamento, quis fazer mais do que podia, ainda gastou com passeios, vivia rezando pra ganhar na loteria, nunca desistia, todo dinheiro que conseguia comprava bilhetes e sonhava... E rezava... Pedia que queria ganhar duzentos mil cruzeiros que com isso ele ia ficar muito bem. E como correu atrás desta fortuna!
Não podia ver um cambista que ia em busca de um bilhete nem que fosse uma tira. Mas queria porque queria. Às vezes acordava bem cedo e falava pra mim, "Fizinha, acredita que sonhei com um numero e me esqueci?” “Agora vou deixar uma caneta e um papel no criado, para quando sonhar anotar logo o numero, Deus tá querendo me falar."
Assim fazia... Um dia acordou chorando, fiquei preocupada e perguntei o que tinha acontecido, custou pra dizer, falou que tinha sonhado com Jesus, que pediu a Ele o numero do bilhete, e que Jesus fez com a cabeça que sim, e o Soares ficou muito emocionado.
Assim que foi a BH para reunião da firma em que trabalhava, para receber o pagamento, passou no Campeão da Avenida, viu o bilhete preso no vidro e pensou: "É esse!” comprou sem demora. No dia seguinte na hora do sorteio, não teve paciência de esperar em casa, foi para a porta da loteria. Os sorteios acho que eram irradiados, não sei bem ao certo, só sei que falaram o numero dele, quase desmaiou. Foi muita emoção. Conferiu, Conferiu e conferiu.
Foi ele mesmo, ganhou trezentos e sessenta mil cruzeiros, já com os descontos. Era muita grana pra quem estava pensando só em duzentos. Saiu dali correu para o centro telefônico, para mandar mensageiro em casa me chamar, era assim mesmo precisava mandar chamar e pagar mensageiro. Quando atendi, ele não conseguia falar de emoção, queria que eu adivinhasse.
Como? Nem chegou a falar nada, só suspirava. Respirava fundo, pensei em tudo menos na loteria. Com muito custo falou: “Agora vou ser dono de meus negócios, vou à firma pedir demissão, pagar minhas contas e te buscar para comprar o enxoval da criança, e roupas para você.” Assim ficou combinado. Final de semana chega de taxi de BH a Curvelo, agora sim não vai andar mais de jardineira, chegou dono da situação... Perfume caro... Sapatos de cromo alemão, o que tinha de melhor.
Enfeitou-se todo e foi visitar um amigo que tinha um café na praça do fórum, agora não precisava ter pressa tinha todo tempo do mundo, era só fazer planos e executar... Mas primeiro tinha que descansar, tirar umas férias... As tardes tomava banho, terno de linho branco, gravata de primeira linha, sapatos bem engraxados, brilhantina perfumada, barba bem escanhoada, estava para ninguém botar defeito.
Subia para o café do Nilton, ali ficava até o café fechar, isso era feito quase todos os dias. Então chegou o dia de ir para BH para fazer as compras, a primeira coisa: comprar alguns livros de química. Tinha muita tendência a invenções... Ainda mais agora, que tinha dinheiro e tempo, era só inventar algumas coisas, patentear e ficar rico... Parecia fácil.
Era um sonhador... Então fomos às lojas caras comprar o que tinha de mais bonito, primeira parada na Mesbla comprar o carrinho da criança, o único importado, um cadilac com molas especiais amortecedores, aquela beleza... Um punhado de discos, da Nora Nei, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e outros mais. Comprar cambraia irlandesa que os vendedores mostravam, notavam logo que o comprador estava por cima... Eles só queriam vender e ele comprar...
Voltando para casa com as peças de tecidos para o enxoval as baetas para fazer os cueiros, tudo seria bordado, com muitas rendas francesas, parecia que não teria fim... Foram muitos outros exageros, que ficaria horas descrevendo. Um dos livros ensinava como fazer cera para assoalho, tinha a receita. O Soares voltou a BH para comprar o material, só lá teria tudo aquilo de boa qualidade.
Comprou foi muito para aproveitar a viagem, muito breu, cera de abelhas, cera de carnaúba, etc. Faltava ainda o sêbo de boi, esse compraria mesmo em Curvelo era só encomendar, seriam uns vinte quilos, porque fazer pouco era bobagem... Ele seria concorrente de outras ceras boas que haviam no mercado. Então fez a primeira etapa para testar, só um pouco... Passou no assoalho... Poliu... Poliu... Com flanela nova, não dava muito brilho... algo estava errado. “A receita” pensou... ”Vou consertar...” Alterou umas coisas, mudou outras... Nada... Até que um dia conseguiu fazer o pedaço de tabua brilhar. Foi um dia feliz, chamou todos para ver o teste... “Agora sim! Ninguém vai poder comigo!” Encomendou o sebo em diversos açougues, a quantidade seria grande vinte quilos.
Dissolveu o breu, fritou o sebo em um tacho para isto precisou fazer uma trempe no quintal e chamar a meninada para trazer as lenhas e fazer o fogo. Um dia de serviço no sol quente. Depois de pronta a cera, encheu uma lata e deixou esfriar... Era só esperar pra ver... Estava satisfeito... Realizado... Já tinha comprado a enceradeira com um dispositivo que aquecia a cera e jogava no assoalho para as escovas espalharem, era um último lançamento.
Achou melhor passar a cera com as mãos, para caprichar mais, as salas eram grandes de tacos de peroba, passou na casa toda, uma camada bem grossa, esperou secar bem, quando veio com a enceradeira... Ela travava... Chiava... E não rodava, pegou o escovão, ele grudava no taco e nada fazia andar, ficou muito bravo... Gastou nem sei mais quantos litros de querosene para tentar tirar, mesmo assim ainda levou bom tempo dando trabalho para voltar no que era.
Essa lata de cera ele deu pra Nicinha, aproveitar e usar imagina... Ela até tentou, mas foi impossível, não deu. Com a sobra do material pensou em fazer sabonetes... Era muita idéia... Também não deu.
Mas o leitor pode esperar as invenções continuam...

Um comentário:

  1. hahahaha vó muito boa essa história. Lembro direitinho da senhora me contando o dia em que o vovô ganhou na loteria hahaha

    Alexandre

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