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domingo, 28 de agosto de 2011

O automóvel



Meu pai não sabia onde socorrer, o vô precisava de sua presença, a mamãe também, já em estado avançado de gravidez, a fazenda S.Antonio, estava entregue aos encarregados, a chácara precisava ser organizada. A mamãe deu sorte em trazer com ela duas ajudantes, a Liu e Serenita, elas também precisavam aprender a ler. Meu vô já não saia do quarto, tinha muita dificuldade para se alimentar, às vezes passava todo o dia só tomando líquido. Ouvia o pai dizer que não tinha nada mais a fazer, cada dia estava pior, precisava ter sempre alguém ao seu lado.
A fazenda do Rio do Peixe, meu tio João estava tomando conta, não tenho certeza, mas me parece que ele já tinha se casado com Lia, filha de José Ferreira. Na família do pai eram nove irmãos, perdoem-me, se não conseguir falar de todos, alguns perdi pelas distancias, Geraldo era o penúltimo, muito apegado a mim, porém ele tinha epilepsia, às vezes caia com convulsões e se machucava, mas ele não evitava o perigo, gostava de me levar nos circos e assentar nas ultimas arquibancadas, às vezes ele pressentia que ia passar mal e me convidava para descer. Foi ele quem me ensinou a andar de bicicleta, era muito divertido e brincalhão.
Assim que organizaram as coisas na nova morada, fui para lá. Ficaram com os avós, minha tia caçula, a prima paparicada, Geraldo e os tios que estavam sempre lá por causa da doença do vô. A chácara era o que tinha de melhor, tudo lindo, e muito próxima da cidade, podíamos ir a pé quando quiséssemos, assim que saíamos da cidade, uma rua de terra, ou melhor, toda a cidade não tinha calçamento, só terra, levava até a um mata burro, dai em diante, já era nosso.
Na entrada tinha eucaliptos plantados nas laterais até chegar ao pátio, eram árvores enormes, davam sombras lindas na estrada de cascalhos, entrar ali era como estar entrando no céu. O pai, como agora tinha um automóvel... Precisava levar a família para passear, mas ele nunca tinha guiado um automóvel, mesmo assim queria ir lá ao vô, atravessar de ponta a ponta aquela grande cidade, assim ele deveria estar pensando, minha mãe logo disse: “Eu não vou tenho medo!” “Estou perto de dar a luz, e não sei o que pode acontecer...” Nós estávamos eufóricos, andar de automóvel!... Com papai dirigindo seria muito bom. Aprontamos-nos como se fosse para uma festa, Nicinha, como sempre, sem cabelo nas sobrancelhas e na testa, como já disse ela não deixava crescer, Armando de calça comprida, camisa abotoada no pescoço, Ana Maria, passou batom vermelho de minha mãe e bastante ruge nas bochechas, achava que estava abafando... Entramos no veiculo, meu pai ligou, não pegou... Ligou de novo... Nada... Veio a pergunta: “Será que tem gasolina?” Só olhando... Estava completamente seco, como podíamos sair? Mandou um empregado pegar um cavalo e ir à cidade comprar um galão de combustível, até que fazer tudo isto chega à noite, ia precisar acender faróis, como? Não podia estavam queimados, o jeito é ficar para amanhã, e quem diz que as crianças se conformavam... Era só choros e reclamações. Meu pai ficou bravo, prometeu que no dia seguinte, domingo, iríamos todos à missa no carro. Assim seria bom, nos conformamos, já sabia que quando ele prometia, sempre cumpria.
Dia seguinte todos levantam bem cedo, hoje é o dia... Ir a missa das nove no carro, depois passar no vô pra vê-lo e exibir o carro para as amigas... Tudo bem, todos no jeito até minha mãe agora estava indo, a Liu, Cerenita, o carro estava mesmo lotado, não cabia mais nada. Deu partida não pegou... Tentou... Tentou... Depois alguém disse tem que dar manica, não entendi bem o que era aquilo, vi quando pegaram um ferro torto, enfiaram na frente do carro e começaram a rodar aquele ferro, ai pegou, meu pai entrou rápido acelerou, passou a marcha e fomos embora parecia que tudo tinha dado certo, o pai é mesmo sabido... Pensei, chegamos no mata burro, todos cobrem os olhos com as mãos com medo de cair no buraco que era bem fundo, em seguida tinha uma subida, quem diz que o carro subia? Derrapava nos cascalhos, ele freava o carro apagava, mandou descer todo mundo, e vamos empurrar, até sair da subida, nestas alturas já estavam todos sujos de poeira e suados de tanto fazer forças.
Chegou ao lugar plano, entraram todos pegou de novo o ferro milagroso, enfiou na frente e rodou, pegou de novo e fomos, até chegar à porta da igreja, a missa já tinha começado, entrou aquele povão empoeirado aquela meninada feia, mulher grávida... Aquele povo que tinha se arrumado tanto!.. As crianças naquele converseiro alto procurando lugar pra assentar, o pessoal olhava para trás. Ainda bem que o padre estava de costas.
Saindo dali, fomos andando até a casa do vô, mamãe pediu que não fizéssemos barulho, o vô estava nas ultimas, já não conhecia as pessoas, só com soro na veia e a família já toda reunida, os parentes que moravam fora já tinham chegado. Minha vó assentada na varanda com um lenço na mão enxugando as lagrimas. Estava um ambiente constrangedor, o coronel era muito querido... Coitado de meu pai vai sentir muita falta de seu conselheiro. Permanecemos lá por toda tarde, mas antes de escurecer nos levou embora, o carro não podia andar a noite, e tinha o perigo da descida para o mata burro, agora só falta ter que segurar pra não cair no buraco. Graças a Deus chegamos vivos. Ficamos em casa com a mãe, o pai voltou para se juntar ao povo que estava em vigília de oração para o vô.
Pela manhã tivemos a noticia da morte, e que o velório não era pra levar crianças, devido o estado de minha mãe ela também não foi. Neste dia não fui à aula, era velório. Passamos brincando, descobrindo o que tinha de bom naquele lugar. A vizinha veio visitar, e oferecer os préstimos, falou com a mãe da parteira que atendia em casa, já era conhecida, a dona Jozina mulher experiente, acostumada a fazer parto até de criança que está assentada, com ela é assim, só aplicar uma injeção que a criança nasce rápida.
Vi quando falou em injeção a cara que a mãe fez, ela nunca tinha tomado pra ter filho! A vizinha deu o endereço, despediu e foi embora. Papai ficou ocupado o dia inteiro, a casa da vó tinha muita gente e precisava cuidar das coisas, ele chegou bem cansado não tinha dormido a noite passada com a vigília. Pela manhã a mãe estava desinquieta, sem achar lugar, o pai pegou o endereço da parteira e foi buscá-la, no carro, já tinha treinado um pouco e já se achava apto para conduzir uma parteira. Não demorou ele buzinou chegando na porteira. As crianças correram pra ver, a dona Jozina trazia uma maleta com as ferramentas, e disse que trazia ali um neném, todos pequenos acreditaram, eu já estava consciente do que estava acontecendo, mas já era hora de aprontar e ir para escola.
Como estava um pouco atrasada, pedi pra selar o pampinha, cavalo bom, sabia trotar e marchar, fazia inveja a qualquer pessoa, desci a avenida principal cavalgando, chegando, amarrei atrás da escola em uma sombra, todas as colegas vieram olhar meu cavalo pintado de vermelho e branco, me sentia como rainha. Voltei pra casa e já tinha mais um irmão, nasceu José Carlos, nariz chato boca grande, todos diziam: “Que lindo!” “Parece um anjinho” Pensava comigo mesmo: “Será?...” Minha mãe estava muito feliz, e nós também. A sopa de galinha já estava feita, uma panela bem grande todos comiam, agora era só alegria.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A PRAÇA




Na semana seguinte começaram a chegar às meninas veteranas, que vinham das férias. Eram muitas, todas contentes, por ver de novo as colegas. Só via abraços, pulos de alegria, troca de presentes, cada uma trazia pra colega mais querida. A primeira turma se encontrava desolada meio sem graça... Sem assunto... Não conhecia ninguém... “Deve ser assim mesmo,” pensávamos. Na primeira semana, meus pais não vieram. Estavam ocupados com as colheitas, só minha tia Eldina, eu tinha verdadeira adoração a ela... Sabia ser simpática, carinhosa e alegre, trouxe-me um pacote de balas variadas, daquelas quadradinhas de caramelo, coco queimado, umas grandes redondas do tamanho de uma bola de ping pong, listradas coloridas, uma delicia eu já sabia.
Tia Eldina, depois de ficar comigo um bom tempo, resolveu me contar que minha vó Donana tinha tido um problema, que estava muito doente e que Deus a tinha levado pra junto Dele. Fiquei muito triste, era muito querida e nem fiquei sabendo no dia. Mas entendi que era impossível saber, a comunicação era difícil, só fiz chorar em silencio.
Agora já iniciaram as aulas, tinha grandes dificuldades, parecia tudo diferente, decorar as tabuadas os pontos de história do Brasil, geografia era tantas coisas que me deixavam louca, sem falar na matemática, era muitos problemas para dar soluções. Não posso esquecer os pés... Acho que os sapatos eram maiores, o calcanhar estava que era só ferida, já tinha colocado algodão nos bicos para deixá-los mais justos e não ficar esfregando nas feridas.
As turmas que chegaram eram animadas, nos intervalos brincavam de pega pega, jogavam vôlei, corriam, eu ficava só olhando, mesmo que me convidassem não poderia, os pés!.... Como ia fazer!... No final da outra semana, vieram o pai, a mãe e os irmãos. Foi um dia de festa, chorei muito pedindo, queria ir embora de todo jeito, mas me convenceram de que era só por mais uma semana, que estavam prontos para mudar no final do mês, as colheitas já estavam terminadas. Não gostei, mas aceitei.
Na segunda feira cedo, na fila pra capela, com o véu na cabeça, enquanto a freira destrancava a porta, eu estava na direção da porta da recepção, quando alguém chamou para entregar uma encomenda. Assim que a secretária abriu a porta, que eu vi a rua, não me segurei, sai da fila em disparada, atravessei a porta e ganhei a liberdade. Só que gritaram: “Pega! Pega!” E o rapaz que fazia entregas saiu correndo e me segurou.
Meus pais já tinham saído cedo para ir embora, voltei de cara grande e com vergonha, as meninas olhavam em mim e riam, virei motivo de criticas e chacotas. Foi besteira minha, o pé não deixava ir longe. O colégio mandou carta para o pai contando o que tinha acontecido, e pedindo sua presença. Assim que ele recebeu voltou, e foi lá atender o chamado. Chegaram a mim e disseram: “A madre superiora está te chamando” Tremi toda, não sabia que tinham chamado o pai, achei que ia ser castigada, a superiora já tinha fama de brava, as meninas quando passavam por ela abaixavam as cabeças, pensei: “Hoje é meu dia...” Qual foi minha surpresa? Chegando lá, meu pai, dele não tinha nenhum medo... Era paz total... Ele me pôs no colo, passou a mão nos meus cabelos, me abraçou apertado, não me deu nenhuma lição de moral, não comentou minha fuga, pra ele estava tudo certo. A surpresa maior foi quando me disse: “Amanhã já vamos mudar, e sábado venho te buscar.” Aquela foi a mais linda fala que ouvi, contava as horas, ai o pé parou de doer.
No sábado como tinha marcado chegou cedo, apanhou minhas coisas e fomos pra casa do vô Domingos. Lá tinham muitas pessoas fazendo visitas, o vô estava assentado na cadeira de balanço bem abatido, pela doença quase não falava, pálido e triste. A tia caçula tinha saído do colégio em Belo Horizonte estava em casa, por causa da doença do pai. Fiquei feliz quando a vi, gostava e gosto ainda muito dela. Era companheira e amiga, era adolescente e gostava muito de namorar, mas tinha que ser escondido de minha vó.
Meus pais esperavam a mudança lá na chácara, meus irmãos também. Fiquei no vô até arrumar as coisas e alguém me buscar. A segunda feira prometia, logo cedo vesti o uniforme, tomei leite com café e pão com manteiga da roça, peguei a pasta com os cadernos e livros, uns trocados pra comprar merenda da Guily, tinha muita vontade de comer os pasteis, as puxas e a carne no pão, mas as freiras não deixavam a gente comprar fiado para o pai pagar depois, e o dinheiro nem dava. Neste dia sim, Vou fazer minha vontade. Saindo de casa me deparei já, com duas colegas que estavam indo, foi uma alegria para mim, éramos amigas de sala, atravessamos a praça, e fomos em direção a escola, ficamos todo tempo juntas amigas para sempre.
Agora voltei ao normal, chegava da aula, arrancava os sapatos, pés no chão, juntar as colegas que moravam na rua de baixo ir para praça brincar de rodas pic de esconder, bola queimada, estatua, elas sabiam brinquedos novos, pra mim era um aprendizado dos bons.
A praça tinha partes com gramas que nasciam por acaso, outras partes era com poeiras e buracos isso não servia de empecilho para nós. Ficávamos até tarde nas brincadeiras. Antes de dormir precisava tomar banho, era uma sujeira só. Nesta praça também tinha a cadeia, sempre cheia de presos, que ficavam nas grades olhando, ela ficava mais ou menos do lado, não permitia a visão de toda a praça. Às vezes eles pediam cigarros, agente pedia pras pessoas e jogava pra eles, era preciso amarrar em uma pedra pra chegar até eles, às vezes conseguiam aparar outras vezes não, caia no chão, pediam ao guarda pra pegar. Isso tudo escondido da vó, mas como ela estava sempre ocupada com o vô nunca via, era tudo muito diferente. Pra começar, entregavam o pão toda manhã nas portas o padeiro chegava numa carroça fechada e coberta, só uma portinha atrás onde pegava o pão com o garfo, tocava a buzina, e vinha logo uma pessoa com um prato pra receber, tinha de sal e sovado, podia escolher.
O leite vinha das fazendas, era entregue também nas portas tinha acabado de ser tirado das vacas estava ainda quente, vinha nas latas grandes, numa carroça puxada por cavalo, a medida era uma lata de litro presa em um cabo, que enfiava na lata de leite e depois despejava na vasilha que a freguesa trazia, ali era só ferver com uma pitada de sal. Também tinha carroça pra carregar defuntos da Santa Casa, era igual a do padeiro, porém preta. O pessoal que vinha da roça não sabia distinguir qual carroça era de pão, então às vezes eles perguntavam a de defunto, se tinha pão fresco. Na praça, tinha dois pés de eucalipito enormes... Lá as mocinhas namoravam escondidas de seus pais. Minha tia era uma delas, não faziam nada, nem pegavam nas mãos, mas precisava vigiar, e as meninas vigiavam... Quando a vó aparecia na porta a gente jogava uma pedrinha assim já tava avisada, ela saia correndo e o rapaz ficava atrás do pau, pra dar um tempo.
Logo abaixo da casa do vô, meu tio Dino, marido da irmã do meu pai a Stela, tinha um açougue, os bois vinham da fazenda e ficavam detidos no matadouro que era pouco abaixo, à noite a freguesia levavam os pratos com os nomes escritos no fundo, enfiavam pela grade, e pela manhã ia buscar com o kilo da carne, se não levasse vasilha, a carne seria enrolada no jornal.
Esta praça era local das barraquinhas de São Geraldo, no mês de outubro, se cobria de barracas que vinham de fora e o comercio tomava conta. As pessoas alugavam casas na cidade, traziam as famílias para participar dos festejos, tinha de tudo até bandidos para explorar os pobres coitados. As barraquinhas eram feitas com cerquinhas de pequenas estacas enfiadas no chão, formando um circulo, dentro as mesas também com pequenos tocos aterrados, com taboas pregadas formando assim uma mesa os quatros bancos do mesmo jeito.
As moças rodavam o circulo de braços dados, os moços ficavam parados em volta, paquerando e curtindo as meninas, todas se arrumavam ao máximo para conquistar os mais bonitos. Ao ir pra casa, que não podia passar das nove, sempre algum moço pedia se podia levar em casa, quando isso acontecia, no dia Seguinte se encontravam de novo, só que desta vez ele vinha até a casa buscá-la, ai já considerava que estava namorando. Em volta da barraquinha era só poeira, quando chegava em casa tinha que tomar banho, os pés e pernas ficavam irreconhecível, mas os olhos brilhavam, eram muitas diversões.



domingo, 14 de agosto de 2011

O Internato


Conforme o verão avançava, meu avô continuava a se recuperar, embora lentamente. Ele estava fazendo experiência com um novo medicamento que veio de fora. Contava que saia para passear no quarteirão uma vez por dia, todos os dias exatamente vinte minutos, mas até isso era difícil para ele devido à fraqueza que sentia. Se havia um lado positivo nisso tudo, era proporcionar a ele algo em torno do que organizar seu dia, agora que estava adoentado. Observavam sinais de cansaço em sua voz e lembravam-lhe constantemente a comer bem, dormir bastante e tomar os medicamentos.
Bem, a segunda feira chegou rápido, levantei, tomei banho, só isso já era estranho, tomar banho direito era só no dia de sábado ou dia de passear, ai sim, lavava da cabeça aos pés. Aprontei como a mãe tinha ensinado, escovei os dentes agora com creme dental, tomei um copo de leite, não descia mais nada, além disso.
Papai pegou a mala e fomos, o colégio ficava perto, era só atravessar a praça da igreja pegar, uma rua pequena de uns dois quarteirões, mais uma pracinha a de Santa Rita, e já estava lá. Chegamos exatamente às sete horas, já tinham alguns pais com suas filhas esperando a porta abrir, e foram chegando outros... Mais outros... Mais outros, já fazia um bom numero, quando a porta abriu. Apareceu uma freira sorridente muito amável, olhava em nossas caras e certamente pensava... “Coitadas! Não sabem o que as espera...” Mandou que entrássemos nos guiou para uma sala imensa... Com diversas cadeiras, pediu que todos se assentassem, comentou as normas da escola, falou que as visitas só eram permitidas aos domingos, e que tínhamos que obedecer rigorosamente a diretora, e na próxima reunião ela viria falar com os pais.
Convidou a todos para conhecer a escola, lá dentro, naquele momento só estavam as órfãs limpando o chão. As outras alunas só iriam retornar na semana seguinte porque elas já conheciam o esquema. Depois de percorrer todos ambientes, isto é: capela, refeitório, dormitórios, área de recreio campos de jogos, por ultimo salas de aulas e de estudos. Os pais ficaram deslumbrados com a organização, não sei se as outras meninas pensavam igual a mim, eu não sentia nem via nada bonito e nem bom, meu pensamento não saia de casa nem mesmo da minha escola na roça. Depois a freira agradeceu a presença de todos, falou que as filhas estariam em boas mãos, podiam voltar para suas casas despreocupados. Assim, quando abracei o pai tive a sensação que não ia me soltar dele, quando vi que as outras meninas estavam serenas, fiquei com vergonha e o libertei. Nestas alturas, já se aproximava o almoço, mas ainda dava tempo de arrumar as coisas no armário, cada uma tinha um pequeno.
Após terminar, fizemos fila para lavar as mãos e ir para o refeitório. Éramos umas trinta e cinco novatas, nossos lugares já estavam marcados na mesa com o nome de cada uma. Antes de assentar a freira nos ensinava a rezar, e agradecer pelo alimento que iríamos comer, no final rezamos de novo, e saímos em fila fomos para o pátio para recreação e entrosamento, nesta hora a freira nos deixou a sós para conversarmos e nos conhecermos. Em determinado tempo, tocou um sino e veio a freira, mandou formar fila, e ir para o refeitório para fazer um lanche, pão com manteiga e chá, ou bolachas de água e sal e chá, podia optar.
Voltava em fila para tomar banho, de novo! Outra vez. Agora todas vestiam uma camisola branca bem simples depois de ter tirado todas as roupas, a freira tava ali, era outra, de cara mais fechada, sisuda, nariguda, causava medo em qualquer uma de nós. Entra debaixo do chuveiro frio... Que terrorismo. A freira ali, andando de um lado pra outro, de olho no que estávamos fazendo ou deixando de fazer. Todas prontinhas, fila, agora a capela, o padre já tinha chegado para celebrar a missa. Todas de véus nas cabeças, sem dizer uma palavra.
Lá cada uma tinha também lugar marcado. Eu pensava... ”Porque essa preocupação de marcar lugar?... Porque não podia assentar onde queria?” Durante a missa celebrada em latim com o padre de costas pra assembléia eu não entendia nada... Ficava o tempo todo pensando em minha mãe. Como ela deveria estar pensando em mim. Na minha dificuldade de adaptação, ela sabia que eu estava sofrendo, só de ter que ficar calçada o dia todo já era um suplicio. “E será que o sapato não estava machucando?” A disciplina era rígida, Zélia foi criada como pássaro... Voava quando quisesse. Seu mundo não passava de uma pequena região em que todos a conheciam, agora caminha na incerteza, sobre ordens de quem ela não conhece.
À noite após o jantar e as orações, caminho ao dormitório nos acompanha outra freira diferente, parece de poucos amigos, mal deu uma boa noite, vestida de branco, e foi falando logo: “Não gosto de brincadeiras nem conversas.” A gente tinha medo até de respirar... Disse logo: “Tirem as roupas e coloquem camisolas, brancas de mangas compridas, escovem os dentes e vamos rezar.” Já tinha rezado muitas vezes durante o dia, “não chegou?” de novo... Agora: “SANTO ANJO DO SENHOR, MEU ZELOSO GUARDADOR QUE A TI ME CONFIOU A PIEDADE DIVINA, SEMPRE ME REGE ME GUARDA ME GOVERNA ME ILUMINA AMEM.” Terminada a oração todas se deitam sem nenhum piu.
Durante a noite a freira não dorme, anda de um lado pra outro com o rosário na mão, rezando as AVES MARIAS. Minha mãe tinha ensinando a rezar pelas almas do purgatório todas as noites, uma ave Maria, alguém já tinha me dito que, se não rezasse pelas almas, elas viriam cobrar, fiquei pensando nisso naquela noite, não havia rezado, não houve tempo. Acordei durante o sono e vi uma coisa branca andando, parecia que flutuava, lembrei de imediato... “Será a alma?” Suava de medo... Comecei a rezar com a voz presa na garganta e um pouco alta para que a alma ouvisse. Ela pôs o dedo na boca e fez psiu... No dia seguinte tudo correu como o dia anterior, não tinha a menor graça. Até recomeçar as aulas foi assim, depois piorou, sentia vontade de sair correndo, para junto de meu povo, “Aquilo lá que era vida!”
Havia na porta da capela um aviso: “sexta feira confissões, todas as alunas terão que fazer o exame de consciência uma hora antes, e comparecerem em fila por ordem de tamanho, e com véu, o padre estará esperando no confessionário.” Pensei... ”Contar o que? Não fiz nada.” O único pecado era de não estar gostando de nada daquilo que estava acontecendo.

sábado, 6 de agosto de 2011

A Despedida


Os aniversários nunca eram comemorados, apenas ganhávamos os parabéns e no domingo seguinte se fazia almoço de frango no molho e macarronada, esse era o prato predileto da meninada. Antes do Natal a mãe montava um pequeno presépio no canto da sala e rezávamos o terço até chegar a noite de vinte quatro, antes de deitar tirávamos os sapatos dos guardados para por na janela do quarto dos pais para Papai Noel deixar os presentes, era uma alegria só, pela manhã em cada sapato tinha algumas moedas, não importava o valor o certo é que ele veio... Quando chegava o dia do ano novo, surpreendíamos as pessoas pedindo “Minhas festas; quem falasse primeiro ganhava o presente.
A mais de duas semanas o pai tinha entregado a mãe o estatuto, ela certamente já tinha lido, estava imaginando como seria eu num colégio interno... Como agiria... “O que ela vai fazer lá...?“ Só DEUS... Sabia que a solução não podia ser outra, era tentar. Pela manhã, o senhor Zeca apareceu disposto a fazer negócio, conversaram, conversaram, tomaram café, fumaram cigarros, andaram de um lado pra outro, papai mandou ajuntar os bois de corte no pasto, montaram nas mulas e foram para o local do ajuntamento. O gado estava saudável, era tempo de capim verde. Depois de olhar, contar todos, o homem fez a proposta: trocaria a chácara pelos bois. O pai pediu um tempo, não falou, mas sei que ele queria ouvir a opinião do vô. Ai foi-se o mês de janeiro quase todo.
Levou a mãe pra conhecer a chácara, ela achou que daria certo, só que teria que ser depois das colheitas, isso mesmo, tinha que esperar. Papai pensou em tudo, como ele traria as vacas Leiteiras? E os cavalos dos meninos? Propôs então comprar de porteira fechada, isto é, com tudo que tinha dentro, até um Ford 29, ai sim ninguém ia reclamar de nada. Lá já tinha as vacas que precisava os cavalos, até um pampinha que na certa seria causa de muitas brigas... Ele era pequeno e muito manso já nasceu pra crianças.
O Sr. Zeca aceitou a proposta do pai, ficou com o gado de corte em troca da chácara. Até que concretizasse os documentos, começasse as colheitas, não poderiam mudar, mas Zélia tinha que ir. As aulas estavam para começar. Minha mãe já tinha providenciado o enxoval, a comadre Divina fez tudo que precisava, desde as calcinhas, até roupas de cama, toalhas, uniformes, eram muitas coisas. O uniforme não me esqueço, saia pregueada azul marinho de casimira, a blusa branca de mangas compridas, gravata também azul, que não passava de um quadrado com um nó em uma das pontas. Meias brancas três quartos, sapatos pretos fechados. Ai Que ia pegar. Fechados, aqueles pés, Não ia ser possível aquilo! Mas fazer o que? Teria que se apresentar uma semana antes das aulas, para ir se adaptando ao internato. Meu pai ia me levar, a mãe de novo estava enjoando, que nem podia sentir o cheiro do feijão cozinhando, café nem podia pensar. Quase nada parava no estomago.
Agora era sério, falei com as amigas, aquelas mais companheiras de brincar juntas, via em seus semblantes tristeza, argumentaram: “E agora, como vamos fazer sem as brincadeiras?” “Nossa casinha agora que está completa, temos tudo até o forninho que seu pai mandou fazer no cupim, aquela boneca grande que a gente dá banho e ela não derrete!” “Nosso brinquedo de rodas e pega...” Era muito ruim tudo aquilo. Eu também estava com o coração apertado, deitava demorava pra dormir ficava pensando... Tinha uma esperança, em breve, nas férias eu voltaria.
Estava marcado, na sexta feira pela madrugada, deveríamos sair a cavalo, naquele mesmo trajeto. Chegou o momento, todos se levantaram cedo pra despedir, mamãe já tinha preparado tudo que fosse preciso para a viagem. Até o Morro, teria que levar um burro de carga para levar as malas, eram muitas coisas, só o enxoval enchia uma, e as outras coisas?  Abracei minha mãe, segurei o choro, senti seus braços me apertarem como se fosse a ultima vez, fiquei engasgada, abracei cada irmão, passei a mão no Peri que estava por perto.
O dia começava a clarear, a mãe ficou na varanda segurando a lamparina no alto como se quisesse iluminar o caminho. Montamos nos animais e partimos pelas estradas esburacadas. De longe eu olhava pra trás, minha mãe estava lá, só via um foco minúsculo de luz era ela... Dos Morros acinzentados brotavam raios de sol sobre a vegetação orvalhada, o canavial tornou-se um lago de prata. Na curva do caminho olhei mais uma vez... Ela já não estava mais... Meu coração apertou novamente, agora eu teria que chorar... Não podia mais suportar... Era uma angustia muito grande. Chorei, o bastante pra desabafar, o pai ficou todo o tempo em silêncio, ele respeitou o meu momento. Para Curvelo seria de jardineira, ali o povo levava de tudo, cachorro, galinhas, saco com pintinhos piando que tinham deixado a mãe, e iam acabar de ser criados por alguma criança, mandiocas, rolos de fumos bem fedidos pra ser vendidos, pamonhas. As malas iam em cima amarradas com uma corda. E as vezes as mulheres, que viajavam, estavam grávidas e começavam a vomitar e os cheiros se misturando.
Eu estava ali... Rumo ao desconhecido! Me deixando ser levada simplesmente... Fizesse o que quisesse... Eu estava ali. Na segunda feira bem cedo o pai depois de ter passado o final de semana com o vô Domingos com certeza iria me apresentar no colégio.