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sábado, 6 de agosto de 2011

A Despedida


Os aniversários nunca eram comemorados, apenas ganhávamos os parabéns e no domingo seguinte se fazia almoço de frango no molho e macarronada, esse era o prato predileto da meninada. Antes do Natal a mãe montava um pequeno presépio no canto da sala e rezávamos o terço até chegar a noite de vinte quatro, antes de deitar tirávamos os sapatos dos guardados para por na janela do quarto dos pais para Papai Noel deixar os presentes, era uma alegria só, pela manhã em cada sapato tinha algumas moedas, não importava o valor o certo é que ele veio... Quando chegava o dia do ano novo, surpreendíamos as pessoas pedindo “Minhas festas; quem falasse primeiro ganhava o presente.
A mais de duas semanas o pai tinha entregado a mãe o estatuto, ela certamente já tinha lido, estava imaginando como seria eu num colégio interno... Como agiria... “O que ela vai fazer lá...?“ Só DEUS... Sabia que a solução não podia ser outra, era tentar. Pela manhã, o senhor Zeca apareceu disposto a fazer negócio, conversaram, conversaram, tomaram café, fumaram cigarros, andaram de um lado pra outro, papai mandou ajuntar os bois de corte no pasto, montaram nas mulas e foram para o local do ajuntamento. O gado estava saudável, era tempo de capim verde. Depois de olhar, contar todos, o homem fez a proposta: trocaria a chácara pelos bois. O pai pediu um tempo, não falou, mas sei que ele queria ouvir a opinião do vô. Ai foi-se o mês de janeiro quase todo.
Levou a mãe pra conhecer a chácara, ela achou que daria certo, só que teria que ser depois das colheitas, isso mesmo, tinha que esperar. Papai pensou em tudo, como ele traria as vacas Leiteiras? E os cavalos dos meninos? Propôs então comprar de porteira fechada, isto é, com tudo que tinha dentro, até um Ford 29, ai sim ninguém ia reclamar de nada. Lá já tinha as vacas que precisava os cavalos, até um pampinha que na certa seria causa de muitas brigas... Ele era pequeno e muito manso já nasceu pra crianças.
O Sr. Zeca aceitou a proposta do pai, ficou com o gado de corte em troca da chácara. Até que concretizasse os documentos, começasse as colheitas, não poderiam mudar, mas Zélia tinha que ir. As aulas estavam para começar. Minha mãe já tinha providenciado o enxoval, a comadre Divina fez tudo que precisava, desde as calcinhas, até roupas de cama, toalhas, uniformes, eram muitas coisas. O uniforme não me esqueço, saia pregueada azul marinho de casimira, a blusa branca de mangas compridas, gravata também azul, que não passava de um quadrado com um nó em uma das pontas. Meias brancas três quartos, sapatos pretos fechados. Ai Que ia pegar. Fechados, aqueles pés, Não ia ser possível aquilo! Mas fazer o que? Teria que se apresentar uma semana antes das aulas, para ir se adaptando ao internato. Meu pai ia me levar, a mãe de novo estava enjoando, que nem podia sentir o cheiro do feijão cozinhando, café nem podia pensar. Quase nada parava no estomago.
Agora era sério, falei com as amigas, aquelas mais companheiras de brincar juntas, via em seus semblantes tristeza, argumentaram: “E agora, como vamos fazer sem as brincadeiras?” “Nossa casinha agora que está completa, temos tudo até o forninho que seu pai mandou fazer no cupim, aquela boneca grande que a gente dá banho e ela não derrete!” “Nosso brinquedo de rodas e pega...” Era muito ruim tudo aquilo. Eu também estava com o coração apertado, deitava demorava pra dormir ficava pensando... Tinha uma esperança, em breve, nas férias eu voltaria.
Estava marcado, na sexta feira pela madrugada, deveríamos sair a cavalo, naquele mesmo trajeto. Chegou o momento, todos se levantaram cedo pra despedir, mamãe já tinha preparado tudo que fosse preciso para a viagem. Até o Morro, teria que levar um burro de carga para levar as malas, eram muitas coisas, só o enxoval enchia uma, e as outras coisas?  Abracei minha mãe, segurei o choro, senti seus braços me apertarem como se fosse a ultima vez, fiquei engasgada, abracei cada irmão, passei a mão no Peri que estava por perto.
O dia começava a clarear, a mãe ficou na varanda segurando a lamparina no alto como se quisesse iluminar o caminho. Montamos nos animais e partimos pelas estradas esburacadas. De longe eu olhava pra trás, minha mãe estava lá, só via um foco minúsculo de luz era ela... Dos Morros acinzentados brotavam raios de sol sobre a vegetação orvalhada, o canavial tornou-se um lago de prata. Na curva do caminho olhei mais uma vez... Ela já não estava mais... Meu coração apertou novamente, agora eu teria que chorar... Não podia mais suportar... Era uma angustia muito grande. Chorei, o bastante pra desabafar, o pai ficou todo o tempo em silêncio, ele respeitou o meu momento. Para Curvelo seria de jardineira, ali o povo levava de tudo, cachorro, galinhas, saco com pintinhos piando que tinham deixado a mãe, e iam acabar de ser criados por alguma criança, mandiocas, rolos de fumos bem fedidos pra ser vendidos, pamonhas. As malas iam em cima amarradas com uma corda. E as vezes as mulheres, que viajavam, estavam grávidas e começavam a vomitar e os cheiros se misturando.
Eu estava ali... Rumo ao desconhecido! Me deixando ser levada simplesmente... Fizesse o que quisesse... Eu estava ali. Na segunda feira bem cedo o pai depois de ter passado o final de semana com o vô Domingos com certeza iria me apresentar no colégio.

9 comentários:

  1. Oi Dona Zélia,
    Quantos de nós já vivenciamos essa experiência de ter que sair de casa pra ir estudar...
    Tão necessária e tão dolorida.
    Fique boa logo.
    beijo grande.

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  2. A docilidade com a qual escreve nos faz adentrar em seus textos Zelia!..

    Um grande beijo em seu coração..
    Verinha

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  3. Obrigada pela visita querida.
    Belo texto.
    Retorne sempre, será um prazer.
    Beijos na alma
    Saudações Poéticas!

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  4. Zélia,
    Obrigada pela visita carinhosa, e de suas palavras adoráveis lá no Amadeirado. Adorei a forma meiga com vc escreve seus textos. Essa história foi linda mesmo!
    Bjkas com super carinho e uma ótima semana pra voce!

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  5. Lindo texto. Nostálgico. Viajei no tempo, pois foram disparados os meus gatilhos de memória...
    Ah, agradecendo a visita, também, Zélia. Grande abraço!

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  6. Vim retribuir a visita ao meu blog e dizer que adorei sua presença por lá.
    Gostei muito do seu blog. Amei tudo que li aqui. Voltarei sempre que puder...
    Se quiser voltar e ler outros post´s ficarei muito feliz...
    Quem sabe não gosta e fica (segue)....  Eu já sigo aqui.


    Beijos e uma semana cheia de amor e paz.
    Ani

    http://cristalssp.blogspot.com

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  7. oie lindona.

    Saudades dos seus textos que sempre são lindos, adoroooooo.

    beijos nesse seu coração lindooooo

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  8. Convido vc a acompanhar as entrevistas de comemoração de 1 ano do ProjetandoPessoas!! Amanhã a entrevistada especial é a nossa querida Lena do Amadeirado!
    abraço
    Sandra
    http://projetandopessoas.blogspot.com//

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  9. Olá Zelia..
    Boa tarde!
    Vim agradecer-te pela sua visitinha e comentário em meu blog, e dizer-te tb que estou a te seguir por aqui!!!
    Beijihos!

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