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domingo, 28 de agosto de 2011

O automóvel



Meu pai não sabia onde socorrer, o vô precisava de sua presença, a mamãe também, já em estado avançado de gravidez, a fazenda S.Antonio, estava entregue aos encarregados, a chácara precisava ser organizada. A mamãe deu sorte em trazer com ela duas ajudantes, a Liu e Serenita, elas também precisavam aprender a ler. Meu vô já não saia do quarto, tinha muita dificuldade para se alimentar, às vezes passava todo o dia só tomando líquido. Ouvia o pai dizer que não tinha nada mais a fazer, cada dia estava pior, precisava ter sempre alguém ao seu lado.
A fazenda do Rio do Peixe, meu tio João estava tomando conta, não tenho certeza, mas me parece que ele já tinha se casado com Lia, filha de José Ferreira. Na família do pai eram nove irmãos, perdoem-me, se não conseguir falar de todos, alguns perdi pelas distancias, Geraldo era o penúltimo, muito apegado a mim, porém ele tinha epilepsia, às vezes caia com convulsões e se machucava, mas ele não evitava o perigo, gostava de me levar nos circos e assentar nas ultimas arquibancadas, às vezes ele pressentia que ia passar mal e me convidava para descer. Foi ele quem me ensinou a andar de bicicleta, era muito divertido e brincalhão.
Assim que organizaram as coisas na nova morada, fui para lá. Ficaram com os avós, minha tia caçula, a prima paparicada, Geraldo e os tios que estavam sempre lá por causa da doença do vô. A chácara era o que tinha de melhor, tudo lindo, e muito próxima da cidade, podíamos ir a pé quando quiséssemos, assim que saíamos da cidade, uma rua de terra, ou melhor, toda a cidade não tinha calçamento, só terra, levava até a um mata burro, dai em diante, já era nosso.
Na entrada tinha eucaliptos plantados nas laterais até chegar ao pátio, eram árvores enormes, davam sombras lindas na estrada de cascalhos, entrar ali era como estar entrando no céu. O pai, como agora tinha um automóvel... Precisava levar a família para passear, mas ele nunca tinha guiado um automóvel, mesmo assim queria ir lá ao vô, atravessar de ponta a ponta aquela grande cidade, assim ele deveria estar pensando, minha mãe logo disse: “Eu não vou tenho medo!” “Estou perto de dar a luz, e não sei o que pode acontecer...” Nós estávamos eufóricos, andar de automóvel!... Com papai dirigindo seria muito bom. Aprontamos-nos como se fosse para uma festa, Nicinha, como sempre, sem cabelo nas sobrancelhas e na testa, como já disse ela não deixava crescer, Armando de calça comprida, camisa abotoada no pescoço, Ana Maria, passou batom vermelho de minha mãe e bastante ruge nas bochechas, achava que estava abafando... Entramos no veiculo, meu pai ligou, não pegou... Ligou de novo... Nada... Veio a pergunta: “Será que tem gasolina?” Só olhando... Estava completamente seco, como podíamos sair? Mandou um empregado pegar um cavalo e ir à cidade comprar um galão de combustível, até que fazer tudo isto chega à noite, ia precisar acender faróis, como? Não podia estavam queimados, o jeito é ficar para amanhã, e quem diz que as crianças se conformavam... Era só choros e reclamações. Meu pai ficou bravo, prometeu que no dia seguinte, domingo, iríamos todos à missa no carro. Assim seria bom, nos conformamos, já sabia que quando ele prometia, sempre cumpria.
Dia seguinte todos levantam bem cedo, hoje é o dia... Ir a missa das nove no carro, depois passar no vô pra vê-lo e exibir o carro para as amigas... Tudo bem, todos no jeito até minha mãe agora estava indo, a Liu, Cerenita, o carro estava mesmo lotado, não cabia mais nada. Deu partida não pegou... Tentou... Tentou... Depois alguém disse tem que dar manica, não entendi bem o que era aquilo, vi quando pegaram um ferro torto, enfiaram na frente do carro e começaram a rodar aquele ferro, ai pegou, meu pai entrou rápido acelerou, passou a marcha e fomos embora parecia que tudo tinha dado certo, o pai é mesmo sabido... Pensei, chegamos no mata burro, todos cobrem os olhos com as mãos com medo de cair no buraco que era bem fundo, em seguida tinha uma subida, quem diz que o carro subia? Derrapava nos cascalhos, ele freava o carro apagava, mandou descer todo mundo, e vamos empurrar, até sair da subida, nestas alturas já estavam todos sujos de poeira e suados de tanto fazer forças.
Chegou ao lugar plano, entraram todos pegou de novo o ferro milagroso, enfiou na frente e rodou, pegou de novo e fomos, até chegar à porta da igreja, a missa já tinha começado, entrou aquele povão empoeirado aquela meninada feia, mulher grávida... Aquele povo que tinha se arrumado tanto!.. As crianças naquele converseiro alto procurando lugar pra assentar, o pessoal olhava para trás. Ainda bem que o padre estava de costas.
Saindo dali, fomos andando até a casa do vô, mamãe pediu que não fizéssemos barulho, o vô estava nas ultimas, já não conhecia as pessoas, só com soro na veia e a família já toda reunida, os parentes que moravam fora já tinham chegado. Minha vó assentada na varanda com um lenço na mão enxugando as lagrimas. Estava um ambiente constrangedor, o coronel era muito querido... Coitado de meu pai vai sentir muita falta de seu conselheiro. Permanecemos lá por toda tarde, mas antes de escurecer nos levou embora, o carro não podia andar a noite, e tinha o perigo da descida para o mata burro, agora só falta ter que segurar pra não cair no buraco. Graças a Deus chegamos vivos. Ficamos em casa com a mãe, o pai voltou para se juntar ao povo que estava em vigília de oração para o vô.
Pela manhã tivemos a noticia da morte, e que o velório não era pra levar crianças, devido o estado de minha mãe ela também não foi. Neste dia não fui à aula, era velório. Passamos brincando, descobrindo o que tinha de bom naquele lugar. A vizinha veio visitar, e oferecer os préstimos, falou com a mãe da parteira que atendia em casa, já era conhecida, a dona Jozina mulher experiente, acostumada a fazer parto até de criança que está assentada, com ela é assim, só aplicar uma injeção que a criança nasce rápida.
Vi quando falou em injeção a cara que a mãe fez, ela nunca tinha tomado pra ter filho! A vizinha deu o endereço, despediu e foi embora. Papai ficou ocupado o dia inteiro, a casa da vó tinha muita gente e precisava cuidar das coisas, ele chegou bem cansado não tinha dormido a noite passada com a vigília. Pela manhã a mãe estava desinquieta, sem achar lugar, o pai pegou o endereço da parteira e foi buscá-la, no carro, já tinha treinado um pouco e já se achava apto para conduzir uma parteira. Não demorou ele buzinou chegando na porteira. As crianças correram pra ver, a dona Jozina trazia uma maleta com as ferramentas, e disse que trazia ali um neném, todos pequenos acreditaram, eu já estava consciente do que estava acontecendo, mas já era hora de aprontar e ir para escola.
Como estava um pouco atrasada, pedi pra selar o pampinha, cavalo bom, sabia trotar e marchar, fazia inveja a qualquer pessoa, desci a avenida principal cavalgando, chegando, amarrei atrás da escola em uma sombra, todas as colegas vieram olhar meu cavalo pintado de vermelho e branco, me sentia como rainha. Voltei pra casa e já tinha mais um irmão, nasceu José Carlos, nariz chato boca grande, todos diziam: “Que lindo!” “Parece um anjinho” Pensava comigo mesmo: “Será?...” Minha mãe estava muito feliz, e nós também. A sopa de galinha já estava feita, uma panela bem grande todos comiam, agora era só alegria.

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