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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A procissão







Na chácara tínhamos mais conforto, luz elétrica, água canalizada, um pomar imenso, com todo tipo de frutas que agente nem nunca tinha ouvido falar, um belo jardim, na frente da varanda havia um caramanchão de maracujá, onde colocávamos redes, contávamos histórias, e cantávamos juntos. O pai sempre voltava ao Santo Antonio para ver como estava o andamento da fazenda. Ele era muito jovem, apesar de já ser pai de cinco filhos não falando nos abortos, uma que morreu quando eu era ainda muito pequena e a Eunice de cuja morte me lembrava. Naquele tempo casavam cedo, o pai com dezoito a mãe com quatorze, eram adolescentes... Os hormônios na flor da pele... Não havia anticoncepcional, preservativos também não existiam. Ele não era nenhum santo em fidelidade, minha mãe sabia que ele pulava cercas, mas nem por isso ela ficava com brigas, nunca presenciamos uma cena de ciúmes, era super inteligente, se chorava, nunca vimos, ele sempre foi bom marido, carinhoso, pai presente, brincalhão e divertido. Eu podia notar que as traições não eram por amor e sim por instinto de homem. Gostava de mulheres sempre muito feias e sem tipo, não olhava cara. Acho que a mãe fazia vista grossa, punha na balança as virtudes... E... Deixava passar, assim foi... Ela só pensava em ser exemplo para os filhos.
Por um bom tempo a rotina foi igual, ir pra escola às vezes andando com colegas que moravam por perto, outras vezes de carro ou no cavalo, tudo era válido, ficar final de semana na cidade com as primas, brincar na praça, sair com o tio Lálá, que fazia nossas vontades escondido da vó Ezequiela. Ia à missa das nove aos domingos no santuário de S. Geraldo e às vezes iam todos para a chácara, ai era bom demais. Por mais de um ano, o pai continuou indo na fazenda, sempre, a mãe nunca podia ir estava amamentando José Carlos, Nicinha e Armando já estavam indo para a escola, ficar indo e vindo na fazenda estava difícil, com a morte do vô, e a partilha das terras, tocou para o pai umas terras próximas de Curvelo, mas eram somente terras, sem nenhuma construção. Visto a isso ele decidiu vender S.Antonio e comprar uma casa na cidade e mais terras ligadas as que herdou do vô, assim foi feito. Comprou uma casa grande e velha, no centro, na rua do correio bem perto de escola, pensando nos filhos que aproximavam idade de estudar. Antes precisava fazer uma bela reforma, enquanto isso comprou uma charrete para levar-nos a escola, foi uma farra todos queriam conduzir a charrete, era muito bom.
Pela manhã o vaqueiro tirava o leite, punha as latas na carroça, ia vender na cidade de porta em porta, levava também muitas frutas. Descendo pra chácara tinha uma estrada lateral bem profunda e escura passava por ponte de madeira sobre um riacho, o nome é Riacho Fundo. Nos finais de semana os jovens que moravam do outro lado da ponte se juntavam e iam passear nas barraquinhas e na praça, voltavam tarde... Bem tarde, as primas como já disse gostavam também de ir pra nossa casa, então como tínhamos muita criatividade, pegávamos uma vela um fósforo, e um lençol branco, geralmente noite de lua, subíamos na porteira ao lado da estrada escura, enrolava no lençol ficava esperando os jovens, quando ouvia conversas, acendia a vela, eles viam aquilo começavam a correr e gritar, a gente ria tanto que uns até faziam xixi.
As distrações eram criadas, o que vinha na cabeça... Era pensar e agir, desse no que desse os pais nem davam broncas, não existia televisão, nem todos podiam ter um radio, éramos felizes nas simplicidades, amigos, companheiros, sem nenhum espírito de competição. Mas, bom mesmo era o mês de outubro, festa de S.Geraldo... Missas com sermão a noite, geralmente era só pela manhã, na festa era diferente tinha novena, confissões, barraquinhas de fora, trazendo novidades, a cidade ficava repleta de pessoas de todos os lugares, na igreja se não fosse mais cedo não assentava, minha mãe como sempre com criança de colo, era uma das primeiras a chegar, as cantoras bem afinadas a Piquitita e a irmã que esqueci o nome, cantavam tudo em latim, as missas também era rezadas em latim, só o sermão o povo entendia. As mulheres, e crianças que já tinham feito primeira comunhão usavam véus, as casadas véus pretos ou cinza, as moças solteiras e meninas véus brancos.
Recebiam a Eucaristia, de joelhos e na boca, nessa hora não usavam batom iam em jejum. Apesar de não entenderem a importância da missa, os padres ensinavam o respeito. No ultimo dia da festa havia a procissão de S. Geraldo ai todos de velas acesas, véus nas cabeças, sapatos novos machucando os calcanhares, às vezes até tirava no caminho fazia de conta que estava cumprindo promessas. Os vestidos novos feitos pela Dita Gonzaga, costureira famosa, trabalhava como ninguém naqueles dias. Na procissão, estava a mãe de braço dado com o pai e nós atrás, ela segurava a vela acesa, de repente a vela começa a escorrer e queimar a mão, ela soltou o braço dele pra consertar a vela... O povo foi andando... Foi andando... Ela distraída com a vela, nisso quando terminou de arrumar, levou o braço... Não era mais o pai que estava ao lado dela, era o S. Raimundo, ela nem percebeu, andou um bom pedaço de braços com ele, o pai viu e mostrou pra nós, foi difícil pra segurar o riso, quando ela deu pelo caso ficou muito sem graça pediu desculpas, chamou nossa atenção, porque não avisamos pra ela. Isso é motivo de risos até hoje quando nos lembramos da situação.


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