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domingo, 31 de julho de 2011

A dúvida


Chegamos em casa à noite, minha mãe desceu do carro com dores, parece que foram os solavancos do caminho. Pensei: Virgem!...Será que vai perder outro neném? Meu pai só fez soltar os bois, pegou o cavalo que estava no pastinho e buscou a vó. Não fiquei sabendo de nada, crianças não tomam parte nessas coisas de gente grande. Só percebi que ela ficou de repouso por uns dois dias. Também não podia esquecer-se dos bichos de pés, entrava a noite debaixo da unha e aquilo coçava a noite toda, era esfregando o pé no lençol, aquela coceira gostosa. Pela manhã falava com a mãe, ela ia até a laranjeira pegava um espinho e tirava, mas doía muito... Se deixasse ficar uns dois dias pra criar uma barriguinha, ficava mais fácil dele sair. Às vezes a gente achava o bicho já com uma barriga enorme... Quando tirava ficava aquele buracão e era preciso por cera de ouvido, diziam que isso sarava... Veja a idéia... Assim era a vida...
No dia seguinte acordei muito cedo, olhei da fresta da janela, vi o sol nascer, uma bolinha de ouro emergindo da terra. Ouvi movimentos na cozinha, era a moça já providenciando o café da manhã, os bezerros berravam esperando suas mães que estavam sendo ordenhadas saí do quarto lavei a cara, como diziam... Cheguei à cozinha a mesa já estava posta com biscoitos de polvilho fritos, bolo assado na caçarola com brasa em cima, o caldeirão no fogo com leite fervendo com sal, na chaleira ovos quentes pras crianças. Eu gostava mesmo era de tomar o leite no curral tirado na hora, com açúcar e café no fundo do copo. Logo que cheguei à varanda, vi amarrada no mourão da porteira uma mula castanha, ricamente arreada com peitoral e freios com detalhes em prata cabresto de cordas trançadas, colchonil branco e laço enrolado na garupa, chegando até a cerca me deparei com um senhor gordo muito sorridente, parecia muito amigo de meu pai, conversavam animadamente, olhava as vacas leiteiras, quantos litros dava cada uma, idade delas, parecia estar interessado em comprá-las por isso veio tão cedo. O pai convidou para o café, o homem admirava tudo, as terras, as lavouras já com as plantas crescidas e o milharal começando a soltar os primeiros pendões. Tinha visto ao descer o morro, após comer e beber foi ver os porcos, as águas, o pomar. Em tudo ele fazia perguntas e o pai respondia com prazer. Pensei logo: “Será que tá querendo comprar nossas coisas?” Nas conversas ouvi dizer que ele tinha uma chácara perto de Curvelo, bem perto, dava para os meninos irem a pé para escola e era muito linda, tinha um belo pomar, boas sevas e pasto pra poucas vacas. Meu pai prometeu ir lá pra ver. Minha mãe como estava de repouso demorou um pouco a se levantar, a Liu, como já era experiente em cuidar de tudo em casa, já imaginava que o senhor iria ficar para o almoço, mandou Peri pegar o frango, bastava mostrar qual seria, na certa ele corria atrás até cansar o frango e ficar fácil, qualquer um podia chegar e segurar.
A Lui foi à horta pegar verduras frescas, no quintal apanhar quiabo, abobora d’água. O feijão já estava no fogo desde que clareou o dia. Antes de despedir o senhor falou para o pai que soube que ele estava pretendendo mudar por causa dos filhos. Desde aquele tempo as noticias andavam pelos ares, não havia nenhum meio de comunicação só cartas e recados, mesmo assim todo mundo sabia de tudo. Somente o surdo, não sabia que Jesus tinha morrido para nos salvar.
Vi o pai ficar pensativo. O homem se despediu, marcando de se encontrem em Curvelo dai uns dias. Assim, papai achou por bem falar com o vô, tudo era muito conversado precisava ouvir a opinião dele. Mas meu vô não andava passando muito bem, sentia dores no estomago. Marcaram o dia de viajar pra Curvelo, iriam a cavalo para o Morro, estes seriam deixados no pasto do bisavô João Coelho e daí, seguiria de jardineira pra Curvelo. Lá consultaria o medico e iria com o pai conhecer a tal chácara, assim foi feito. Só tem que primeiro o vô foi ao médico, fez alguns exames e acharam por bem procurar um especialista do tubo digestivo, como diziam: a palavra gastroenterologista não conhecíamos.
Belo Horizonte, era o lugar indicado. lá é que tinha os recursos necessarios para o caso de meu avô. Após alguns dias voltaram com o diagnóstico: Meu vô estava com câncer no estomago já em estado avançado, não podiam fazer quase nada, somente analgésicos para suavizar as dores. Meu pai tinha mais oito irmãos, ele era o mais velho, sendo assim, ele e o vô se relacionavam melhor. A noticia foi como uma bomba. Aquele homem forte sendo derrubado por uma doença incurável era um abalo para todos que dependiam dele, e se lamentavam: “Coronel doente, impossível, isso não pode acontecer.” Mas mesmo assim foram ver a chácara, agora mais um motivo para ficar próximo de Curvelo.
Meu vô já tinha uma boa casa na esquina da praça de S. Geraldo, onde tinha também um cômodo de loja, bom lugar de comércio. Na época da festa faria bons negócios, e se o pai resolvesse mesmo vir pra cidade poderia montar ali um comércio e ganhar algum dinheiro. Visto que o vô estava agora estava precisando de cuidados, não era justo que eu ficasse pra estudar. Papai aproveitou que estava lá e foi conversar com as freiras no colégio, explicar a situação, ele precisava que eu ficasse lá pelo menos os primeiros meses de aulas até fazer o negócio da chácara e trazer minha mãe com as outras crianças.
A freira aceitou imediatamente, e deu o estatuto do colégio pra quando chegar em casa desse pra mãe ler e fazer o enxoval. Ele ficou pensativo, mas tinha preocupação maior, o vô, como dar a noticia a vó que tinha ficado na fazenda e não sabia de nada até aquele momento, todos evitavam comentar o assunto.

sábado, 23 de julho de 2011

O momento da despedida


Após a primeira comunhão faltavam as provas e o encerramento das aulas, muitos colegas iam se separar, eu estava triste não teria mais aquela professora tão boa, não sabia o que me aguardava... Tudo era mistério... Não devia adiantar nada. Foi feita a festa de encerramento com muitas apresentações, cantos, danças e comes e bebes, comemorou-se antecipado o Natal, com trocas de presentes comprados na venda do vô, eram sabonetes, grampos de cabelos, corte de chitas para as meninas, os meninos ganhavam canivetes, caixas de traques, bolachas do reino, balas Sertaneja e tudo enfim.
Quando chegou o momento das despedidas, que tristeza... Só choro... Chegava a soluçar. Abraçar a Maria Luiza, agradecer a ela por tudo, a voz não saia, engasgava... Precisava a mãe chegar e falar pra gente. Então entoaram o canto... "Quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor, por isso eu não quero lembrar quando partiu o meu grande amor... Ai... AI... Aiai... está chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem e tenho que ir embora!” Cantavam em soluços, até os velhos choravam. Depois todos se despediram e voltaram pras suas casas em silêncio, a tristeza predominava... Começando de novo... Vida nova... Tínhamos que manter a santidade! Todos puros sem pecados, fiquei livre daquele peso de consciência que eram as pimentas... “agora preciso me vigiar, senão faço alguma coisa que não devo.” Era difícil me manter na linha, era muita tentação, e já que estamos de férias novamente, e todos já sabem, vô Evaristo virá buscar-nos ou iremos no carro de boi, aí, sim podemos ir todos.
Minha mãe já tinha chegado de Curvelo onde estava em repouso tudo normal, agora é só esperar... Ainda dava pra fazer essa viagem. Agora não tem outro jeito, vai ter que levar aquele carneiro, certamente amarrado no fueiro do carro, desta vez iria demorar e o bicho morreria de fome, ele era chantagista aproveitava das ocasiões. No caminho foi só trabalho, o carneiro ficava cansado, punha no carro o bicho esperneava esbarrava nas crianças elas caiam no choro, com o cheiro dos bois minha mãe enjoava, vinha chuva cobria com couro de boi era o que tinha e achando bom... feliz. Carneiro berrava, não queria ficar abafado debaixo do couro, foi o dia inteiro. Já estava escurecendo, de longe se via a pequena luz da lamparina, era minha vó Donana segurando a lamparina na janela pra dar sinal pra gente, aquilo era tudo...
Gritos sem parar até chegar na porteira e ser recebidos por todos, as primas também estavam lá pra nos receber. Naquela noite ninguém dormia conversava e ria o tempo todo contando os casos, a primeira comunhão, as despedidas os choros... Só de ouvir também choravam, companheiras são assim... Compartilham tudo. As camas já estavam arrumadas, faltava arranjar um lugar para o bicho do Armando. Os primos também estavam Lá curiosos pra ver o carneiro, ninguém tinha igual, o dia seguinte prometia... Correr para fonte de águas cristalinas, descendo em cascatas sobre as pedras, logo em baixo formava uma pequena cachoeira... Era um convite ao banho com roupas e tudo, ir até ao barranco tirar argilas e fazer as panelinhas, aqueles dias ficaram na memória para sempre, os meninos brincavam de subir em arvores montar nos cavalos e correr. À noite as pessoas contavam histórias de lobisomens, mulas sem cabeças e assombrações.
Minha vó fazia muitos queijos e guardava em um guarda louças, pra evitar que ratos o tocassem, o guarda-louças, ficava junto da porta que saia para o terreiro, um dia chegou um caixeiro viajante, ele já era acostumado a passar por lá, vendia de tudo, cortes de sedas, corte pra calças, espelhos, ruges, batons, pentes etc. Ele chegou e pediu pouso, soltou o cavalo pra pastar, lavou o rosto, jantou, contou uns casos, e foi dormir pra seguir viagem. Todas as casas eram sem forros e as telhas tinham sempre uns buracos por onde se podiam ver pedaços do céu até estrelas. Não é de vê, que o homem deu vontade de fazer xixi, levantou pra ir lá fora, mas errou a porta e abriu a porta do armário e fez lá dentro nos queijos de minha vó! Pela manhã, quando ela levantou viu aquela coisa escorrendo debaixo do armário ela ficou nervosa e perguntou o que tinha acontecido. O homem escutando a conversa, disse: “Bem que eu vi que a noite tava cheirando a queijo...” Foi preciso levar pra fora lavar deixar no sol e jogar os queijos para os porcos.
Ficamos lá uma semana, só alegria, minhas primas e eu brincávamos de fazer guisados e de comadres cada uma preparava a sua casa em um buraco no barranco, as bonecas de pano seriam as filhas, os meninos maridos, só tinha que os maridos não paravam pra ajudar em nada queria só ficar correndo e subindo nas arvores, a gente brigava com eles pra buscar lenhas e acender o fogo. O Batista que era maior ficou encarregado de arranjar os ovos de anu branco, pra isso ele teria que ir às grutas, procurar nos galhos altos os ninhos e pegar os ovos. Eram grandes, azuis, pintados de branco uma beleza. Enquanto isso preparávamos as panelas geralmente pequenas latas, os pratos eram fundos de tigelas quebradas, a fornalha fazíamos com argila. Tudo bem... chegou o Batista com os ovos enrolados na barra da camisa, eram quatro, só que caíram três, ficou um. Cozinhamos o único, descascamos com todo cuidado, era pra dividir com todos, mas não é que Armando, passou, pegou o ovo inteiro, pôs na boca e correu, fomos atrás, “Se pegar é pra torcer o pescoço!” Não tinha outra coisa a fazer... “Menino custoso!” Acabou com a brincadeira, voltamos pra casa enfezados e nem podíamos olhar naquela cara. Aproximava o dia da volta, carro sendo preparado, bois já no curral esperando ser trelados, as mulheres ajuntando as trouxas, as garrafas de leites fervidos para fazer mamadeiras. O carro já estava toldado com folhas de coqueiros pra nos proteger do sol. Não voltamos alegres como a ida; era diferente... Se mandássemos alguma coisa não iríamos embora nunca...

sábado, 16 de julho de 2011

A Confissão do surdo


O momento estava chegando... Precisava resolver aquela situação... “Zélia terá que ir fazer o quarto ano. As outras crianças ainda podiam esperar, mas ela não.” Pensou em me deixar com a tia até comprar uma casa pra mamãe ir morar lá, mas assim ele ficaria sozinho não ia dar certo, pensou, pensou... E ficou pensando. Lembrou que lá tem um colégio de freiras, colégio bom e que eu poderia ficar lá até dar um jeito... ”Mas coitada...não vai gostar de ficar presa!...Vamos amadurecer a idéia...” Nisso estava aproximando o mês de novembro, já era trato do padre vir fazer as celebrações, e a primeira comunhão dos alunos. Por esse motivo estávamos indo até aos sábados e domingos para ensaiar os cantos e os preparativos. Ficando lá o dia todo, sobrava tempo pra brincar e fazer alguma coisa. Então numa tarde a vó pediu que eu fosse apanhar umas pimentas maduras naquele pé junto da cerca. Quando cheguei a menina filha da Alcina, já estava lá apanhando, fui chegando ela perguntou: “a pimenta madura arde?” Eu disse: “quer ver?” Peguei uma, amassei com os dedos e passei nos olhos dela. Veja só a ruindade... Não foi a primeira vez, parece que pimenta me atrai. A Cerenita grita sem parar, todos correm pra socorrê-la, eu também corro pra junto do pai que se encontrava no curral vacinando o gado junto com os vaqueiros. Logo que cheguei, ele perguntou: “O que você aprontou?” “Boa coisa é que não foi...” Eu sabia que não podia ter perdão... Mas se ficasse minha vó me daria umas palmadas merecidas, o pai dava conselhos e castigos. Só ouvia Cerenita gritar e mulheres passando leite de peito e cabelos untados com banha, disseram que melhorava, passou, mas ela ficou com os olhos vermelhos por alguns dias.
Para a festa que ia acontecer, o vô mandou matar um boi e um porco gordo, para preparar as carnes, fazer os doces, os bolos, os biscoitos, tudo do melhor. Mandou os avisos para os amigos junto com os convites, não era pra faltar ninguém. Eram umas seis cozinheiras das boas minha vó ficava só coordenando... E dando ordens. A venda do vô estava repleta de novidades minhas tias tinham feito compras e mandado pra aproveitar o povo que iria comparecer na certa. Até que enfim o dia chegou. Mandaram buscar o padre no Morro da Garça, cavalo escolhido, bem manso. Marchador, o vigário já estava acostumado a cavalgar era o mesmo que foi nos Gerais, já conhecia o povo, os costumes. Muitos trabalhos, varrer o pátio, jogar água pra apagar a poeira, limpar os currais, remexer os colchões, colocar as cobertas no sol pra sair o cheiro de guardados. Estava começando a escurecer quando apareceram no alto os cavaleiros trazendo o padre. A varanda já estava repleta de pessoas que chegaram mais cedo pra recebê-lo, todos tomavam a bênção, as crianças alem de tomar bênção ainda beijavam as mãos. Pela manhã, após o café, iriam começar as confissões. Primeiro as crianças, no final os adultos. A professora já tinha avisado, “Tem que fazer exame de consciência, pensar bem no que fizeram de errado”. Já fiquei com a barba de molho, pensei: “to frita...” Então a professora mandou reunir numa sala as crianças que iam confessar, em silêncio, assentados com os véus nas cabeças, as meninas, cabeças baixas, olhos fechados e pensando... Fazer aquele ritual era difícil... Abria os olhos por baixo, e encontrava outros olhos olhando pra gente, dava vontade de rir, mas não podia, dona Ezequiela estava lá com a bíblia, forçar pra não rir fazia com que os olhos lacrimejassem ficava parecendo que estávamos chorando. Minha vó dizia “coitados... Estão muito arrependidos”. Em seguida a fila por ordem de tamanho, eu só pensava nas pimentas... Tinha que falar não podia mentir...Naquela hora tive arrependimento....Ou medo...Será? Foi a primeira, saiu cabeça baixa foi se ajoelhar em outra sala pra cumprir a penitencia. Assim por diante, até que chegou minha vez, lembrava só das pimentas, não vinha nada mais na minha cabeça... Quando contei, esperava a bronca, o padre disse, “faça o mesmo com você e veja o que vai sentir, se é bom.” Falei pra ele, “não tenho coragem... Dói muito...” “Porque não pensou nisto?” Ai chorei... Ele falou que me perdoava se prometesse não fazer de novo... É claro, prometia qualquer coisa, queria era ficar livre daqueles pecados. Como penitencia mandou que eu rezasse o terço de joelhos e oferecesse pras almas. Chegou a vez dos adultos, agora não tinha fila, enquanto rezava foi um senhor surdo pra confessar, ele era completamente surdo. A sala que eu estava ficava próxima do padre. Para confessar o homem, tinha que falar alto, ouvi o padre dizer... ”Cristo morreu pra nos salvar, você sabia?” Ele disse. “o que?” O padre repetiu mais alto, então ele entendeu... E disse “Olha seu padre, aqui agente não vê jornal, não temos radio.” “coitado... Eu nem sabia que ele tava doente, coitado...” O padre deu a penitencia ele levantou. Saindo passou perto do compadre, e contou a tragédia, o outro respondeu, “isso não pode acontecer, Jesus é Deus e não morre.” Depois das confissões os aconselhamentos, depois o almoço para todos os presentes, o padre deitava um pouco pra descansar. A tarde levantava, ia com meu vô conhecer os melhoramentos da fazenda, ver a barragem as hortas o pomar tudo bem cuidado, tomava um banho, merendava, leite fervido, quitandas etc. ficava por ali escutando os causos dos agricultores. Tocavam sanfona, viola, cantavam tudo pra divertir o vigário. Dia seguinte a missa festiva, acompanhamento com os instrumentos que tinham, entrava até batidas com colheres, tudo era válido. As crianças nestas horas, já estavam vestidas de branco, véus nas cabeças, só os sapatos eram os que tinham, era A PRIMEIRA COMUNHÃO, a primeira de uma série. Após a missa os batizados, os casamentos... E começava depois do almoço o arrasta pés que entrava noite a dentro. No dia seguinte o padre vai embora, e o povo volta pras suas casas, feliz por ter recebido as bênçãos.
  

domingo, 10 de julho de 2011

Semear

Após as queimadas, com as chuvas tudo se renova, a vida parece recomeçar. Os campos se cobrem em matizes de verdes, as arvores enchem de brotos, as aves fazem seus ninhos, as andorinhas, e beija flores passeiam pelos ares é mesmo uma beleza sem igual, e o cheiro da terra molhada... Convite a plantação, é tempo de o grão morrer na terra para multiplicar-se e gerar vidas é DEUS derramando suas bênçãos para que o homem possa sobreviver. As flores brotam do nada, para que as pequenas abelhas recolham seu sustento.
A natureza exuberante louva o Senhor por tamanha dádiva. Em tudo ha alegria, no semblante do homem rude que trabalha sem medir esforço para sustentar sua família, rosto queimado pelo sol forte, molhado de suor do cabo da enxada. Pés descalços chapéu furado, família a espera da volta pra casa para um pouco de descanso até o amanhecer, assim é a vida do campo. Meu pai precisava mudar pra Curvelo, ia ter que vender aquelas terras que tanto amava, aquele povo com um laço de amizade formado, gente simples de coração sincero, crianças que cresceram juntas e precisar se separar. Tudo isso era muito difícil para ser resolvido rápido. Ele queria um tempo, era melhor esperar mais um pouco.
Minha mãe esperando outro filho. Estava de novo completando enxovalzinho eram só algumas coisas que já estavam gastas. Era preciso levá-la em Curvelo para fazer uma consulta já tinha tido cinco filhos sem ir ao médico. Ela teve diversos abortos, e era hora de se cuidar. Durante a viagem ela não passou bem. O médico achou por bem que ela fizesse repouso por alguns dias, então ela ficou em Curvelo com as crianças pequenas em casa de minha tia irmã do pai. Eu voltei com ele, não podia perder aulas. Achei bom porque todo lugar que ele ia tinha que me levar. Um dia vô Domingos manda chamá-lo, tinha lá um compadre que queria vender um gado, eles sempre faziam negócios juntos. Eu também fui, chegando lá, o homem estava assentado na sala do radio. Naquele tempo o povo cuspia demais, e escarravam, usavam cheirar rapé, as mulheres mais velhas mascavam fumo, faziam cigarros de palha, era uma coisa esquisita... Na sala do vô tinha até uma escarradeira com um cabo pra colocar onde fosse preciso. Era uma peça bem bonita prateada. Quando vi que o homem estava cuspindo no chão peguei a escarradeira e levei pra perto dele, ele cuspiu do outro lado, levei para o outro lado ele foi do outro, depois ele ficou bravo comigo e disse: “Tira isso daqui senão vou cuspir dentro!” respondi logo: “Isso mesmo! pode cuspir é isso que quero!” Na volta pra casa, eu estava no meu cavalo baio bom pra correr e marchador, papai disse: “Vamos ver quem chega primeiro em casa?” Pus-me a galopar morro a cima papai também foi num fôlego só, chegamos juntos. Os cavalos conheciam as estradas como ninguém. Pela manhã, voltei pra escola sozinha encontrava com as meninas de José Ferreira na descida do beco. Na hora do recreio, procurar Lagoa e passar susto nele pra ouvir dizer: “... Coitado do pobre Lagoa operado coitado...”

sexta-feira, 1 de julho de 2011

AS ÁGUAS



Após as colheitas, chegava o tempo das queimadas, as pastagens  já estavam secas e os animais sobrevivendo com rações e canas trituradas. As terras também já começavam a ser preparadas para esperar as primeiras chuvas, que na certa não demorariam, assim era todo o ritual, arar quebrar os torrões, verificar as cercas escolher as sementes.
Minha mãe sofria com as chuvas ela tinha muito medo de trovões e raios, então o que ela fazia para nos proteger, veja só. Na cozinha tinha uma mesa enorme... Quando começavam os trovões, ela vestia aquela capa ideal que já falei anteriormente, enfiava debaixo da mesa ajuntava a perrada, como a galinha faz com os pintos, e ficava ali esperando tudo passar. Nada a tirava daquele lugar, rezava uns dois terços, o Salve Rainha, colocava o Brevio de Roma na mão. Assim que terminava tudo, os pequenos estavam dormindo, todos suados com tanto abafamento, o Peri que era nosso cachorrinho também tinha medo e ficava bem junto, eu  gostava mesmo é de ir brincar nas enxurradas, aquilo era maravilhoso... Colocava um pano na cabeça e seguia as águas até chegar ao córrego, eram muitas quedas, Muitos arranhões, estrepes nos pés e tudo que tinha direito. Voltando pra casa, só os olhos estavam limpos o resto era só barro e toda molhada. A mãe enchia a bacia com água morna e me lavava dos pés a cabeça. Enrolava numa toalha e me punha em cima do fogão pra aquecer. Os irmãos ficavam chorando pra me acompanhar, mas eram pequenos, se deixasse a enxurrada levava.
Ao lado do rio tinha uma várzea onde se costumava plantar arroz, era espécie de um brejo, ali quando dava enchente alagava tudo e virava um grande lago, só por um tempo. Depois voltava ao normal, se demorasse matava o arroz. As águas vinham até no quintal era aquela beleza! Eu não tinha noção de perigo tudo era lindo. Ver o gado atravessar o rio a nado, os vaqueiros montavam nos bois e atravessavam a enchente. Ficávamos na varanda olhando o espetáculo.
Há... Tava me esquecendo, no Morro da Garça faziam todo ano uma tourada, os fazendeiros levavam seus bois para competir, montavam uma arena com toras de madeira, um tablado em cima, onde as pessoas ficavam para assistir. Iam todas as famílias, as crianças não podiam faltar era muito divertido, depois de cada apresentação jogavam dinheiro lá de cima e o dono do boi ia apanhar, pois ele não atacava o dono.
Os bois de carro do papai eram vermelhos e muito mansos, mas quando estavam em lugar estranho viravam feras, ninguém ficava em cima, eram os mais aplaudidos. A meninada gritava o quanto podia, quanto mais gritava, mais os bois pulavam. Esses sempre ganhavam, também pudera, com tanto barulho.
Papai ficava todo sorridente, descia na arena pra catar as moedas e ser aplaudido. Saia dali gastava tudo com pipocas e puxas feitas com rapaduras, era um dia feliz. Voltávamos pra casa com os mesmos bois puxando o carro, pareciam outros de tão mansos.
Quando acontecia de ser aniversário de alguém, e a lua fosse cheia, então reuniam todo o pessoal, pegava a sanfona e a viola que o Raimundo tocava e saiam à noite pra fazer serenata, mas com um trato. Meninos só iam se prometessem não fazer nenhum barulho, ou melhor, ninguém, era trato. Pra não estragar a surpresa. Só que o Peri ia também, ia correndo na frente, de repente aparece um tatu, como faz.?! O cachorro solta uma batelada de latidos, as crianças começam a gritar pra calar a boca, o bicho corre, o povo corre atrás, o tatu torna-se mais importante que o aniversariante.  Ai adeus serenata! Só se   ouvia as cordas da viola passar nas moitas e fazer barulhos, a sanfona embaraçar na cerca e soltar algumas notas e lá se foi serenata. E a caça ao tatu ficou até de madrugada, nem uma coisa nem outra. Só teve um porem,  quando fosse fazer esse tipo de coisa não era pra levar cachorro nem meninos. No dia seguinte o assunto era só a serenata, cada um que contava aumentava um tanto e risos que não tinham fim. Engraçado, os cantos. Já  estavam treinados, cantavam: “Sertaneja se eu pudesse... Se papai do céu me desse... Um espaço pra voar!... Eu pedia a natureza...” esqueci perdoa-me. Cantavam também... “Ó jardineira porque está tão triste?... O que foi que aconteceu? Foi a Camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu... Vem jardineira! Vem meu amor... Não fique triste que esse mundo é todo teu tu és muito mais bonita que a Camélia que morreu.” Cantavam: “Sereno eu caio eu caio... Sereno  deixou cair... Sereno da madrugada não deixou meu bem dormir...” E a saudades de matão? Quem não lembra? “Nesse mundo eu choro a dor... De uma paixão sem fim... Ninguém conhece a razão porque eu choro no mundo assim! Lá no céu junto a Deus... Eu lamento a minha desventura desta grande dor...” Ai vai. E continua bem apaixonada... Um dia vou conseguir as letras, vocês vão ver.