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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O tiro


Nesta época, Nicinha já era moça namoradeira, morena faceira, Trabalhadeira. Os candidatos faziam fila para conquista-la... E como, me lembro de que um dia chegou para nos visitar um rapaz, chapéu de banda, botinas engraxadas, bem arrumado, ele já vinha tentando conquistar a moça, ela não queria nem saber da figura, só tem que ele chegou, minha mãe como sempre mandou entrar e assentar, pegou o chapéu pendurou, chamou Nicinha e foi fazer o café, quando era assim, a Nicinha veio e o resto dos irmãos veio junto... Não é que o rapaz enquanto esperava o café, tirou do bolso uma nota não me lembro de mais de quanto, picou o fumo, enrolou na nota e fez um cigarro, levou à boca e pegou a binga para acendê-lo... Ninguém falou nada, só observávamos, pois não é? Botou fogo no coitado do dinheiro, certamente pensou, “Agora conquisto esta morena”, mamãe chegou trazendo o café, ele ainda ficou mais um pouco, a morena não teve jeito, ele foi embora e jamais voltou.
Havia outro candidato, esse fez melhor chegou lá levando um par de sandálias, que comprou nas barraquinhas de S. Geraldo, embrulhadas no jornal, e o numero ele calculou, mandou chama-la já na sala, e entregou, pediu que ela experimentasse, ela ficou surpresa, mas recebeu e agradeceu. Depois veio a conhecer o Hélio, e foi paixão a primeira vista esse sim era bacana, moço bom, trabalhador, gostava de cantar, até imitava Nelson Gonçalves, Orlando Silva! Que beleza, era vendedor e sempre passava por lá, levava presentes, logo conquistou a família, não demorou pra ficarem noivos.
O papai continuava a cuidar do retiro próximo a cidade, ele costumava ficar lá durante a semana e aos sábados voltava para casa, houve um sábado que não veio a mamãe não preocupou, pois era final de mês e tinha que fazer pagamentos aos empregados, mas na realidade não era isto, só ele sabia, estava de olho na mulher do caseiro, só que o mesmo já tinha desconfiado... Estava esperando confirmar.
Naquela manhã de sábado, levantaram muito cedo, o caseiro foi tirar o leite das vacas, enquanto a mulher foi fazer o café, papai também se levantou e foi à cozinha, como que não bastasse, deve ter dirigido alguns gracejos para a mulher, nunca ficamos sabendo o certo, só ele poderia nos contar, mas isso nunca aconteceu, o homem que já estava de olho, chegou rápido e armado de revolver deu um tiro dentro da boca dele, José Carlos, era garoto pequeno, estava lá acordou com o barulho e viu aquela cena, que também nunca contou... Nem comentou... Nem nunca perguntamos, não era importante... O que interessava era conservar a vida dele.
O homem fez a tragédia e foi se entregar à justiça, o pai ficou caído numa descida, perdendo sangue e longe de socorro, Jose Carlos vendo, saiu correndo até a cidade para avisar. Naquele momento o Soares e eu tínhamos saído para ir à missa, Passando por perto da cadeia que ficava na praça da igreja, conhecemos nosso cavalo amarrado em uma arvore o Soares ainda falou "esse cavalo é de sua casa!" Falei, "parece mesmo!" Voltando para casa vimos Jose Carlos chegando correndo cansado, tinha corrido nove quilômetros até a cidade sozinho, com medo, Imagine, ele deveria ter de sete a oito anos, muito criança para tamanho sofrimento.
O Soares pegou um taxi e foi rápido até a cidade, chegando lá a policia já estava com ele jogado na carroceria da caminhonete indo para o hospital, foi um sufoco. O Soares tirou alguns litros de sangue sem exame e transferiu para papai que já tinha perdido quase todo, foi um momento difícil, a bala estava alojada na nuca não podia ser tirada ali só em BH, estava encostada na artéria, cortou as cordas vocais e dificultava a fala. Não podia comer, ficou muito doente, por grande tempo, o Soares como tinha ainda uma sobra da loteria, estava desempregado e pode ajudar na recuperação do papai, levando-o para fazer cirurgia da retirada da bala em BH.
A recuperação demorou uns dois anos. Minha mãe outra vez enfrenta o calvário, agora como mulher madura. Sofrida. Aceitação total. Agora com muitos filhos de todos os tamanhos. Será que isto era segurança suficiente? E seu orgulho ferido? O que fazer? Mesmo agoniada vamos tocando a vida, Deus tem mais pra dar do que pra tirar, se deu a cruz, da à força pra carrega-la. O segredo é não desistir. Ela ainda engravidou, mesmo sem nenhuma estrutura, magoada, desanimada, Aborto é coisa que jamais passou em sua cabeça, algumas amigas indicavam um tal médico que aplicava uma injeção que nem doía e resolvia. Ela afastava, aquilo não era ser amiga, jamais mataria um filho... Dizia, "onde comem dez, comem onze!" nada havia de faltar como não faltou.
Eu também já estava grávida novamente eram as duas, novamente enjoos, cuspidas e tudo como sempre, era as duas se lamentando, agora a grana estava faltando, o dinheiro da loteria já tinha acabado, o papai também estava com pouca renda, ficou mais de dois anos só gastando, o Soares precisava arranjar um emprego, eu já tinha feito um curso de costura quando fiquei noiva chegou a hora de usa-lo para ajudar em casa, foi começando a fazer roupas para Sandra e minhas irmãs, para treinar e as pessoas verem e interessaram, aprendi com uma colega a fazer umas florzinhas de organdi para enfeitar roupas infantis, uma loja pediu-me que deixasse lá em condicional, se vendesse eu receberia, caso contrário me devolveria, eu estava disposta a fazer qualquer coisa que me desse uma esperança. Fazia novenas uma atrás da outra para o marido conseguir trabalho, e eu vender minhas flores.
O enxovalzinho, não tinha que me preocupar, até com minhas roupas de gravidez que fizemos para a Sandra dava para diversas gestações. Não tardou Sebastião conseguiu um emprego em um laboratório farmacêutico, teria que ir para BH trabalhar nos arredores. Em uma tarde do mês de março, minha mãe pede para chamar D. Josina, tinha chegado a hora. Ela era assim, ter um filho era fixinha... Naquela tarde nasceu Marcio, menino forte, boca grande, chorão, mas muito querido. Eu esperava minha vez, sabia que estava complicado, precisava fazer a mudança para BH, e o filho pra nascer a qualquer hora só Deus sabia, havia ficado em Curvelo esperando o marido alugar casa, demorou uns dois meses eu cuidava da casa, da Sandra que começava a andar, fazia flores para vender ainda algumas costuras que apareciam devagar, as pernas ficavam muito inchadas, às vezes não podia nem calçar os sapatos, enfiava os pés em um chinelo e saia para levar as encomendas, carregar a Sandra não era problema, o carrinho dela era muito confortável, e chamava a atenção de todos.