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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Uma Maria


Hoje quero dedicar a minha escrita à minha mãe, essa de quem escrevi quase nada... Às vezes, penso que chegou a hora. Mas a emoção me domina, e deixo pra depois. Nunca imaginei que fosse tão difícil falar daquela que cuidou... Que nos ensinou os primeiros passos, as primeiras palavras...
Quero falar de minha mãe jovem... Futuramente, falarei da mãe madura... Experiente... Amor silencioso, sem limites, eterno.
Ela casou-se com quatorze anos, era uma adolescente, menina mulher, menina mãe. Ela chamava-se Maria, não poderia ser outro nome. Passou pelo seu calvário muito cedo, foram-lhe tiradas dos braços duas filhas, uma, em seguida a outra. Morando muito longe de seus pais e distante de vizinhos, o pai não tinha estrutura para suportar tudo isso, ficou doente... Muito doente, saia pelos campos desorientado... Às vezes, ameaçava se matar ficava pelos cantos, deu depressão... Ela ali... Fazendo de conta que era uma rocha.
Imagina seu coração? Já havia perdido dois amores e prestes a perder o companheiro que amava? Eu era sua companhia!... Quem era eu?... Outra criança frágil, pequena, que mal sabia falar o nome, e dar um recado mal dado, impossível imaginar o tamanho de seu sofrimento, eles moravam em um lugar ermo afastado de tudo, sem nenhum recurso ou conforto, fiquei sabendo por esses dias conversando com o pai que, está pra fazer cem anos. Ainda soube me contar esses detalhes que eu não conhecia, lembrou também o nome do lugar, disse que lá se chamava Capivara, e de como foi difícil superar tudo aquilo.
Falou também que quando a primeira filha morreu, eles moravam lá em Capivara, a segunda já descrevi porque me lembro foi a Eunice, ele só teve melhora quando nasceu Nicinha, ai sim, sentiu que apesar de tudo, a vida continuava... E como continuou!  Somente quando somos mães e pais é que podemos medir e sofrer em silencio.
Essas forças são dadas em proporções maiores as Marias... Simplicidades, ao extremo, e de uma grande sabedoria. Essa, foi de berço, nasceu junto com ela, li que a sabedoria é para os simples e humildes. Minha mãe era isso. Simples e humilde. Seus partos todos foram feitos em casa, nunca ouvi um gemido, um pedido de socorro, sempre a luta ativa com muitos filhos pequenos e desinquietos... Põe desinquietos nisso... Ela nunca deu uma palmada, um castigo, mas ameaçava quando estávamos brigando. Sempre dizia: "se não parar com isto, vou por de castigo abraçados." e o medo de ter que ficar abraçado com aquele que naquele momento estava odiando, parava logo e saia pra lá.
Apesar de pouco estudo, não fazia nenhuma leitura, como? Que hora? Às vezes eu a via em um lugar afastado do barulho, com um livrinho de oração, fazendo novena de S.Geraldo, ou rezando a oração de Santa Maria Eterna. Só Deus sabia o que ela estava pedindo! Com certeza, saúde para os filhos em primeiro lugar, paciência e forças pra suportar as dificuldades que eram muitas. Nunca ouvi alguma briga com o pai por ciúmes, ele nunca foi fiel a ela, nem assim ela perdia a linha, era superior a tudo, e que briga não leva a nada. Sempre a ouvi dizer para as comadres, quando brigarem, não saiam de suas camas, deixem que eles durmam no sofá, porque é muito desagradável ter que voltar, deixe que isso aconteça com ele. Ela sabia também ser meninona, Brincar de esconde-esconde, geralmente nas noites de lua cheia, pedia alguém pra tomar conta dos pequenos, e, àquelas horas eram de correr e brincar, o pai também entrava nesta, terminava quando já estávamos cansados. Não me esqueço de um dia, em que ela se escondeu em cima da comunheira da casa do curral, quando foi descer, prendeu a aliança em uma lasca da madeira e a aliança deu um corte no dedo dela, foi muito sangue, o dedo inchou e não pôde tirar a aliança nem tinha como dar pontos, a brincadeira acabou ali.
Sempre que pedia pra buscar alguma coisa e a gente chamava alguma companheira, ela dizia logo: “você não nasceu ligada a ninguém, nasceu sozinha, tem que se virar só.” Seguimos com muita precisão esse exemplo, não sabemos esperar, nem depender das pessoas. Chamam isto de orgulho, eu creio que sim, mas não sabemos ser diferentes.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A casa na cidade


Sendo assim, as coisas foram tomando um rumo, na cidade, nossa família já estava instalada, como era preciso. Logo ficamos sabendo que a casa que fazia fundo com a nossa, estava a venda. Olha ai, podia haver melhor oportunidade para o tio José de Evaristo comprar e trazer nossos primos e primas para morar ali e estudar? A idéia era muito boa! O pai procurou logo o dono da casa e segurou o negócio. Em seguida mandou recado para o tio vir fechar a compra. Assim que chegou e viu que a casa era do jeito que ele tinha pensado, que poderia continuar na fazenda, e os filhos não iriam ficar junto com estranhos, estava tudo em casa, agora era rezar para aparecer outra casa para o tio Inácio. Ele também tinha filhos na idade escolar, os primeiros anos já tinha feito na roça, mas era preciso continuar.
Nossa alegria era contagiante, os outros primos teriam de vir também, não dava pra separar... Ficou um bom tempo sem aparecer nada, de repente, conversa vai, conversa vem, o pai fica sabendo que em frente à casa do tio José tinha uma casa com um cômodo de açougue pra vender. O pai não poupou tempo foi atrás, fez o negócio para o tio, fez mesmo antes de consultá-lo com medo dele perder a oportunidade. Agora estava bom todos próximos. Ficava assim, da nossa casa, passava pra casa dos primos, tinha um porém, saltar o muro... Mas não demorou o muro foi quebrando uns pedaços.
Os filhos do tio Inácio vieram assim que puderam morar na cidade, os pais continuaram tocando os trabalhos com as lavouras e gados. Quem precisasse ir até as fazendas, teria que ir até a ponte do bicudo de caminhão, e de lá até em casa de cavalo. O caminhão ia toda semana levar encomendas e trazer o povo com as coisas para vender, como: queijo, rapaduras, frangos, polvilhos, farinhas etc. O Batista, que já falei, aquele criado pelo vô Evaristo, ele sempre levava frangos pra vender, chegavam sempre à noite, e pela manhã precisava dar milho aos frangos antes de colocar na vara pra oferecer de porta em porta. Também ajudava a dar peso. Então assim que abriu o comercio, Batista entrou e perguntou, "Ai tem mio?" A vendedora disse. "Mio não tem... Tem milho!” Ele respondeu. "Pensei que entrei numa venda, e entrei foi numa escola, a senhora me desculpe, e pelo jeito a senhora é a diretora." e foi saindo, ele costumava vender as coisas e guardar o dinheiro amarrado em um lenço. Quando a moça viu a trouxa de dinheiro, ficou toda amável, e quis vender tudo. Além do que ele precisava.
Tio Inácio ficou satisfeito com a compra da casa, providenciou logo a reforma da mesma para que ficasse mais aconchegante. Parece que o tempo era mesmo favorável as compras, não demorou um vizinho da fazenda S. Antonio, propôs comprá-la, o pai gostava de lá e tinha pena de vendê-la, agora não tinha mais o vô pra pedir conselhos. Conversou com a mãe, e chegaram à conclusão, que deveria esperar um pouco até aparecer terras junto das nossas perto de Curvelo para comprar.
Eles pensaram se vendessem agora, acabariam gastando o dinheiro, e estando empregado na fazenda estaria seguro. Dito e feito dai bom tempo apareceu um retiro ligado as nossas terras, já tínhamos bons pastos, e uma porção grande que tinha recebido de herança, ai sim, não podia recusar o negócio, estava melhor do que esperávamos sendo assim vendeu a chácara que dava mais despesas que lucros, comprou mais bois para cortes. Lembrou do cômodo de açougue do tio Inácio, na rua do fundo.
Como o retiro era perto, só nove quilômetros, dava pra cuidar dos dois. Lá já tinha uma casa de um tamanho razoável, uma cisterna coberta, com bomba pra jogar água na caixa, sem ser preciso buscar na fonte. O pomar formado já tinha algumas frutas da época, muita cana plantada para alimentação do gado no tempo da seca. Então pensou rápido, abrir o açougue... Teria o gado para fornecer as carnes, era uma boa idéia... Não demorou a realizar a vontade, antes da festa de S Geraldo o açougue já deveria estar funcionando, e funcionou.
Lá na cidade tinha tal de Senhor Germano, homem bom, silencioso, educado, só não dava prosa pra ninguém. Não sabemos o motivo porque que Armando sentia tanto medo dele. Um dia, o pai precisou sair para ir ao banco, pediu a Armando pra ficar tomando conta. Armando pensou, “vou assentar aqui, com a peixeira na mão, assim tô tomando conta de verdade...” Mas não é de ver, que justamente naquele momento entra o Senhor Germano, com o laço na mão. Ele trabalhava na prefeitura, pegando animais nas ruas. Armando, quando viu ficou branco, levantou até tremendo para atendê-lo. O medo era tanto, que cortava qualquer carne que o Senhor Germano quisesse. Quando o pai chegou, ele falou de peito cheio: “Hoje fiquei perto do Senhor Germano...” Papai disse logo, “não falei que você é macho?”
Com os primos juntos não tinha tempo ruim, todas as noites íamos brincar de cartas, agora já não ia pras ruas brincar de pega- pega, as conversas eram outras... Eram só rapazes, namorar escondido, assentar no banco das praças e ao avistar uma pessoa conhecida saia correndo, medo de alguém contar para os pais, eram besteiras ninguém estava nem ai. Ainda mais que andávamos de turmas. Dar voltas de bicicletas, era tudo de bom, éramos muitos, e as bicicletas poucas, precisavam tirar sorte pra ver quem seria o próximo.
Neste intervalo minha mãe já tinha ganhado mais dois filhos, Vivaldo que papai escolheu o nome olhando na folhinha do Sagrado Coração, dizia que era nome de homem inteligente, Cresceu forte e paparicado igual aos outros. No dia da mudança da chácara pra cidade a mãe sentiu uma dor... Advinha? Nasceu Lucia, veio como uma brisa mansa, pequena, como se tivesse faltado material, mas ela nunca precisou de tamanho para ser feliz... A mãe era ótima parideira, Depois que conheceu a Jozina, só pensava nisso... O pai vivia rindo, já tinha três homens faltavam poucos para um time de futebol. Sentiam muito orgulho de sua prole... Diziam sempre que os filhos deles eram os mais bonitos. Serenita ficava cuidando da gente na cidade, a mãe o pai e os pequenos no retiro, mas todos os dias o leiteiro vinha trazendo o leite para ser vendido, e final de semana íamos alguns de charrete, outros de bicicletas e voltávamos no domingo à noite.
Havia em nossa casa uma entrada lateral, por onde davam as janelas de dois quartos, pela manhã o padeiro colocava os pães na janela do fundo para comermos com o café antes de ir pra escola. Como nem tudo pode ser perfeito, os pães, estavam sumindo... Quem será? Ficamos imaginando... Mil idéias surgiram... Conclusão... Alguém estava pegando antes da gente! Nicinha, como sempre muito corajosa. Prontificou-se logo, "vou dormir aqui e pela manhã pego no flagrante". A janela era de madeira com taramela pra fechar, a cama ficava com a cabeceira debaixo da janela, o que ela fez?  Pegou um pau, cabo de machado, assentou na cama encostada na cabeceira, não deitava pra não dormir, taramela semi-aberta, agora é esperar... Só que cochilou... Pela manhã, quando o padeiro coloca o pão esbarra na janela, ela acorda, pula da cama já com o pau na mão, abre rápido a janela, levanta o pau pra atacar... O padeiro da um pulo pra trás e grita. “Opa! Sou eu..." Por pouco não deu uma surra no padeiro.

sábado, 10 de setembro de 2011

A venda


Terminado a reforma da casa, que demorou muito, pois teve quase que jogar toda no chão, deu tempo até pra mãe engravidar de novo e nascer Maria de Lourdes, menina espigadinha e sapeca, fiquei feliz, mais uma para o bando. Também ela já tinha feito freguesia com a parteira Jozina. Já éramos quatro contra dois.
A casa foi dividida em duas, uma menor, que poderia ser alugada, e a maior onde foram feitos diversos quartos, um grande, cabia sete camas, esse era pras meninas, os outros também, parecia que esperavam ainda muitos filhos. Duas salas, uma cozinha enorme quintal grande com canteiros, caixa d’água pra muitos litros, ainda um depósito subterrâneo, pra segurança, o consumo era grande, muitas roupas para serem lavadas, agora já sabe, eram banhos todos os dias, precisava pegar o ritmo da cidade.
Tudo ali era mais fácil, não precisava buscar lenha no campo nem água na fonte, o leite e o pão vinha na porta, a escola só atravessar a praça, colégio ficava um pouco distante, mas tinha muitas colegas vizinhas. Lá eu não tinha bom comportamento, gostava de conversar, também meus pais não me puniam, acostumada com liberdade, demorava a entrar nos eixos. Fugi de novo, agora as carteiras eram de duas em duas, a menina que assentava na minha frente deixou o cabelo por cima de meu caderno e vi um piolho andando na minha carteira, ai falei pra todos ouvirem, a freira ficou brava comigo, não podia agir assim, tinha que ter chegado à colega e falado.
Na hora do recreio fizeram fila pra ir para o pátio, a freira ficou na porta, quando chegou minha vez de passar ela disse: “Você fica de castigo” voltei triste, ela saiu e fechou a porta. Eu pensei... Tive vontade de chorar... Depois resolvi fui para janela, tinha uma horta, e um pé de mamão junto ao muro, desses que nascem por acaso... Então, peguei a pasta saltei a janela subi no pé de mamão, passei para o muro, lá em baixo estava um caminhão parado com uns sacos de ração dentro, devia ter uns dez, não deu outra, joguei a pasta depois pulei, saí correndo e fui embora. Encontrei com o pai que estava montando um comercio na casa da vó no cômodo de loja que tinha lá, contei o motivo, o pai achou por bem ir lá conversar, justificou... pediu desculpas... No dia seguinte cheguei muito sem graça as meninas olhavam e riam, fiquei com vergonha, mas já tinha feito e assumi, pedi desculpas pra freira e tudo bem, só me ameaçou, se fizesse de novo ia ser expulsa.
O comercio estava sendo montado, ponto bom, esquina da praça, ali não teria erro. Vinha muitas coisas da chácara: ovos, queijos, requeijão, frutas, frangos etc. A Liu ficava na chácara, e fazia os queijos, os requeijões e mandava Serenita, ajudava minha mãe na lida da casa. Maria de Lourdes, que chamávamos de Lourdinha, já engatinhava por toda casa, minha mãe ajudava na venda, às vezes eu também. Freguesia só crescendo, por quê? Porque será? Não demorou pra fechar... Já tinha um caderno cheio de anotações, e já começava outro. Pra comprar na venda dele não precisava de dinheiro, bastava falar que estava precisando. E lá iam as mercadorias. Cobrar nunca. E as noticias espalhavam, não aguentou muito tempo. Ele viu que ia quebrar, cobrar ele não gostava, tinha vergonha, o jeito que achou foi fechar. Quando minha mãe falava ele dizia, deixa Maria, se eles tivessem dinheiro, não estariam passando falta das coisas.
Ele foi sempre assim o que era dele era de todos, herdei esse lado, não me apego a nada. Não tenho nada, e tenho tudo. Tudo que necessito: família, amigos, saúde, vida e paz. Não troco isto pelo maior tesouro do mundo. A presença de DEUS é visível em nossas vidas. Quem tiver olhos que veja quem tiver ouvidos, que ouça. O quarto ano não consegui passar de ano também poderá, com tantos transtornos? Repeti, a quinta série fui bem, também já era tempo de tomar jeito. Estávamos na chácara, quando fiquei menstruada, nem nunca tinha ouvido falar disso, parece mentira, mas é pura verdade, as mães não comentavam nada dessas coisas com a gente, tomei o maior susto, a primeira pessoa que falei foi a Serenita, me tranquilizou, me explicou que era assim mesmo, e que todo mês ia repetir até eu ficar velha. Nem conhecíamos obsorventes, não recebíamos nenhum preparo para enfrentar esse tipo de coisa. E casavam também completamente sem saber o que estava pra acontecer, tamanho atraso, quando digo isso muitos duvidam, pensam que é exagero.
Agora, já começava a me interessar pelos meninos, saia pra passear com as amigas e as primas, era dar voltas na praça do jardim ou praça do fórum. Lá todas as noites as moças se aprontavam e de braços dados rodavam a praça, os moços ficavam parados nos postes de luz paquerando, às nove horas pra casa. Se atrasasse um pouco tinha bronca, se arranjasse namorado nada de pegar na mão, ia ficar falada, depois não arranjava casamento. Também andar com mulheres separadas, nem pensar, se estavam todos assentados na porta e passasse uma separada e parasse pra perguntar alguma coisa, os pais mandavam agente ir pra dentro.
A missa não era mais das crianças as nove, era as dez missa campal, celebrada na praça da matriz, o padre ficava no coreto, e o povo em pé, as moças de sapato alto, no sol quente, pisando em cima dos cascalhos, era chique a missa das dez aos domingos. Agora mudou o prefeito, esse queria mostrar serviço, mandou fazer um calçamento, em frente ao cinema era uns dez metros, fizeram tijolos de concreto e calçaram, ficou bonito, chamaram as escolas pra desfilar no calçamento na inauguração, houve até banda de musica, o tiro de guerra marchando os alunos com uniformes de gala, muitos fogos, era mesmo uma grande festa.
Sim, passou o dia de domingo. Na segunda, passou um caminhão, nem estava cheio, não é de vê que o calçamento partiu todo? Lá se foi o trabalho. Esse serviu só de chacota para o prefeito.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A procissão







Na chácara tínhamos mais conforto, luz elétrica, água canalizada, um pomar imenso, com todo tipo de frutas que agente nem nunca tinha ouvido falar, um belo jardim, na frente da varanda havia um caramanchão de maracujá, onde colocávamos redes, contávamos histórias, e cantávamos juntos. O pai sempre voltava ao Santo Antonio para ver como estava o andamento da fazenda. Ele era muito jovem, apesar de já ser pai de cinco filhos não falando nos abortos, uma que morreu quando eu era ainda muito pequena e a Eunice de cuja morte me lembrava. Naquele tempo casavam cedo, o pai com dezoito a mãe com quatorze, eram adolescentes... Os hormônios na flor da pele... Não havia anticoncepcional, preservativos também não existiam. Ele não era nenhum santo em fidelidade, minha mãe sabia que ele pulava cercas, mas nem por isso ela ficava com brigas, nunca presenciamos uma cena de ciúmes, era super inteligente, se chorava, nunca vimos, ele sempre foi bom marido, carinhoso, pai presente, brincalhão e divertido. Eu podia notar que as traições não eram por amor e sim por instinto de homem. Gostava de mulheres sempre muito feias e sem tipo, não olhava cara. Acho que a mãe fazia vista grossa, punha na balança as virtudes... E... Deixava passar, assim foi... Ela só pensava em ser exemplo para os filhos.
Por um bom tempo a rotina foi igual, ir pra escola às vezes andando com colegas que moravam por perto, outras vezes de carro ou no cavalo, tudo era válido, ficar final de semana na cidade com as primas, brincar na praça, sair com o tio Lálá, que fazia nossas vontades escondido da vó Ezequiela. Ia à missa das nove aos domingos no santuário de S. Geraldo e às vezes iam todos para a chácara, ai era bom demais. Por mais de um ano, o pai continuou indo na fazenda, sempre, a mãe nunca podia ir estava amamentando José Carlos, Nicinha e Armando já estavam indo para a escola, ficar indo e vindo na fazenda estava difícil, com a morte do vô, e a partilha das terras, tocou para o pai umas terras próximas de Curvelo, mas eram somente terras, sem nenhuma construção. Visto a isso ele decidiu vender S.Antonio e comprar uma casa na cidade e mais terras ligadas as que herdou do vô, assim foi feito. Comprou uma casa grande e velha, no centro, na rua do correio bem perto de escola, pensando nos filhos que aproximavam idade de estudar. Antes precisava fazer uma bela reforma, enquanto isso comprou uma charrete para levar-nos a escola, foi uma farra todos queriam conduzir a charrete, era muito bom.
Pela manhã o vaqueiro tirava o leite, punha as latas na carroça, ia vender na cidade de porta em porta, levava também muitas frutas. Descendo pra chácara tinha uma estrada lateral bem profunda e escura passava por ponte de madeira sobre um riacho, o nome é Riacho Fundo. Nos finais de semana os jovens que moravam do outro lado da ponte se juntavam e iam passear nas barraquinhas e na praça, voltavam tarde... Bem tarde, as primas como já disse gostavam também de ir pra nossa casa, então como tínhamos muita criatividade, pegávamos uma vela um fósforo, e um lençol branco, geralmente noite de lua, subíamos na porteira ao lado da estrada escura, enrolava no lençol ficava esperando os jovens, quando ouvia conversas, acendia a vela, eles viam aquilo começavam a correr e gritar, a gente ria tanto que uns até faziam xixi.
As distrações eram criadas, o que vinha na cabeça... Era pensar e agir, desse no que desse os pais nem davam broncas, não existia televisão, nem todos podiam ter um radio, éramos felizes nas simplicidades, amigos, companheiros, sem nenhum espírito de competição. Mas, bom mesmo era o mês de outubro, festa de S.Geraldo... Missas com sermão a noite, geralmente era só pela manhã, na festa era diferente tinha novena, confissões, barraquinhas de fora, trazendo novidades, a cidade ficava repleta de pessoas de todos os lugares, na igreja se não fosse mais cedo não assentava, minha mãe como sempre com criança de colo, era uma das primeiras a chegar, as cantoras bem afinadas a Piquitita e a irmã que esqueci o nome, cantavam tudo em latim, as missas também era rezadas em latim, só o sermão o povo entendia. As mulheres, e crianças que já tinham feito primeira comunhão usavam véus, as casadas véus pretos ou cinza, as moças solteiras e meninas véus brancos.
Recebiam a Eucaristia, de joelhos e na boca, nessa hora não usavam batom iam em jejum. Apesar de não entenderem a importância da missa, os padres ensinavam o respeito. No ultimo dia da festa havia a procissão de S. Geraldo ai todos de velas acesas, véus nas cabeças, sapatos novos machucando os calcanhares, às vezes até tirava no caminho fazia de conta que estava cumprindo promessas. Os vestidos novos feitos pela Dita Gonzaga, costureira famosa, trabalhava como ninguém naqueles dias. Na procissão, estava a mãe de braço dado com o pai e nós atrás, ela segurava a vela acesa, de repente a vela começa a escorrer e queimar a mão, ela soltou o braço dele pra consertar a vela... O povo foi andando... Foi andando... Ela distraída com a vela, nisso quando terminou de arrumar, levou o braço... Não era mais o pai que estava ao lado dela, era o S. Raimundo, ela nem percebeu, andou um bom pedaço de braços com ele, o pai viu e mostrou pra nós, foi difícil pra segurar o riso, quando ela deu pelo caso ficou muito sem graça pediu desculpas, chamou nossa atenção, porque não avisamos pra ela. Isso é motivo de risos até hoje quando nos lembramos da situação.