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domingo, 22 de abril de 2012

As costuras



Comprávamos tecidos com o dinheiro que ganhávamos com as costuras, fazíamos roupas de crianças, embalávamos direitinho e levávamos nas lojas Cruzeiro na cidade baixa, as roupas eram deixadas em condicional, e Deus ajudava... Quando voltávamos já tinham vendido tudo, pegávamos o dinheiro e comprávamos mais tecidos, já tínhamos um tanto de dinheiro junto, felizes.
Um dia, o Soares chegou disse que um amigo dele o Dr. Washington, estava construindo um hospital, e precisando fazer toda a roupa que os funcionários iriam utilizar, perguntou se queríamos fazer. Foi um achado, fomos ao magazine Florensilva e compramos uma maquina industrial; eu cortava, Ana Maria costurava, colocamos uma moça para ajudar, o rádio ligado ouvindo novelas, chorando com os dramas e éramos felizes.
Mas o Soares queria que parássemos ali. Como? Agora era tarde! Ele estava irredutível... Voltamos a fazer escondido de novo! Pegamos da casa Alberto, mil fardas de empregadas, eram uniformes completos, seria muito trabalho... Mandaram os tecidos de caminhão, e para esconder, foi preciso colocar debaixo das camas detrás das cortinas, debaixo de colchões.
Às vezes começávamos a cortar e tínhamos que parar porque ele chegava de surpresa, e tínhamos que correr. O porteiro nos avisava, tínhamos medo das meninas contarem... Mas elas nunca fizeram isso. Eu pensava, “não pode ser assim, não estamos erradas.” As coisas não acontecem sempre como a gente quer. Compramos algumas joias como investimento, diziam que era bom, mas foi um inferno... Fui usar uma para ir a um aniversário, foi a maior briga, começou a desconfiar, achou que eu estava o traindo... Precisamos provar de onde estávamos tirando dinheiro, depois de tanto sofrimento ele concordou. Sentindo-nos aliviadas, continuamos a fazer muitas e muitas costuras. Confeccionamos para o magazine Florensiva duas mil peças para o carnaval, eram fardas como diziam, mas na nossa realidade, eram calças compridas com casaquinhos com golas e sem mangas, nas cores vermelho azulão amarelo, e verde.
O carnaval em Salvador sempre foi o melhor e continua sendo. Nesse tempo minhas primas queridas e amigas de infância, já tinham casado a maioria, poderia contar muitas coisas divertidas desses acontecimentos! Mas pelo curto tempo que tenho, não será possível, tenho prazo para terminar minhas escritas...
Voltando o assunto, Sandra estava sendo preparada pelas freiras para fazer a primeira comunhão, e Selma, agora já estava também na escola. Nas avenidas de Salvador, ficavam os guardas a dar sinais com os braços direcionando o transito, ela se encantava, e sempre que passávamos junto aos guardas ela ficava imitando, no natal falou que queria uma roupa de guarda, então foi comprado o uniforme completo, e como ficou contente!
Sandra ganhou do pai um instrumento de teclado, uma pianola, queria aprender tocar, não tinha quem soubesse dar aulas daquele instrumento; arranjou uma professora de acordeom, sendo assim, comprou um acordeom. Em pouco tempo ela já tocava diversas musicas, formaram até uma banda que era uma beleza, cantavam e tocavam, faziam apresentações em festinhas.
Eu notava que ela não gostava muito de dar apresentações, quando pedia para tocar para alguém vinha contrariada. Durou pouco, tomou raiva, pôs fim. Abandonou...
O sonho do Soares era voltar para BH, desde que aceitou vir para Salvador, achava que como gerente poderia ser transferido para onde quisesse... O irmão dele Protásio, já estava como gerente em Recife, como já escrevi, então quem foi para BH? O irmão! Estávamos bem, em vista de outras épocas, ou melhor, ótimos. O marido, sempre gostou de superioridades em tudo, não era fácil trabalhar com ele, as pessoas viviam pressionadas com tantas exigências, criava caso por pequenas coisas, eu podia notar que não era querido nem pelos diretores da empresa, ele aumentava a paparicação para ver se isso o tornava mais simpático! Inutilmente... As pessoas nunca mudam, é possível melhorar, mas sempre quando menos se espera voltam a estaca zero...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

As Férias



Chegaram as tão esperadas férias, só falávamos na viagem, comprar presentes, poucos, para não pesar as malas, tudo muito pensado e medido... Seriam belos dias, matar as saudades de todos isso era maravilhoso. Eu e as crianças, no avião Electra 2 até Belo Horizonte, do aeroporto da Pampulha para casa dos meus sogros contrataríamos um taxi.
Soares achou por bem vir no jipe, queria mostrar como estava evoluído, trouxe com ele um ajudante, muitas bolsas de palhas, tambores de combustível, caso não encontrasse postos, e alimentação para os três dias que tinha calculado duração da viagem, não conhecia o trajeto, estava arriscando, dando um pulo no escuro.
Resolveu na ultima hora trazer a Licia, nossa empregada de confiança, mandou colocar um bagageiro no teto do jipe, porque dentro não cabia mais nada, e as ferramentas! Precisava se prevenir para uma casualidade, pensou em tudo. Me contaram quando nos encontramos que tinham tantas coisas em cima do jipe que a carga pendia para o lado, as pessoas passavam e faziam sinais com o dedo polegar, queriam dizer que estava joia... Ele parava, descia do jipe, chamava a Jose, para ajuda-lo a passar mais uma corda, entendia que a pessoa queria dizer que a carga estava para cair.
A viagem durou uma semana, o jipe, não fazia mais de quarenta quilometros na estrada, quando tinha um mata burro, precisava o José descer e ficar na frente direcionando a passagem, para evitar cair no buraco. Foi assim até Curvelo, chegou por lá, passou por Montes Claros, chegaram bem sujos, empoeirados e fedidos, haviam se esquecido de deixar roupas para trocarem, imaginem uma semana nas estradas de terra sem banho! Até ai tudo bem, eram causos e mais causos... Repetia sem parar para os amigos que eram muitos e para cada um contava de novo, sempre aumentava no desenrolar da conversa diziam que dormiam assentados dentro do jipe, impossível imaginar tanto sacrifício... O Soares, era mesmo porreta como falavam, dava jeito pra tudo ao modo dele. Não se animou ir a BH para nos buscar no jipe, pensou que o movimento seria muito, preferiu ir de jardineira, assim foi feito.
Encontrar novamente os irmãos, embora faltando Nicinha que havia casado com o amor da vida dela o Hélio, e já tinha nascido Euler a quem passamos a chamar de Leleu; depois uma menina, Luciene linda... Parecia uma princesinha, em seguida Nádia, esperta como ninguém. Armando que já havia se casado com Áurea, moça bonita e faceira foi um achado muito bom. Eles tiveram só dois filhos Jerry e Petrônio.
Mamãe nos aguardava com tudo já preparado, os doces, as quitandas já tinham feito de véspera, as camas já tinham sido selecionadas, ela gostava de tudo combinando e bem limpo, fazia requeijão caprichado para o Soares, e doce de leite com pouco açúcar, era todo esse xodó. No final da semana, fomos para o retiro, as meninas quiseram ir na charrete, eu também, Soares e mais outros irmãos, era bastante perto, poderia encher a charrete a mesma tinha dois bancos, ainda não vi outra igual.
Ficar lá no retiro, as crianças se esbaldavam leite no curral andar a cavalos, tomar banho no rio, contar casos na varanda, ver a lua cheia... Ah... E a luz de lamparina? Para minhas filhas era novidade, elas não se lembravam... Naquelas férias José Carlos casou-se, muito jovem, com dezoito anos, olha só, Vânia também era muito menina, pareciam duas crianças, eu senti vontade de pega-lo e levar pra casa, sabia como é difícil a vida a dois, eu já tinha passado bom pedaço, mas a vida era deles, tinham o direito de tentar ser feliz embora eu não achasse, tiveram três filhos Rogério Fabrício e Carla, não sei falar muito deles, não havia muito convívio por motivo de estar sempre distante. Voltei para Salvador, agora o Soares já conhecia o caminho, seria mais fácil, e não mais aquelas tranqueiras que havia comprado, voltaram mais tranquilos, levando roupas para trocar, já tinham visto onde tinha postos para abastecer, pensões próximas à rodovia, agora seria outra coisa, não precisava cuidados, pedi que levasse Ana Maria para ficar conosco, mocinha bonita, desimpedida sem namorado. Com ela meu apartamento virou um céu... Brincava com as crianças, as levava na prainha, na escola.
Licia fazia serviço de casa, compras na feira, que eram feitas todos os dias, não como hoje que é de vez em quando... Naquele tempo, comprava-se todos os dias a comida do dia, pouca gente tinha geladeira e fogão a gás, os mesmo eram elétricos. Ficando sem ter o que fazer, voltou-me a ideia de costurar, ainda mais agora que tinha uma companheira que também gostava.
Fazíamos nossas roupas, as roupas das meninas e de alguma amiga, todos gostavam e perguntavam onde havíamos confeccionado. Com isso, começamos fazer para as vizinhas, eu tinha diversas no prédio onde morava, estava feliz com as realizações.
Um dia o Soares chegou mais cedo, encontrou lá uma pessoa que tinha ido para provar roupas, ele virou fera, nos ameaçou dizendo que não queria saber de costuras, se chegasse lá e tivesse roupas de alguém iria por fogo em tudo... Eu não podia confiar nele, já tinha me decepcionado muitas vezes! Sempre que pedia um dinheiro para alguma coisa, vinha em seguida a pergunta "praquê?” Ou então "já te dei ontem!”, “O que você fez?'' Eu não podia aceitar esse tipo de coisa, sabia trabalhar e tinha o trabalho que gostava de fazer.
As meninas estavam estudando no colégio das Mercedes, era de freiras e um bom colégio. Então, pensei não vou ceder! Passei a fazer escondido... Olhava pela janela, vigiava o jipe, pedia a Licia para ficar na janela no horário de chegada, de lá podia ver a ladeira por onde passava. Quando ela avisava, corria fechava a maquina, escondia as costuras e despistava fazendo outras coisas. Isso ai deu certo... Tão certo que resolvemos fazer visitas nos magazines, e lojas, na cidade baixa e alta. Conseguimos muitas encomendas, foi só o começo...

o Jippe




Bahia terra boa, escrevendo agora, me coloco ali, sinto cheiro do acarajé, do sarapatel, do cuscuz de tapioca, e tudo mais de delicias daquele lugar. Apesar, da falta que sentia dos pais e irmãos estava feliz, fui conhecendo também outras pessoas de BH que estavam lá pelo mesmo motivo. Agora, aos domingos depois da praia nos reuníamos sempre em casa de um conterrâneo para o churrasco a mineira... Não tínhamos carro, alguém sempre nos dava carona.
Então, Sebastião terminou o período de adaptação, agora a empresa achou por bem autorizar para ele comprar um carro, era necessário, fazia muitas visitas aos médicos, viagens, o escritório ficava na cidade baixa, distante de nossa casa. Ele não tinha carteira de habilitação, precisava tirar arranjar alguém para ensinar, mas primeiro comprar o carro, estava mesmo muito ansioso, o que comprar? Pensou muito, e chegou à conclusão de que um jipe seria a solução, poderia viajar andar em estrada de terra, era o ideal.
Foi atrás, depois de procurar bastante, achou um no jeito, fez o negócio, “agora sim estou realizado...” Chamou o homem que ia ensina-lo, todos os dias chegava cedo, Sebastião já pronto para sair, desciam juntos a ladeira do Inhão o homem dirigindo e ele olhando, prestando atenção, estava faltando coragem para enfrentar o transito.
Depois de alguns dias saíram para um lugar fora da cidade para treinar, ficaram o dia todo, quando chegou com o jipe dirigido por ele, foi uma alegria só. Em frente ao prédio que moravamos na praça, havia um posto, como não tinhamos direito a garagem, deixava o jipe ali.
Comprou uma corrente bem grossa, era sempre exagerado em tudo que fazia, para amarrar no poste o jipe, evitando ser roubado. Assim era todos os dias aquela armação, ainda pagava o vigia do posto para tomar conta. Sábado a tarde convidava os amigos para dar voltas com ele dirigindo... Saia também, com a família pela avenida beira mar, levava para o farol da barra para ver a paisagem, às vezes chegava até Piatã, Pituba e outras praias mais distantes. Todo sorridente, dizia olhando o velocímetro: "Fizinha olha quarenta! Tá vendo? Esse jipe é bom mesmo se pisar fundo dá até sessenta!”.
Aos domingos, levantava bem cedo para desmontar tal de carburador, e lavar com gasolina, dizia que era pra tirar as sujeiras da mesma. Até que um dia... Vendo toda aquela dedicação, resolveram passar um susto no Soares... Havia deixado para por a corrente mais tarde, porque iríamos ao cinema. Descemos as escadas rápido, porque a preciosidade não estava presa ao poste... Adivinhem, roubaram o jipe! Ficou louco, foi a policia o mais ligeiro possível... Contratou detetive!
Pegou um taxi para andar com ele, foi à noite inteira de buscas inúteis, pela manhã já esgotado da procura, alguém bateu na porta e perguntou se já tinham encontrado, porque logo abaixo na prainha tinha um parecido, correu para reconhecer, era mesmo o dito cujo. Bem em frente ao nariz, não procuraram por perto, a ansiedade era muita! Vaidoso, quis colocar um nome no jipe, passou a se chamar Electra 2, em homenagem ao avião que fazia a linha de Salvador a BH.
Quase dois anos fazia que não víamos nosso povo. Durante esse tempo, passou o casamento da Nicinha com o Hélio e do Armando com Áurea, estávamos muito longe.