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domingo, 20 de novembro de 2011

O Casamento


Durante o noivado que durou um ano e meio, minha mãe ficou novamente grávida. Que novidade! Estava demorando... Vomitou tudo que tinha direito. E cuspiu, é assim, mulher grávida cospe demais, é muita saliva! Faltando exatamente três meses para o casamento, foi preciso chamar a D. Josina, Ângela já anunciava sua chegada, menina ativa, esperta e bem branquinha, cabelo quase nada, eram tantas as visitas, porque agora morávamos na cidade, e tínhamos muitos amigos e os presentes agora já não eram galinhas, ovos, rapaduras, etc. Traziam talcos, sabonetes, casaquinhos e sapatinhos de tricô e outras coisas uteis.
Durante os preparativos para a festa já se falava, sobre a festa, separando os leitões, que iriam assar o novilho gordo, as doceiras reservando os dias, as cozinheiras avisadas, só o fotografo que ficou por ultimo, quando procurado, já estava contratado por outra noiva que casava no mesmo dia e horário. Também já estava sendo considerada moça velha... Já estava com dezenove anos, veja só, hoje eu seria uma menina... Os estudos precisei parar por ali... Mulher casada não estuda.  Isso era o que se ouvia.
A animação foi total, os parentes fazendo roupas novas, os primos não tinham outro assunto. Só se falava no casamento. A casa por sua vez levou tinta nova, panelas grandes compradas na barraquinha de S. Geraldo. Foi feito um forno de tijolos no quintal, para assar as quitandas, estavam esperando muita gente. As casas do tio Inácio e tio José também receberam um trato especial, compraram mais colchões. Viviam contando os dias, mas era muita preocupação.
Só em nossa casa já éramos nove filhos.  Os pais os empregados, vejam quantas roupas e sapatos pra todos, era mesmo uma grande despesa que o pai precisava fazer, ele não reclamava de nada. Meu vestido foi confeccionado pela melhor costureira de Curvelo, especialista em vestidos de noivas.
Minhas cunhadas estavam preocupadas, queriam trazer minha sogra D. Mariquinha, ela era muito simples, gostava só de roupas compridas estampadinhas de preto e branco e mangas compridas. Pra ela ir ao casamento, queriam que ela mudasse o visual completamente, e que usasse até chapéu... Imaginem o drama!
Forçaram tanto que a coitada preferiu enfezar e não comparecer. A outra cunhada mais velha também desistiu com tamanhas exigências só compareceram o pai, um irmão com a namorada, e uma cunhada. Vieram parecendo bonecas de bolo, quem já viu? Chapéus de abas largas da cor dos vestidos, sapatos de saltos Luiz XV, os cabelos com cachos, eram mesmo uma beleza pra uma cidade que não tinha nem calçamento.
Nosso povo estava arrumado, dentro do limite de cada um. O noivo chegou dois dias antes trazendo os moveis no caminhão, a casa que iríamos morar era aquela outra do papai, junto à casa grande que já descrevi. Os moveis eram lindos de madeira clara. Novidade para o lugar, todos queriam ver. O casamento seria no sábado, na quinta feira o povo já estava chegando, os doces de frutas já estavam prontos e de leite para fazer os queijões que eram os meus preferidos. A Ezequiela de João Lopes veio de Santana para fazer e assar no forno novo. Os outros doces, os bombons, os balainhos, cajuzinhos, canudinhos recheados, quindins bom bocados e muito mais.
Os presentes também começaram a chegar ai sim, eram muitos e todos de muito bom gosto. Eu fazia questão de arrumar uma cama larga só para por os presentes e deixar à vista de todos para serem admirados. Sebastião comprou até uma radiola em um móvel grande com belo som estava mesmo podendo. Não sei como, deve ter ficado endividado por muito tempo, acredito que os irmãos o ajudavam.
Fui muito querida, todos faziam muito gosto do casamento. Chegou o grande dia... Logo cedo os encarregados de cuidar das leitoas e sacrificar o boi já estavam em ação, era mesmo muito trabalho... Fazer um buraco no quintal e encher de lenha fazendo fogo para começar assar as carnes, as caixas de vinhos já tinham chegado, precisavam ser retirados das embalagens, isso era serviço pra meninos... Mas ninguém queria saber de ajudar em nada... Era conversar, rir, correr e roubar doces.
O povo estava mesmo animado... As mulheres na cozinha falando alto correndo atrás das coisas, a mãe tinha que receber os hóspedes que chegaram com muita antecedência, a intenção era ajudar. Antes do casamento seria o batizado de Ângela, estava marcado na igreja matriz para as dez horas. Os noivos seriam os padrinhos, ela naquele dia completaria três meses, então seriam naquele dia, duas festas.
Para as primas, parecia que o casamento era delas de tanta animação. Meu vô Evaristo veio dias antes pra marcar presença e ajudar no que fosse possível, a casa estava mesmo repleta de parentes. O muro que dividia com o tio Zé de Varisto, já tinha ido parar no chão de tanto passarem de um lado para o outro, agora parecia que era uma casa só. As plantas do caminho, a horta, tudo pisoteado, as correrias não cessavam.
O casamento estava marcado para as seis horas no santuário de S Geraldo, a noiva já estava em cima de uma cadeira esperando o vestido que não chegava, a agonia era muita, já tinha colocado as anáguas engomadas, o vestido chegou com grande atraso, a noiva nervosa não podia chorar que manchava a pintura. Para fechar o vestido, tinha nada menos que uns cinquenta e seis botões com alcinhas apertadas, com tamanha pressa, abotoaram muitos trocados.
De mangas compridas e bufantes, com abotoamentos nos punhos até ao cotovelo, duas saias que formavam grande cauda era mesmo uma beleza. Passado o momento da cerimônia todos voltam andando para casa, só a noiva não era possível por causa da grande cauda do vestido, ai a festa começa, e vai até pela manhã. De longe se ouviam as musicas... “ó jardineira porque está tão triste...” “Elvira escuta...” Mais tarde depois que as bebidas já tinham subido as cabeças, se ouviam “fuscão preto”, “Chiquita bacana,” “A cabeleira do Zézé”, ai por diante...
A festa durou ainda por todo domingo, eram muitas coisas que comeram e levavam... Festa boa é assim, ficou na lembrança por muito tempo.

domingo, 6 de novembro de 2011

O noivado


A... Como escrevemos cartas... Como falávamos ao telefone... Como brigamos também por ciumeira, ele imaginava as coisas e brigava... Quando saíamos, sempre alguém perguntava se ele era meu pai. Eu nem ligava, mas ele não gostava e saia logo de perto e dizia pra mim: “Que pessoa boba!”.
Mas foi assim, ele era representante de um laboratório farmacêutico e viajava naquela região de Curvelo. Estava sempre passando por lá. Eu nunca tinha namorado a sério, isto é, pensando em casamento. Eram só paquerinhas, flertes, e um namoro, desde quando nos conhecemos, tinha uma queda... Mas eram só brigas. Tinha dia que era uma beleza, ia me visitar em casa levando presentes e tudo mais. Não tínhamos nenhum compromisso, era coisa de infância.
Sebastião não podia nem sonhar que ele passou na minha rua. Meus pais já tinham me alertado que não iria dar certo pela diferença de idade, que sempre ia haver muitos ciúmes, e também meu jeito de ser, era muito divertida, brincava com as pessoas e ele não ia aceitar isso, fiquei pensativa. Ele era muito envolvente, e sabia como me ganhar, prosa fácil, entendia de tudo, cuidadoso comigo... Sabia conversar com os mais velhos, foi convidado a hospedar em nossa casa quando passasse por lá.
Os parentes gostavam muito dele, dos casos que contava de suas andanças, povo simples, e bons ouvintes, conquistou logo amizade de todos, sendo convidado para almoços, festas e tudo mais. Depois de muitas idas e vindas, ele um dia fez a surpresa de me pedir em casamento, aconteceu até almoço, com os parentes todos convidados, a casa ficou cheia. Era dia de festa. Não demorou o pai dele foi conhecer minha família. A mãe achava a viagem muito longa, e nunca teve animo de enfrentar a distancia.
Eu agora só pensava em fazer enxoval, naquele tempo usavam levar um baú cheio de jogos de cama bordados, toalhas de mesa, colchas tudo bordado com linha ilha da madeira, a Fifina, aquela artista que riscava para bordar trabalhava dia e noite para dar conta de tanta coisa, até pano de pratos teria que bordar. Precisei aprender o corte centesimal para fazer algumas costuras, às vezes passava as noites no retiro, com lamparina sentada em cima da cama bordando. Pela manhã as narinas estavam pretas de carvão do querosene, isso tudo pra levar um belo enxoval. E tem mais, toda vez que chegava alguém eu abria o baú e tirava as coisas para mostrar e guardar de novo, era muito trabalho... Mas era com prazer que fazia isto.
Minhas amigas também gostavam de me ajudar, bordando os panos de pratos. Às vezes Sebastião, adiantava o trabalho, e ficava mais tempo no retiro, era um amor danado! Minha mãe caprichava nas comidas, às vezes saia para cavalgar, ele não gostava, ou melhor, não tinha costume, apostar corrida nem pensar; era muito branco e bastava um pouco de sol pra ficar parecendo um camarão.
O noivado durou um ano e meio, e ficou combinado que iríamos morar na casa ao lado do papai como já disse anteriormente, eram duas casas, Curvelo ficava no centro do setor de trabalho dele, às vezes as viagens eram demoradas, mas geralmente vinha nos finais de semana, elas eram feitas de trem. Pegava o noturno as vinte e duas horas, levava duas malas e uma pasta pra trabalho, em uma das malas iam as amostras de medicamentos era bastante pesada, as roupas na segunda mala, precisava usar ternos e gravatas, isso é que encantava as moças, e as vezes também chapéu, olha que chique!
Os ternos costumavam ser de linho, os ferros de passar eram a brasa, e por capricho amava um terno branco de S120, linho grosso difícil para passar, eu como sempre muito boba... Queria mostrar que seria uma boa esposa, assumi logo a obrigação de cuidar das roupas dele até mesmo antes do casamento. Não haviam feito ainda as bacias de plástico, eram de folha de metal, o sabão era em barras ou feito em casa com restos de gorduras, os ternos brancos eu deixava de molho depois de esfregar bastante com folhas de mamão, que tinham me ensinado pra ficar bem branco.
No dia seguinte, quando ia olhar para acabar de lavar, era só ferrugem. Eu tinha vontade de morrer, pra tirar aquilo, me ensinaram colocar as rodelas de limão, depois um pano branco e finalmente o ferro quente. Só tem que depois disso a roupa ficava verde. E pra tirar o verde? E o medo das reclamações quando chegasse, era muito exigente, minha mãe sempre me alertava, mas os jovens não ouvem, o amor é maior, acha que é capaz de superar tudo. E para passar aqueles ternos? Com ferro a brasa, era um Deus me acuda... Quando as brasas começavam a dar estalos e soltar faíscas! Onde caiam faziam um buraco! Como diz o ditado, defunto muito encomendado erra a cova. Depois que fiquei doente não fui mais a escola, fiquei dois anos em tratamento, depois comecei a namorar logo fiquei noiva, ia casar, então não se estudava mais agora, eram outras as obrigações. Já tinha passado o tempo...