BELO
HORIZONTE JULHO DE 2012
Essa missão final sei que será a ultima que
terei neste mundo. Os dias passados em recordações haviam drenado a minha vida
que ainda pulsa no corpo sem viço. Os ossos velhos estão sobrecarregados pela existência,
pesar e cansaço daqueles que sobrevivem ás pessoas amadas. As provações a que
Deus me submetera tem sido muitas e rigorosas.
Resta-me nesse momento o esperar dos
acontecimentos... Nem aquela vaidade feminina que faz parte de nossas vidas
está sendo importante... Quando me olho no espelho, vejo cada dia novas rugas, novos
sinais em todo meu corpo, falta-me brilhos nos olhos e a capacidade de agir no
trabalho, até mesmo naquilo que pratiquei a vida inteira, dizem que velho tem experiência...
Acabei de notar que isso é uma mentira é modo de fazer com que ele se sinta
alegre e util.
Sei que estou sendo pessimista a vida nos
leva a isto, nestes dias aqui vendo meu pai, não tenho como ser diferente, fico
angustiada. Só me importa agora ficar mais com ele, um dever de gratidão e de
filha, embora não seja possível fazer grandes coisas.
Ele na beira dos 100 anos está frágil, decadente...
Parece cansado de tudo... O corpo não responde suas necessidades, o olhar
distante parece implorar uma resposta... Fico com o coração apertado e a mente
confusa em busca de alguma solução. Penso... ”O que poderá ser feito? Quais as perspectivas?”
Ontem levamos ao neurologista pelo motivo de estar dando umas convulsões, não
todos os dias, de vez em quando, o médico pediu alguns exames e uma tomografia
onde constatou que ele havia tido um AVC há mais tempo, tem no cérebro uma lesão,
ele não diz se sente dores não reclama... Será que vale a pena revira-lo com
exames dolorosos em busca de tratamentos também incômodos? Observando o meu pai,
agora alheio a tudo... Indiferente... Triste cabeça entre as mãos, pensando não
sei o que... Como deixar o barco navegar sem nenhuma direção? Peço a Deus discernimento,
para que possamos agir corretamente nesta situação.
Acho que vou parar de reclamar e aceitar a
vida como deve ser, para que fique mais tolerável. Vou vasculhar minha mente e
ver o que ainda tenho de divertido, ainda guardo alguns causos engraçados que
reservei para depois, na falta de coragem de conta-los.
Relembrando com minhas irmãs, me disseram que
escrevesse isso, não podia deixar foi acontecido comigo. Então esperarei o
momento oportuno, e voltarei com as histórias...
Enquanto isso não acontece, tive uma ideia...
Comecei a ler minhas histórias para ele, apesar de não estar enxergando quase
nada, ele ouve... Recorda as passagens... Nestes momentos, posso ver em sua
face um sorriso, e como é gratificante! Jamais pensei nesta hora... Fazer meu
pai voltar ao passado... Minha ideia foi uma bênção, recordar desde o começo de
nossas vidas, até mesmo os momentos tristes... Sinto que ele fica atento, parece
que vive de novo os acontecimentos... Leio os casos mais engraçados, arrancos
boas risadas... Os casos deprimentes deixo passar não vale a pena fazer sofrer.
As cenas das leituras parecem teatrais... Eu
assentada em uma poltrona, ele em outra eu leio, ele escuta de cabeça baixa, às
vezes entre as mãos cabisbaixo pensativo... De repente conforme o assunto
levanta a cabeça esboça um sorriso e diz, “é... é...” “Eu sei...” Pergunto “to certa?”
Ele diz, “é... Foi assim”, é muito gratificante vê-lo sorrir dos meus causos.
Lembro-me de quando comecei a pensar em
escrever, jamais passou pela minha cabeça essa cena que vejo agora... Sinto
vira-lo pelo avesso, com tamanha euforia.
Hoje, quando terminei de ler a história do Ford
29, lembrei-me do dia que ele tinha ido a Curvelo de ônibus, e lá ganhou uma
garrafa de pinga, colocou em uma sacola, pegou o ônibus para casa, perto do
Mineirinho desce sem olhar se podia, vinha um carro em velocidade e o
atropelou, jogando a muitos metros... Fraturou as duas pernas, a clavícula, um
corte na cabeça, no cotovelo, estava muito machucado, a mulher que dirigia deu
socorro, ele era conhecido, morava ali perto, acostumado a dar voltas no
Mineirão, andar na orla da lagoa, todos conheciam o velhinho risonho de cabeça
branquinha... Mas o mais interessante, é que com toda essa tragédia ele não
soltou a sacola com a garrafa de pinga.
A Pinga não foi quebrada, as pernas foram engessadas,
os cortes costurados, curativos por todos os lados e ele feliz... Não deixou o gesso
ficar o tempo que era preciso, dois meses, a vaidade é muita, tirou ele mesmo
com uns três dias.
Assim era meu pai, valente e vaidoso, mesmo
doente faz barba diariamente ele mesmo, para não sair de qualquer jeito. A
camisa é dentro da calça cinto abotoado meia e sapato, não gosta de usar
chinelos, ficar de pijama em casa jamais! Cabelo impecável... Branco como
algodão.
A idade não apaga nele a vaidade e a educação,
mesmo sem equilibrar nas pernas tenta se levantar pra ceder o lugar para quem
estiver chegando, e pede para servir café ou jantar dependendo do horário.
Quando o vejo participar dos meus causos me
vem uma grande esperança e agradeço a Deus por esses momentos de que faço parte.
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