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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Os cabelos brancos do meu pai


 BELO HORIZONTE JULHO DE 2012

Essa missão final sei que será a ultima que terei neste mundo. Os dias passados em recordações haviam drenado a minha vida que ainda pulsa no corpo sem viço. Os ossos velhos estão sobrecarregados pela existência, pesar e cansaço daqueles que sobrevivem ás pessoas amadas. As provações a que Deus me submetera tem sido muitas e rigorosas.
Resta-me nesse momento o esperar dos acontecimentos... Nem aquela vaidade feminina que faz parte de nossas vidas está sendo importante... Quando me olho no espelho, vejo cada dia novas rugas, novos sinais em todo meu corpo, falta-me brilhos nos olhos e a capacidade de agir no trabalho, até mesmo naquilo que pratiquei a vida inteira, dizem que velho tem experiência... Acabei de notar que isso é uma mentira é modo de fazer com que ele se sinta alegre e util.
Sei que estou sendo pessimista a vida nos leva a isto, nestes dias aqui vendo meu pai, não tenho como ser diferente, fico angustiada. Só me importa agora ficar mais com ele, um dever de gratidão e de filha, embora não seja possível fazer grandes coisas.
Ele na beira dos 100 anos está frágil, decadente... Parece cansado de tudo... O corpo não responde suas necessidades, o olhar distante parece implorar uma resposta... Fico com o coração apertado e a mente confusa em busca de alguma solução. Penso... ”O que poderá ser feito? Quais as perspectivas?” Ontem levamos ao neurologista pelo motivo de estar dando umas convulsões, não todos os dias, de vez em quando, o médico pediu alguns exames e uma tomografia onde constatou que ele havia tido um AVC há mais tempo, tem no cérebro uma lesão, ele não diz se sente dores não reclama... Será que vale a pena revira-lo com exames dolorosos em busca de tratamentos também incômodos? Observando o meu pai, agora alheio a tudo... Indiferente... Triste cabeça entre as mãos, pensando não sei o que... Como deixar o barco navegar sem nenhuma direção? Peço a Deus discernimento, para que possamos agir corretamente nesta situação.
Acho que vou parar de reclamar e aceitar a vida como deve ser, para que fique mais tolerável. Vou vasculhar minha mente e ver o que ainda tenho de divertido, ainda guardo alguns causos engraçados que reservei para depois, na falta de coragem de conta-los.
Relembrando com minhas irmãs, me disseram que escrevesse isso, não podia deixar foi acontecido comigo. Então esperarei o momento oportuno, e voltarei com as histórias...
Enquanto isso não acontece, tive uma ideia... Comecei a ler minhas histórias para ele, apesar de não estar enxergando quase nada, ele ouve... Recorda as passagens... Nestes momentos, posso ver em sua face um sorriso, e como é gratificante! Jamais pensei nesta hora... Fazer meu pai voltar ao passado... Minha ideia foi uma bênção, recordar desde o começo de nossas vidas, até mesmo os momentos tristes... Sinto que ele fica atento, parece que vive de novo os acontecimentos... Leio os casos mais engraçados, arrancos boas risadas... Os casos deprimentes deixo passar não vale a pena fazer sofrer.
As cenas das leituras parecem teatrais... Eu assentada em uma poltrona, ele em outra eu leio, ele escuta de cabeça baixa, às vezes entre as mãos cabisbaixo pensativo... De repente conforme o assunto levanta a cabeça esboça um sorriso e diz, “é... é...” “Eu sei...” Pergunto “to certa?” Ele diz, “é... Foi assim”, é muito gratificante vê-lo sorrir dos meus causos.
Lembro-me de quando comecei a pensar em escrever, jamais passou pela minha cabeça essa cena que vejo agora... Sinto vira-lo pelo avesso, com tamanha euforia.
Hoje, quando terminei de ler a história do Ford 29, lembrei-me do dia que ele tinha ido a Curvelo de ônibus, e lá ganhou uma garrafa de pinga, colocou em uma sacola, pegou o ônibus para casa, perto do Mineirinho desce sem olhar se podia, vinha um carro em velocidade e o atropelou, jogando a muitos metros... Fraturou as duas pernas, a clavícula, um corte na cabeça, no cotovelo, estava muito machucado, a mulher que dirigia deu socorro, ele era conhecido, morava ali perto, acostumado a dar voltas no Mineirão, andar na orla da lagoa, todos conheciam o velhinho risonho de cabeça branquinha... Mas o mais interessante, é que com toda essa tragédia ele não soltou a sacola com a garrafa de pinga.
A Pinga não foi quebrada, as pernas foram engessadas, os cortes costurados, curativos por todos os lados e ele feliz... Não deixou o gesso ficar o tempo que era preciso, dois meses, a vaidade é muita, tirou ele mesmo com uns três dias.
Assim era meu pai, valente e vaidoso, mesmo doente faz barba diariamente ele mesmo, para não sair de qualquer jeito. A camisa é dentro da calça cinto abotoado meia e sapato, não gosta de usar chinelos, ficar de pijama em casa jamais! Cabelo impecável... Branco como algodão.
A idade não apaga nele a vaidade e a educação, mesmo sem equilibrar nas pernas tenta se levantar pra ceder o lugar para quem estiver chegando, e pede para servir café ou jantar dependendo do horário.
Quando o vejo participar dos meus causos me vem uma grande esperança e agradeço a Deus por esses momentos de que faço parte.

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