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domingo, 29 de maio de 2011

O Melado Quente





Ao lado de nossa casa tinha um beco que era passagem para outras fazendas, quando via aparecer no morro a boiada que passaria na nossa porteira, sempre os peões pediam água, eu tinha muita preguiça de buscar ou então já ficava esperando com a caneca e o balde de água pra distribuir entre eles que eram diversos. Um dia pensei: hoje vou fazer maldade pra não me pedirem mais. O que fiz: Coloquei na água bastante pimenta malagueta e fiquei esperando encima do mourão, ao chegar eu ofereci rápido, eles disseram: - oh menina boa!  Qualquer hora vamos trazer um presente pra você! - a consciência doeu, no mesmo momento pensei: olha só o que fui aprontar mesmo assim dei a água já tinha preparado. Puseram na boca e não conseguiram beber, chamaram minha mãe e pediram outra água sai correndo, fui esconder com medo da bronca. Foram tão amigos que não disseram nada pra ela, fiquei com vergonha sempre que passavam eu me escondia. Depois da porteira, tinha o córrego com muitas pedreiras e uma passagem escura e profunda, às vezes escorregadia por causa da ausência do sol, e umidades por causa das sombras. A meninada aproveitava da situação e fazia assombração com uma enxada coberta com lençol, a noite não tinha quem não assustasse; muitas vezes ate caiam e esfolavam os joelhos, não havia outras distrações. Com isso passava nossa infância; como era bom tudo isso. Quem dera que as crianças de hoje vivesse um pouco de tudo isso. Quero ainda voltar em meus avós, Evaristo e Donana tenho ainda muitos causos daquele PARAISO como devo chamar. Minhas três primas e companheiras Alice, Célia e Marlene, Célia e Marlene, já nos deixaram ficaram as saudades, mas vou continuar a recordá-las, muitas proezas fizemos juntas... Era sempre muito boa a preparação para receber novamente o padre que vinha em missão de paz, o mais engraçado era que até as galinhas desconfiavam e se escondiam no cerrado, sabiam que era morte certa. Era socar arroz muitas latas... torrar café moer e reservar ,matar porco fazer linguiças pendurar em um pau por cima da fornalha, fazer as carnes de panela e deixar na gordura, não existia geladeiras, matava também vacas, as carnes só comia fresca no dia que matava, depois retalhava e salgava, por fim punha pra secar nas estacas de aroeira, dava as crianças a obrigação de vigiar as moscas pra não colocar larvas era sempre assim. E os doces de frutas... O queijão que era feito com doce de leite ovos e queijo ralado depois assava no forno a lenha era uma delicia, o padre adorava e nós também. Geromão... Era um biscoitão de polvilho doce e muitos ovos muito bom, cortava diversos cachos de bananas escondiam nas perungas de arroz para amadurecer. O engenho preparado para fazer as rapaduras, era preciso fazer sempre, fornecia as mesmas para os trabalhadores e vizinhos. Um dia o tacho que apurava o melado furou e estava derramando, precisava levar o melado para o compadre, usar o tacho dele e terminar o serviço. Qual foi a idéia? Colocar dois cochos no carro de boi, só havia esse meio de transporte... Então encheram os cochos com o melado quente pediram duas juntas de bois, esqueceram dos buracos das estradas e que havia subidas e descidas, foi um desastre, tio Guinelo foi tocando os bois, até ai tudo correto só tem que quando era subida o melado derramava nas pernas dele, quando descidas derramava nas pernas dos bois eles ficavam furiosos , o melado ainda estava quente. Tio Guinelo não conseguia dominar, quando chegou ao destino o melado tinha desaparecido, restaram pernas queimadas o melado derramado. Para as crianças isso era motivo de muitos risos, não nos preocupávamos com as queimaduras... Isso era pra gente grande....





terça-feira, 24 de maio de 2011

Toá


 

Sempre que precisava ir a Curvelo, para levar as crianças ao médico e ao dentista, tinha que ir de caminhão que levava as latas de cremes para a fábrica de manteiga. Toda semana o caminhão passava numa estrada longe da fazenda em um lugar chamado Toá, então arrumava a comitiva no carro de boi, tudo de novo, chegando na encruzilhada depois de um dia inteiro de viagem com solavancos e baques por causa de tantos buracos na estrada, o caminhão sempre atrasava ele recolhia cremes em diversas fazendas, dava tempo até de fazer comidas e dormir um pouco. Sempre saíamos de madrugada, mamãe estava novamente grávida, o caminhão chegava já vinha cheio de gente na carroceria em cima das latas forradas com lonas e sacos com tudo que podem imaginar...: Mandiocas, Batatas, Farinha, abóbora e muito mais. E até galinhas e porco morto. Minhas tias, irmãs do pai já moravam em Curvelo, muitas já tinha casado outras não, eu lembro que não fui aos casamentos das mesmas, era muito difícil para minha mãe sair de casa e levar aquela meninada. Meu vô Domingos tinha muitas casas lá na praça do santuário, alugava algumas, e deixou a da esquina para eles quando fosse à cidade, então hospedávamos lá. Todo ano tinha festa de São Geraldo o santo padroeiro, vem pessoas de muitos lugares que fazem promessas. É uma semana de barraquinhas, muitas comidas boas, arrastas pés e forrós, tinha também jogos de pescaria e parques de diversões, para nós era o que tinha de bom, todos ganhavam roupas novas sapatos quase sempre apertados, os pés não eram acostumados a calçar. Voltávamos pra fazenda no mesmo caminhão na semana seguinte do mesmo jeito que veio só que as latas agora voltavam vazias, tinham sido trocadas pelas cheias. O carro de boi vinha pegar o pessoal no Toá, o caminho de volta era terrível, sempre à noite e com os buracos a sensação é que ia tombar, a qualquer momento. Mamãe ficava rezando e querendo que todos a acompanhassem nas orações ela dizia que oração de criança tem mais valor, às vezes chovia, ai ficava ruim alem de ficar debaixo da lona ainda haviam as enxurradas que não deixavam ver os buracos sem contar os enjôos da gravidez. Mesmo assim estávamos felizes, no dia seguinte as visitas começavam bem cedo. Todos queriam saber logo as novidades da cidade as crianças companheiras, queriam saber como eram os brinquedos, meus pais compravam alguns nas barraquinhas para presentear os filhos dos trabalhadores eram ioiôs, apitos, trazia também busca pés para correr e rir bastante. A lida continuava, indo para o pasto procurar capim próprio para encher colchão e um capim liso e de touceiras que precisa arrancar e cortar as raízes. Os colchões antes eram cheios com palhas de milho mas logo ficavam duros tinha que ficar sempre revirando, para as crianças era divertido ver fazer as trouxas e deixar rolar morro a baixo, a gente corria atrás e acabava caindo junto, chegava em casa toda esfolada e a mãe brigava o pai protegia. Pra ele tudo podia: era vivencia. Perto de nossa casa havia um grande lago onde dava muito sanguessuga, é uma lesminha que dá na água parada e pega nos animais e até em pessoas, enquanto não se enche de sangue não solta..
La na beira tinha uma cabana de pau a pique onde morava uma velhinha cega, D. Seviana, mamãe levava alimentos para ela, pegava água na bica e enchia o pote ficávamos horas lá ouvindo as historias que ela contava de rainha, princesas, eram historias lindas. A gente vivia aqueles momentos, ela dava tanta vida nos causos que ficávamos como que encantados. Não consigo imaginar como D Siviana sobrevivia ali só pela graça de DEUS mais nada.
 

domingo, 15 de maio de 2011

Os sapatos

Como eram bons aqueles dias, eu ficava com meus avós maternos por longo tempo, enquanto isso minha mãe cuidava dos dois que ficaram. Quando a saudade apertava o pai ia me buscar, então chegava em casa e notava a diferença no crescimento dos irmãos todos já bem espertos, minha Irmã, vou dizer a do pezinho, já corria por todos os lados, o irmão já engatinhava e já tinha ganhado um carneirinho filhote que mamãe tratava com mamadeira. Papai mandou fazer um carrinho igual carro de boi, pra ele puxar com o carneiro quando crescesse, era uma gracinha, eu que queria brincar, mais não podia aquilo era brinquedo de homem. Os dois foram crescendo juntos carneiro e menino até que chegou o dia, depois de muito esperar. O carneiro estava sendo treinado para puxar o carro com o menino em cima, no dia esperado forraram o carro com uma coberta grossa pra não machucar o bumbum, mandou que segurasse bem, assim que o bichinho viu todas aquelas armações assustou-se e disparou, não ficou ninguém em cima. Soltaram o carneiro, guardaram o carro por um bom tempo. Mamãe já estava de novo grávida, vomitava tudo que comia era sempre assim todas as vezes que engravidava, era o primeiro sinal e começava tudo de novo a mesma historia, nem precisa repetir. Tentei não dar nomes, mais se tornou impossível somos 11! Pois isso pode virar uma bagunça e ninguém entender nada, esse é o motivo que vou dar nomes. A menina que faleceu chamava-se Eunice, depois nasceu a próxima, quiseram por o mesmo nome, a chamamos de Nicinha, logo veio o macho e papai logo escolheu o nome de peito cheio: - Vai chamar Armando!  Não tem nome mais bonito que este! - Ninguém mudava a idéia. Não adiantava trazer nome estrangeiro, nada servia só o escolhido por ele. Minha escola recomeça... As aulas eram dadas para o primeiro, segundo, e terceiro ano juntas. A mestra tinha que ter jogo de cintura para administrar tudo. La na fazenda do coronel Domingos Leite e dona Ezequiela nossos avós, tinha uma venda de secos e molhados vendia também tecidos sedas e chitas, lá mamãe comprava peças de morim branco para fazer fraldas, as peças mediam 18 metros ela desmanchava tudo em fraldas e enchia uma mala, sabia que sempre ia precisar, ano sim, ano não, nascia um ou uma. Fazia também deste morim roupas para nós, ela não sabia costurar, tentava só saia camisola com um buraco pra cabeça e lugar de enfiar os braços em forma de “T”. Armando já estava andando pra todo lado de camisolona batendo no meio das pernas, era mesmo uma graça de garoto. Eu já tinha obrigações, pegar pela manha os urinóis debaixo das camas, jogar o que tava dentro na latrina era como se falava, e depois levar no córrego pra lavar e pendurar nas cercas. A noite recolher todos, colocando novamente debaixo das camas. Antes de ir para escola precisava levar comida na roça para as pessoas que capinavam. Meu cavalo já ficava selado porque depois eu teria que sair galopando pras aulas, nunca almoçava antes. Mamãe pegava uma bacia, media e colocava farinha depois o feijão quente, mexia, jogava gordura com torresmo por cima, o arroz. Tudo tirado do fogão à lenha fervendo. Por último as carnes de panela bem gostosas, o quiabo apanhado na roça, a abobora e amarrava em um pano junto com os garfos. Eu subia no cavalo, colocava uma almofada na frente para não esquentar, segurava com uma mão, a bacia, com a outra a rédea. Tocava batendo os calcanhares na barriga do cavalo. Só que no caminho tinha uma aroeira com bela sombra, eu parava, abria o pano que amarrava só um pouco, tirava as carnes e comia o quanto aguentava, amarrava de novo, tocava a viagem e entregava a comida, voltava em casa comia pouco e ia pra escola. Quando dava a hora do café, o pai ia levar e trazer a bacia, chegava em casa, mamãe desamarrava, e os garfos estavam trançados, era o sinal que a bóia foi pouca, ela ficava brava falava que tinha colocado muita comida e estavam reclamando. Um dia papai falou, arruma ai Maria eu vou levar, montou em meu cavalo que já estava selado, e foi chegando debaixo do pé de aroeira, ele empacou, nada fazia o cavalo andar e ficava rodando por um bom tempo. Chegando em casa ele falou: - Descobri Maria, a Zélia ta comendo as carnes, e está ficando pouca para o pessoal. Ela perguntou: - Como você sabe? Os homens disseram?  - Não, o cavalo empacou sinal de que ela para ali todos os dias. À tarde quando passaram pra guardar as enxadas, mamãe foi servir o café e pediu desculpas pelo meu procedimento. Fiquei muito envergonhada, podia levar o que tinha de mais gostoso que não mexia, mas o cavalo continuou empacando todas as vezes que passava debaixo do pé de aroeira. Já estava aproximando a chegada de mais um irmão ou Irma, mamãe já estava mandando lavar as roupas de neném, via as roupas estendidas nas cercas se misturarem com as nossas, que eram também pequenas, mas sabíamos diferenciar, Nicinha e eu. Armando ainda não entendia nada, ficava só alisando o carneiro puxando amarrado em uma corda, o bicho corria ele caia, e punha a boca no mundo.  Tinha sempre uma pessoa pra ajudá-lo era muito manhoso e cheio de vontades. Mamãe começou as contrações pela manhã, deu tempo de mandar um peão buscar minha vó Ezequiela, que já veio trazendo tudo que fosse necessário para fazer o parto, então como sempre foi rápido, nasceu mais uma menina pequenininha linda pra mim e Nicinha, que não passava de uma bonequinha. Voltou todo o esquema que todos sabem, sopa de galhinha etc...Visitas presentes etc...Comadres...Compadres. Nessas alturas, minha tia caçula já estava em BH em um colégio interno: Izabela Hendrix era o melhor e mais caro da época. Ela veio de férias, então a nossa escola fez uma festa pra recebê-la, cada aluno tinha que falar uma poesia tudo decorado, na hora a emoção era tanta que começavam, depois esqueciam e a turma começava a dar gargalhadas, ai é que não saia mesmo. No final a homenageada subiu ao palco para agradecer, foi emocionante a desenvoltura dela, falava tudo certinho puxando os “S”, foram tantas palmas que a homenageada ate chorou, assim que a vimos chorar, choramos também e terminou tudo em choradeira.  A cerimônia foi encerrada com comes e bebes. Durante o tempo das férias todos os dias ela ia ajudar a professora dar aulas para as crianças, contando como era a cidade grande, e falava de como eram as pessoas nas ruas, como o povo se vestia e o bonde como era interessante o povo andava até pendurados dos lados, quando os bancos ficavam cheios. Minha mãe já tinha terminado o resguardo da pequena Ana Maria, precisava batizar como padre não ia lá, como era em nossos avos Evaristo e Donana, o papai mandou toldar o carro de boi, colocou colchões, levou a tralha de cozinha, mamãe fez doce de leite, levou para fazer mingau dos pequenos, dissolvia o doce na água e engrossava com maisena, não tinha como conservar o leite se não fosse dessa maneira fazendo doce. Chegando no Morro da Garça ficávamos em casa dos bisavós João Coelho e Mariquinha eram bem velhinhos. Ate ai nós todos fomos batizados lá no Morro usando o mesmo procedimento. A casa do bisa ficava ao lado de uma ponte sobre um belo rio, tinha na entrada escadaria de toras de madeiras no quintal que ficava ao fundo da casa, era o que tinha de melhor, os pés de goiaba. Como posso esquecer? Eram deliciosas! Nunca comi outras iguais, costumava ficar uns dois dias pra dar tempo de descansar e fazer compras de sapatos, brinquedos e outras coisas que mamãe precisasse. Quando nós não estávamos presentes para comprar sapatos, porque os pés cresciam iguais abóboras, ficávamos muito de pé no chão, era o queríamos e gostávamos sapatos só pra fazer visitas, Quando o papai ia sozinho na cidade e precisava trazer sapatos porque os que tinham não davam mais, ele precisava medidas, então punha nossos pés no chão e riscava com um pauzinho o tamanho e media no cordão e dava dois nós, um do calcanhar, outro da ponta do dedão. Assim, ele media todos em apenas um cordão. Começava sempre comigo que era a mais velha, levava aquele cordão no bolso e do jeito que viesse tava bom, Ele gostava de comprar branco pras meninas e botina para o Armando.  Demorava pra achar, o pé dele era muito pequeno e tinha só duas vendas na cidade. Quando retornava todos corriam para experimentar e sair mancando, sempre estavam muito apertados, então ele pegava a faca e cortava na ponta dos sapatos pra dar uma folga, ai ficava bom por uns tempos. Estávamos felizes com tudo, de repente surge uma epidemia de varíola, enquanto não apareciam as bolhas de pús minha mãe e o pai só pensavam que era difteria as febres eram muito altas, mas as crianças da redondeza estavam todas sofrendo do mesmo mal. Só pessoas procurando flor de sabugueiro para fazer chá, ensinaram que era bom para jogar as erupções pra fora, senão ficava no intestino e era perigoso. Saíram tantas bolhas em nós três que era impossível vestir roupas. Naquele tempo não existia plástico, pegavam então folhas de bananeira antes de abrir isto e quando ainda estavam enrroladas para forrar as camas no lugar dos lençóis, não podia cobrir com panos pois o mesmo grudava nas feridas e quando fosse tirar para dar banhos sangravam e doíam muito. Depois, quando passou a fase pior, sobraram algumas mais persistentes que cheiravam mal. Armando tinha uma no dedo polegar que deu trabalho, João Gabriel rezou, fez remédio, tudo que sabia pra melhorar, papai foi ao Morro buscou pomadas pra nós e para os vizinhos que também estavam sofrendo. Depois que passou, ficamos muito tempo manchados, Demorou desaparecer. La em nossa casa no sábado virava barbearia, começava cedo os camaradas chegando, alguns vinham de longe para cortar cabelo com papai, cortava e fazia as barbas. As crianças também. Minha Irma Nicinha pegava a tesoura escondido e cortava as sobrancelhas e enfiava a tesoura no cabelo da testa e cortava tudo, ficava com aquela cara chata escondida com medo da bronca, ela não deixava o cabelo crescer já estava crescida e fazia isto sempre, foi muito divertida desde pequena, tenho muitas proezas para contar dela. No desenrolar da historia. Peço que me aguarde...

 
 

terça-feira, 3 de maio de 2011

Meu Irmão


Minha mãe estava grávida de novo, era como dizem: Um nos braços, outro na barriga e outro no pensamento, Também não tinha outra distração era cuidar das crianças que já tinha e fazer outras. Éramos felizes assim naquela vida simples, sem nenhuma preocupação. Naquele tempo minha tia caçula, a dodói, estava em Curvelo pra estudar, e veio uma prima que não era diferente, bem paparicada pela vó, primeira neta, podem imaginar o desastre. Tudo era pra pequena espoleta. Pra começar ela dormia na cama entre o Coronel e a vó! O resto da meninada era resto.... Uma noite precisei dormir lá, então mandou colocar um colchão na sala do rádio, já falei desta sala, lembram-se? Era grande e só tinha o rádio e uma cadeira.
Estava fazendo muito frio, aquele de doer, eu era bem pequena e medrosa, me deram uma coberta daquela bem leve e fina, simplesmente não consegui dormir sentia muito frio e medo, esse me acompanha até hoje, sempre que vejo um lugar igual aquele, sinto frio. O tempo ia passando... Minha mãe já estava quase na hora do parto, papai já não ia longe com medo dela precisar dele. Um dia mamãe sumiu, eu não podia imaginar que tinha chegado a hora, o papai chegou correndo logo ouvi o choro da criança era menino! Me lembro que o pai deu a notícia assim com peito cheio, disse: - é macho! Mande avisar a todos!  Mandou os cachorros pegarem o frango para fazer a sopa. Quando uma mulher ganhava criança, a primeira coisa que faziam era a sopa e queimavam cachaça com folhas de laranjeira pra dar a ela, pra aliviar do cansaço de ter feito muita força. O pai já tava treinado nem precisava da vó, agora as meninas ficaram pra trás só se falava no macho saco roxo como diziam. La tinha um senhor João Gabriel que tinham como curandeiro, tudo que necessitava de curar era com ele mesmo, pessoa de riso fácil e comunicativo. O irmão tinha uma pequena hérnia, mandaram chamar o João para benzer, lembro-me que do outro lado do rio tinha uma tapera onde tinha um pé de pinhão, precisava passar o menino pelo galho da arvore fazendo orações três dias seguidos. Acho que tanto virou de cabeça que ficou curado. Fomos crescendo, já éramos cinco, continuava a luta, a mãe ficava na cama muitos dias com algodão no ouvido e de meias, com janelas fechadas e ninguém podia fazer barulho. Sopa de galinha era todos os dias. As visitas vinham de longe, os parentes, meus avós maternos ainda não falei deles, eram o contrário dos paternos com eles podia tudo, estar com eles era estar no céu, todos traziam sempre um frango debaixo do braço de presente, era o costume do lugar. Ficávamos muito contentes, parecia festa de tanta gente, traziam também quitandas, doces e farofas que era a matula, sempre sobrava da viagem. Todo o povo ficava uns dias na nossa casa, pois a viagem era longa e cansativa. Vinham em cavalos e mulas, a fazenda deles era distante tinha que passar em diversos córregos e atravessar o ribeirão que era um rio caudaloso. Quando meus avós voltavam pra casa eu ia com eles, isso que era vida, lá dormia entre eles, já estava com seis anos e ainda andava de cavalinho no vô, todo lugar que ia estava junto. Na roça de abacaxi sempre tinha algum reservado pra mim. Minhas primas moravam perto, quando eu chegava elas mudavam pra lá e nos divertíamos muito fazendo panelinhas de argila. La fabricavámos tijolos, no dia de queimar os mesmos colocávamos nossas panelinhas ao sol, elas ficavam vermelhas era mesmo uma beleza. Um dia chegou uma vizinha e disse que não podia fazer panelas na lua cheia porque ia trincar.  Então as panelas já estavam prontas, procuramos no paiol uma mala velha e colocamos as mesmas e escondemos debaixo da cama, como que isso fosse resolver. Minhas primas sabiam brincadeiras novas, podiam brincar no córrego era bem raso sem nenhum perigo. Lá tinha também um professor que dava aulas pra criançada do lugar, Lá não havia palmatórias nem castigos era só alegria. Todo mês rezavam novena, meus parentes sempre foram muito religiosos era uma vida de paz e amizade.  Viviam em comunidade quase como os primeiros cristãos, partilhavam o que tinham, e nunca faltava nada. No final do ano ia um padre de Curvelo celebrar missa, ai que era festa boa, chegavam caravanas de todos os lados, carros de bois que de longe se ouvia o cantar, às vezes a gente colocava os ouvidos no chão pra ouvir mais longe, quando chegavam, os cavaleiros volviam os cavalos nos cupins e nos mourões fazendo graça para os visitantes. Depois era só festas comes e bebes e arrasta pé, aproveitavam o padre e faziam os casamentos e batizados, primeiras comunhões e tudo mais alem de abençoar todos os santos. O padre ia a cavalo e ficava uns três dias, era muito trabalho, tinha até que aconselhar o povo que estava brigado e fazer as pazes. Nas festas de São João, também juntava todo o povo pra festejar, levantavam o santo, acendiam a grande fogueira e o arrasta pé ia até o dia amanhecer.