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domingo, 23 de outubro de 2011

A enfermidade


Agora vou escrever uma fase difícil da minha vida até então, foram só momentos de brincadeiras e molecagem. Já estava mocinha, tinha minhas paquerinhas, tudo muito sério, como a época exigia. Continuava no colégio, as notas agora eram boas, ficávamos em casa, as crianças que estavam no grupo, sempre com alguém pra cuidar. Minha mãe no retiro, com as crianças pequenas e ajudando a organizar as coisas, plantar hortas etc. Tinha também uma fabrica de farinha, com muitas pessoas trabalhando, tirando polvilho e torrando as farinhas, era mesmo bastante movimento, não falando do leite que toda manhã precisava ordenhar as vacas e desnatar um tanto, e o outro tanto era levado pra cidade para ser vendido de porta em porta, já tinha a freguesia.
Parecia que tudo estava bem, de repente cheguei da aula sentindo dor quando respirava uma dor fina... No pulmão esquerdo, não dei importância, pensei que passaria com o tempo, mas não passou... Foi só aumentando aos poucos, eu sem querer preocupar meus pais, tentei segurar, um dia escarrei uma secreção rosada, mesmo assim não disse nada esperei mais... Ai, não demorou, comecei a vomitar sangue vivo, fiquei louca, vi que era muito sério, era preciso tomar providencia rápido.
Meu tio Geraldo como já disse era muito amigo chegou lá em casa e eu contei pra ele, ficou assustado e mandou chamar meu pai no retiro, minha mãe veio também, chamaram o médico, que constatou com os exames, que era tuberculose. Pediu também que separasse minhas coisas, vasilhas e tudo que fosse meu, que não deixasse misturar com ninguém, porque contaminava, e a cura era difícil. Fui para um quarto sozinha, não podia receber visitas nem das primas que éramos inseparáveis. Parei de ir à escola, e às vezes altas horas precisava sair alguém correndo pra chamar o médico, ele já sabia do que se tratava, vinha trazendo as injeções para cortar hemorragias, o Dr. Espechit não tinha carro morava longe da minha casa. Ele foi um anjo na minha vida, quanta vez precisasse dele... Ele estava ali atento cuidadoso fiel a sua profissão. Essas pessoas Deus põe em nossos caminhos para nos socorrer e nos dar a mão quando estamos no fundo do poço. Acredito que ele já partiu para o andar de cima, que receba toda minha gratidão. Às vezes ficava deitada na minha cama, sentindo muita fraqueza... Desanimada... Triste... Infeliz... Não tinha forças nem pra chorar, a janela sempre aberta, olhava para o céu com nuvens brancas, o sol muito quente, sentia falta da presença de gente, todos evitavam entrar e assentar na minha cama.
Houve um dia que desejei fortemente a morte, cheguei mesmo a pedir a Deus, pedia misericórdia... Um dia padre Paulo tido como padre santo, já tinha feito diversas curas com suas orações, foi me visitar e levar-me a unção, pensei agora será o fim... Não demorou, para o Dr. Espechit chamar meu pai e dizer que tinham descoberto um novo medicamento, que ainda estava em teste, e que em BH um médico tinha recebido para fazer experiência o Dr. Silvio Machado, especialista em pulmão. Disse também que o pai me levasse lá, que teria que ser de avião, eu não suportaria ir de jardineira, também não poderia estar junto das pessoas. O pai não pensou duas vezes, fretou um teco teco e pela primeira vez andamos de avião, chegando a BH ficamos no hotel, não deveríamos ir pra casa de nenhum parente, em seguida levou-me ao médico. O mesmo nos deixou otimistas, falou do medicamento, ele já tinha recebido, e com certeza, dentro de uns dois anos eu ficaria curada. Mas tinha um porem, precisava ficar em BH. O pai voltou para casa me deixando só para ir ao médico, era impossível ficar comigo, teria que resolver tudo sozinha. Sentia uma solidão muito grande... Eu era frágil, adolescente, insegura... Mas me esqueci que era pequena, tornei-me grande de coragem, é a força que brota de nossa fragilidade é a força de Deus... Lembrei-me de minha mãe "Você não nasceu com ninguém, nasceu sozinha tem que se virar só...” Não seria somente o remédio, teria que fazer umas aplicações de pneumotórax, que é enfiar uma agulha grossa no peito, ir até a pleura e encher de ar, isso era feito a principio, dia sim dia não.
Depois de um tempo que estava no hotel, minha tia querida, ofereceu para o pai alugar uma casa que ela ia ficar comigo. Essa foi a maior benção, junto com ela não tinha tempo ruim, alegria voltou, não me tratava como doente, foi cautelosa e boa companheira. Jamais poderei esquecer sua dedicação, ela faz parte das pessoas iluminadas... Aquelas que não medem sacrifício para servir, já era casada de pouco e deixou tudo para ficar comigo, veja se não tenho mesmo que amar essa tia caçula?
Depois de um ano pude voltar para casa, continuando com os medicamentos, fui ficar no retiro junto com os pais, alimentação saudável, com todos os cuidados, repouso, nada de tomar sereno, gemadas, tudo que ensinavam. Às vezes ia a BH, agora já podia ir na jardineira. Nessas alturas, minha tia já tinha comprado uma casa em BH, o marido dela precisava fazer NPOR, ele era muito jovem, e mudaram para lá.
Como ainda estava fazendo pneumotórax porem com intervalo maior, ficava na casa dela. Durante esse tempo ela engravidou-se e teve um filho, o Aron, um encanto de garoto, quando eu chegava lá, corria pra pegar a bola pra jogar no gramado que tinha na frente da casa, lá também era ponto de ônibus, eu aproveitava para namorar os moços que ficavam esperando o ônibus. Era de costume ficar lá por muitos dias fazendo companhia para tia e ajudando a cuidar do Aron. Ela sempre tinha ajudante para fazer o serviço de casa. Neste ponto de ônibus conheci meu marido, de quem ainda vou falar muito.
Quando completaram os dois anos o Dr. Silvio me deu alta do tratamento. Também pudera, moça simples do interior, quando via um moço de gravata e chapéu, caia o queijo, era a coisa mais linda! Mas não somente eu que era assim, todas as meninas de minha idade. O Aron jogava a bola por cima do muro e Sebastião a devolvia, nisso fomos criando uma amizade, era só Aron, vê-lo parecia de propósito, já ia a bola voando através do muro. Até que um dia ele veio conversar, era treze anos mais velho, homem experiente, cativante fazia tudo para me agradar, e sabia como ninguém conquistar uma pequena tola. Aron enchia-se de presentes, bolas diferentes, bombons, carrinhos etc... Ele morava em uma rua abaixo da nossa, tinha mudado não fazia muito tempo, morava com os pais e irmãos. Eu estava já voltando para Curvelo, quando fiquei sabendo que o pai dele tinha sido atropelado por um carro na avenida, então à noite antes de viajar fui ao hospital, estavam todos preocupados com o pai que já era de idade avançada. Essa visita foi a gota que precisava para ele se declarar. Não era fácil para comunicar-mos, seria por cartas que levaria mais de semana, ou por telefone, só havia um centro telefônico, que a pessoas ligavam, o centro mandava um mensageiro nas casas das pessoas marcando a hora para falar. Ficamos algum tempo namorando assim. Esse assunto vai render muita prosa!

domingo, 9 de outubro de 2011

As viagens


Como agora só andávamos em turmas, as meninas para um lado, meninos para outro. Muitos já com os hormônios fluindo, as paquerinhas começando, as distrações, quando não íamos para o retiro no final de semana, era passear no jardim, como já contei, ou ficar na porta do cinema vendo quem estava entrando, ou indo a missa das dez, na praça da matriz. Minha tia caçula, depois da morte do vô Domingos, não voltou pra Belo Horizonte. Ficou com vó Ezequiela, as outras irmãs já tinham se casado e estavam em suas casas. Nadir foi morar em BH, isso era motivo para sempre irmos passar ums dias lá. Minha tia mocinha como eu, a diferença de idade era só de três anos e muito amigas, foi uma amizade que permaneceu por toda vida. As viagens pra BH, merecem ser contadas. As estradas não eram pavimentadas, quando chovia, o barro fazia atolar os carros, a jardineira entào. Essa coitada, era preciso o trocador decer, ir ao fazendeiro mais próximo, pedir duas juntas de bois pra puxar e tirar do atoleiro.
Quando passava no bananal, que nào tinha nada de bananas, era um pequeno riacho, ai a coisa era feia, os passageiros desciam, as moças, geralmente de sapatos novos e vestidos brancos de lese, isso tudo pra ir para capital. Às vezes era preciso juntar todos os passageiros para empurrar a jardineira. Chegávamos em BH todos emlameados. No tempo da seca era pior, a jardineira era sempre velha, com o fundo furado, então entrava terra por todos os lados, não se podia fechar o vidro que estava sempre emperrado, e mesmo assim as mulheres ficavam enjoando, e vomitando. Misturava aquela sujeira, junto com tudo que já tinha na jardineira velha.
As malas como já disse em outra história, iam em cima amarradas, lá tambem iam bandas de porcos, galinhas, sacos com mandiocas etc. Isso é o que me lembro, devia ter muito mais coisas. Nossos cabelos e cílios ficavam amarelos e a gente cuspia barro. Havia tambem o trem, o noturno, ele passava sempre as vinte e duas horas, chegava em BH quando não atrasava muito, pela manhã, era melhor porque ficávamos livres do barro e da poeira mas em compensação não se podia dormir e tambem, se chovesse, era preciso abrir o guarda chuva, e tínhamos que usar um jaleco, ou melhor, um guarda pó, como era chamado, para protejer as roupas das faiscas de fogo, que saiam das chaminés da Maria Fumaça. Áh!... Mas quando chegava em BH, era uma beleza, passear de bondes. Ficávamos dando voltas, os rapazes eram diferentes, bem desinibidos, chegavam e puxavam logo conversa.
A noite passear na avenida Afonso Pena, as duas de braços dados, era moda. Os moços ficavam também encostados nos postes de luz olhando as moças. Durante o dia ia para o parque Municipal, tinham fotógrafos espalhados no parque e nas avenidas, bastava passar  por perto pra ser fotografada e recebia os retratos na volta. Parece que eles conheciam com certeza quem era do interior para atacar. Nós dávamos boas risadas, era muito divertido. Iamos na rádio Inconfidência assistir programas de calouros, ver Emilhinha Borba, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e a cantora Marlene. Todo os dias tinha um programa diferente.
Não demorou pra minha tia arrumar um casamento, esse caso não presenciei, fiquei sabendo por ela mesmo. Conheceu o moço, gente boa... Enamorou-se, ficou apaixonada, ficou noiva e voltou para casa em Curvelo para fazer o enxoval. O noivo era gente de posse, como ela também. Era pra ser grande acotecimento... Igreja de S. José reservada, bufet contratado, tudo certo... Ela foi com minha vó para um hotel pra sair de lá já pronta, mas não é de ver, que na noite anterior ao casamento, já lá pelas vinte e duas horas, ela disse a minha vó: "mãe eu vou embora, não quero mais me casar." A vó disse: "Maria, você está louca, não pode fazer isso!"  Ela disse: "Se você quizer ficar ai fica, que eu estou indo, vou pegar o noturno para casa de minha amiga em Piui." E foi saindo, já com as malas, minha vó falou: "Não vou passar essa vergonha sozinha, vou tambem..." Juntou as coisas dela e foi junto no trem noturno.
Não fiquei sabendo do desenrrolar dos dias, nem ela quis saber. Posso imaginar que foi muito desagradavel tudo isso. Não demorou pra ela conhecer outra pessoa, e se casar direitinho, o casamento foi na fazenda do Rio do Peixe, não fui ao casamento. Não me lembro o motivo...Talvez a história seguinte possa explicar.