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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Minha primeira filha


O passado não muda, apenas troca a roupagem, assim é a vida! Vou escrevendo... Tem dia que não tenho vontade, outros tenho preguiça de raciocinar e voltar no tempo, e assim vou descarregando minha mente... Tem certos assuntos que são difíceis de descrever, entram muito fundo nas nossas intimidades, me lembro sempre da minha tia querida que já contei sua história lá no Gerais... Aquela que ficou viúva com as crianças pequenas. Lembrou? Ela dizia, “já que pôs o cavalo na água agora deixa molhar as orelhas”, é isso ai, não irei desistir.
Então, retornando a caminhada, como já disse eu estava grávida e minha mãe também, já em estado avançado, eram duas vomitando e cuspindo, nasceu Tânia, menina espigadinha e esperta, foi um dia feliz. Todos os irmãos que eram muitos queriam pegar um pouco, era pegar e balançar, a criança não podia ir para cama, nasceu com ajuda da Josina, tornou-se uma grande amiga de todos, e minha mãe fazia a propaganda com as amigas.
O Soares continuava na boa vida e bacana, agora sim inventou de comprar alguns bezerros para criar e vender para corte, mas escolheu aqueles mais feios e magros, como trabalhava em laboratório farmacêutico achava que era entendido no assunto, tinha muitas amostras de medicamentos, vitaminas e sais minerais, pensou... “Vou dar esses remédios para os bezerros e certamente irão crescer rápido e vão dar grande lucro.”
Mas foi só vontade... Os bezerros pegaram bernes e eram muitos, ele ficou preocupado, pensou “Agora ta danado...” “Eles já estão fracos e agora os bernes. O jeito era comprar bastante esparadrapo, gazes, giletes para raspar os pelos em volta dos bernes, passar uma pomada, fazer um curativo e esperar... certamente iriam morrer. Mas não aconteceu assim, o peão precisava laçar derrubar, segurar bem para ele se aproximar e fazer o curativo... Quando soltava, o bezerro passava a língua e tirava o curativo, isso resultou em dias e mais dias de trabalhos inúteis, não aceitava palpites...
Quando resolveu vende-los aceitou a primeira oferta mais barata que recebeu, pagou mas ficou livre da encrenca. Lá tinha uma vaca doente que já havia caído no buraco, estava toda machucada, não ficava em pé, só deitada, não comia, o Soares perguntou se dava a vaca para ele porque queria cuidar dela... Deu o nome de Charina, não sei o motivo desse nome, então chamou uns peões mandou fazer um estaleiro colocaram a vaca em cima, forçando-a ficar em pé, e todos os dias ia ao retiro de taxi dar remédio pra charina, dava banho com água buscada na fonte e o taxi esperando... A vaca nada de melhorar... Um dia chegou ela estava morta, ficou triste, mas não foi por falta de tratamento... Assim foi fazendo besteiras e gastando seu sagrado dinheiro.
Todos os meses procurava o médico em BH para fazer acompanhamento da gravidez. Então, quando foi se aproximando o momento fomos para BH esperar o nascimento, eu era muito magra só tinha barriga e o parto seria normal, o médico já tinha avisado que não podia nem imaginar o que eu passaria. Minha mãe não servia de exemplo, Pois ela não se queixava nem reclamava de dores, fui completamente enganada.
Assim que tive os primeiros sinais corremos para o hospital, o médico avisado e depois de muitos sofrimentos, já havia passado muitas horas de desconforto e torturas, nasceu a Sandra minha primeira filha, o pai ficou radiante, foi logo para casa da família avisar que a menina tinha nascido foi de taxi me deixando só, ainda não tinha passado o efeito dos medicamentos, quando senti que estava molhada chamei a enfermeira... Era hemorragia... Foi um corre corre, aplicaram medicamentos para conter o sangramento.
Estava mesmo muito mal. Quando Soares chegou e ficou sabendo do acontecido, foi dar broncas, era mestre em broncas. Pensava que tudo girava em torno dele, mas passou, e tudo foi solucionado. A pequena tinha tudo do bom e do melhor, muitos cuidados e muitas dores de barriga, tomou todos os chás que ensinaram, às vezes acordava durante as noites em gritos com cólicas ai levantava todos da casa para socorrê-la, era muita gente a dar palpites como criar filhos.
Eu ficava muito cansada, naquele tempo em BH não havia água suficiente em todos os bairros, a água chegava só pela madrugada, então precisava encher as vasilhas para o dia seguinte se não quisesse buscar no balde em casa da vizinha a uns dois quarteirões de distancia para tomar banhos, lavar fraldas que eram feitas de tecido branco e era preciso ser bem lavadas, para não ficarem encardidas.
Minha sogra coitada, uma santa viva, digo isso porque muitas pessoas criticam sogras eu só tenho a elogiar a minha, nunca vi outra pessoa com tanta doação! Já era de idade avançada e mesmo assim fazia de tudo para aquela família, até mesmo buscar água nos baldes para todos tomarem banhos e fazer todos os trabalhos, levantava às cinco horas fazia o café, fritava uns bolinhos de fubá de modo muito simples, uma mistura de fubá açúcar e leite se tivesse se não colocava água mesmo, uma pitada de sal um pouco de queijo se tivesse também, um pouco de bicarbonato de sódio para crescer e não fazer mal assim ela dizia, meu sogro depois daquele acidente que já falei, ficou com um defeito na perna e andava com dificuldades, então era entregue tudo nas mãos e creio que aproveitava disso para ser cuidado.
Ela com a maior paciência do mundo levava o café a toda hora para que o mesmo pudesse fazer a boca de pito como diziam, e como fumava, um atrás do outro. Cigarros de palha que ela ia comprar longe, e o fumo de rolo o predileto. E gostava de juntar amigos no quarto para jogar baralho, era um tal de vinte um, acho que era a valer, não gostava que agente olhasse, mas deixe pra lá!
Assim que preparava o café, ia para a missa, não faltava nem com muita chuva, era o que dava força... Só Deus dava tanta coragem, o Antonio que agora era delas as tias, estava sendo tratado com todo carinho possível foi tanto que o excesso acho que prejudica. Toda palavra que pronunciava era recebida com brilhos nos olhos. As cunhadas trabalhavam, saiam cedo.
Não tinham fogão à gás era lenha ou fogareiro à álcool todo um ritual para preparar as comidas, era muito sacrifício... Tinham medo do gás!  Mas o álcool também é perigoso... Fiquei em BH até terminar o resguardo isto é, quarenta dias, voltamos para casa em Curvelo de taxi para variar... Com a chegada da Sandra, eram visitas e presentes, a menina muito querida, com muitos tios e tias, uma quase da mesma idade a Tânia, cresceram juntas por algum tempo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A loteria


Compartilhei essa vida por algum tempo... O marido Sebastião que de agora em diante vou chamar de Soares, porque ele gostava que o chamasse assim... Quero que saibam que continuo fazendo suas vontades... Durante esse tempo, na ausência do Soares, eu era a mesma menina, junto a meus irmãos, participava de tudo e observava tudo que acontecia... As traquinagens, não podia perder nada.
Todo dia tinha uma coisa pra ser motivo de chacotas, parecia que não haviam problemas, ou não os via. Agora depois de três anos fico grávida da minha primeira filha. Sempre que o soares viajava para trabalhar na região de Vitória Minas me levava junto até BH, me deixava em casa dos pais dele. Uma madrugada acordei com barulho do taxi. Soares chegava de viagem não só com as malas, tinha nos braços uma coisa enrolada em um cobertor. Vi aquilo e fiquei preocupada sem entender nada.
Dona Mariquinha já tinha levantado para ir a missa, logo foi recebê-lo e viu que ele trazia uma criança, era um menino muito doente, estava com disenteria e uma infecção de intestino muito forte. Ele tinha dois anos de idade e pesava somente dois quilos e meio, os olhos e os cílios eram enormes devido à magreza. Vi o menino e fiquei impressionada, comecei a chorar... Estava muito sensível devido à gravidez, a criança se chamava Antonio.
O Soares contou-nos como aconteceu tudo, que ele estava no hotel e a mãe do Antonio ia ser despedida porque estava levando o menino para o serviço, então o Soares vendo isso pediu a criança, mas não podia imaginar que a mãe o daria, e ao embarcar no trem a mulher entrega a criança, ele correu até o hotel que ficava próximo e pediu um cobertor, comprou um pacote de bolachas, que o Antonio nem teria força para comer.
Dona Mariquinha muito caridosa, foi logo cuidar da criança fazer um mingau dar um banho morno enrolar em uns panos limpos, cuidou com todo carinho, passou pomadas nas feridas das virilhas. Minhas cunhadas, Maria José e Amélia, arranjaram uma cama para o menino junto delas.
Chegou o dia de voltarmos para casa, com certeza teria que levar a criança que estava ainda com os pés muito inchados e disenteria... Se ofereceram pra ficar com o menino até eu melhorar dos enjôos, então fomos embora com essa preocupação. Depois de duas semanas voltamos a BH, então disseram que iam criar o menino por quem já tinha tomado amor e que seria delas. Senti-me aliviada, pois sabia que não conseguiria cuidar dele como precisava.
Acho que o soares ficou muito endividado com o casamento, quis fazer mais do que podia, ainda gastou com passeios, vivia rezando pra ganhar na loteria, nunca desistia, todo dinheiro que conseguia comprava bilhetes e sonhava... E rezava... Pedia que queria ganhar duzentos mil cruzeiros que com isso ele ia ficar muito bem. E como correu atrás desta fortuna!
Não podia ver um cambista que ia em busca de um bilhete nem que fosse uma tira. Mas queria porque queria. Às vezes acordava bem cedo e falava pra mim, "Fizinha, acredita que sonhei com um numero e me esqueci?” “Agora vou deixar uma caneta e um papel no criado, para quando sonhar anotar logo o numero, Deus tá querendo me falar."
Assim fazia... Um dia acordou chorando, fiquei preocupada e perguntei o que tinha acontecido, custou pra dizer, falou que tinha sonhado com Jesus, que pediu a Ele o numero do bilhete, e que Jesus fez com a cabeça que sim, e o Soares ficou muito emocionado.
Assim que foi a BH para reunião da firma em que trabalhava, para receber o pagamento, passou no Campeão da Avenida, viu o bilhete preso no vidro e pensou: "É esse!” comprou sem demora. No dia seguinte na hora do sorteio, não teve paciência de esperar em casa, foi para a porta da loteria. Os sorteios acho que eram irradiados, não sei bem ao certo, só sei que falaram o numero dele, quase desmaiou. Foi muita emoção. Conferiu, Conferiu e conferiu.
Foi ele mesmo, ganhou trezentos e sessenta mil cruzeiros, já com os descontos. Era muita grana pra quem estava pensando só em duzentos. Saiu dali correu para o centro telefônico, para mandar mensageiro em casa me chamar, era assim mesmo precisava mandar chamar e pagar mensageiro. Quando atendi, ele não conseguia falar de emoção, queria que eu adivinhasse.
Como? Nem chegou a falar nada, só suspirava. Respirava fundo, pensei em tudo menos na loteria. Com muito custo falou: “Agora vou ser dono de meus negócios, vou à firma pedir demissão, pagar minhas contas e te buscar para comprar o enxoval da criança, e roupas para você.” Assim ficou combinado. Final de semana chega de taxi de BH a Curvelo, agora sim não vai andar mais de jardineira, chegou dono da situação... Perfume caro... Sapatos de cromo alemão, o que tinha de melhor.
Enfeitou-se todo e foi visitar um amigo que tinha um café na praça do fórum, agora não precisava ter pressa tinha todo tempo do mundo, era só fazer planos e executar... Mas primeiro tinha que descansar, tirar umas férias... As tardes tomava banho, terno de linho branco, gravata de primeira linha, sapatos bem engraxados, brilhantina perfumada, barba bem escanhoada, estava para ninguém botar defeito.
Subia para o café do Nilton, ali ficava até o café fechar, isso era feito quase todos os dias. Então chegou o dia de ir para BH para fazer as compras, a primeira coisa: comprar alguns livros de química. Tinha muita tendência a invenções... Ainda mais agora, que tinha dinheiro e tempo, era só inventar algumas coisas, patentear e ficar rico... Parecia fácil.
Era um sonhador... Então fomos às lojas caras comprar o que tinha de mais bonito, primeira parada na Mesbla comprar o carrinho da criança, o único importado, um cadilac com molas especiais amortecedores, aquela beleza... Um punhado de discos, da Nora Nei, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e outros mais. Comprar cambraia irlandesa que os vendedores mostravam, notavam logo que o comprador estava por cima... Eles só queriam vender e ele comprar...
Voltando para casa com as peças de tecidos para o enxoval as baetas para fazer os cueiros, tudo seria bordado, com muitas rendas francesas, parecia que não teria fim... Foram muitos outros exageros, que ficaria horas descrevendo. Um dos livros ensinava como fazer cera para assoalho, tinha a receita. O Soares voltou a BH para comprar o material, só lá teria tudo aquilo de boa qualidade.
Comprou foi muito para aproveitar a viagem, muito breu, cera de abelhas, cera de carnaúba, etc. Faltava ainda o sêbo de boi, esse compraria mesmo em Curvelo era só encomendar, seriam uns vinte quilos, porque fazer pouco era bobagem... Ele seria concorrente de outras ceras boas que haviam no mercado. Então fez a primeira etapa para testar, só um pouco... Passou no assoalho... Poliu... Poliu... Com flanela nova, não dava muito brilho... algo estava errado. “A receita” pensou... ”Vou consertar...” Alterou umas coisas, mudou outras... Nada... Até que um dia conseguiu fazer o pedaço de tabua brilhar. Foi um dia feliz, chamou todos para ver o teste... “Agora sim! Ninguém vai poder comigo!” Encomendou o sebo em diversos açougues, a quantidade seria grande vinte quilos.
Dissolveu o breu, fritou o sebo em um tacho para isto precisou fazer uma trempe no quintal e chamar a meninada para trazer as lenhas e fazer o fogo. Um dia de serviço no sol quente. Depois de pronta a cera, encheu uma lata e deixou esfriar... Era só esperar pra ver... Estava satisfeito... Realizado... Já tinha comprado a enceradeira com um dispositivo que aquecia a cera e jogava no assoalho para as escovas espalharem, era um último lançamento.
Achou melhor passar a cera com as mãos, para caprichar mais, as salas eram grandes de tacos de peroba, passou na casa toda, uma camada bem grossa, esperou secar bem, quando veio com a enceradeira... Ela travava... Chiava... E não rodava, pegou o escovão, ele grudava no taco e nada fazia andar, ficou muito bravo... Gastou nem sei mais quantos litros de querosene para tentar tirar, mesmo assim ainda levou bom tempo dando trabalho para voltar no que era.
Essa lata de cera ele deu pra Nicinha, aproveitar e usar imagina... Ela até tentou, mas foi impossível, não deu. Com a sobra do material pensou em fazer sabonetes... Era muita idéia... Também não deu.
Mas o leitor pode esperar as invenções continuam...

A volta pra casa


A volta foi o mesmo trajeto ficamos mais uns dois dias em Santo Antonio do Rio Abaixo, lá conheci o Juquinha com as suas orquídeas, ele colhia na serra e levava pra vender na cidade, quando me viu se apaixonou. Dava-me todas as orquídeas, eu dava pra ele o dinheiro, mas nunca queria aceitar precisava forçar.
O marido não descuidava. Dizia sempre: "não confio em homem nenhum." Voltamos para BH e finalmente para nossa casa em Curvelo. Não via a hora pra chegar em casa e ver meus presentes porque não houve tempo para ver tudo. A casa tinha ficado fechada por muitos dias, e como era tempo de chuvas era dezembro!
Quando abrimos a porta, as pernas ficaram pretas de tantas pulgas, isso mesmo, pulgas. Foi difícil acabar com elas, ficamos em casa dos pais até dar fim nas pulgas. Com tudo isso, os dias foram passando... Eu peguei a obrigação de dona de casa: arrumar, lavar, passar com ferro a brasas, cozinhar em fogão a lenha. O fogo demorava pra pegar, pois as lenhas às vezes estavam molhadas, chegava a ficar vermelha de tanto soprar. Chorava de fumaças nos olhos, mas feliz, me achava a mais feliz do mundo...
Ele continuava no emprego de viajante. Nos finais de semana, eram só alegrias, caprichar na comida, encerar os assoalhos para ficar brilhando, com escovão e flanela na escova pra ficar bem bonito sem arranhar e estar pronta pra receber com cara boa. Essa era a vida e era feliz. Também pudera, estava separada da família, mas perto. Tinha até uma porta que ligava à casa dos meus pais. Precisava mais? Não era bastante?
Poucas pessoas têm essa oportunidade, às vezes viajava com ele para Diamantina, achava lindas as estradas, sem nenhuma conservação, os pontos de paradas precários, os sanitários terríveis, eram em casinhas improvisadas, feitas de madeiras no alto, assoalhadas com buraco e porcos debaixo esperando. Advinha o que?
Uma vez na jardineira, no banco a nossa frente, ia um casal com uma criança de uns dois anos que ficava em pé entre os pais e virado para trás, após a parada para o almoço, resolveram levar a comida para o menino comer durante a viagem, como já disse Sebastião andava só de terno e gravata. Eu também estava bem arrumada, vejam que o casal deu ao menino uma coxa de frango pra segurar e um prato de arroz, então o garoto mordia o frango e o arroz caia nas pernas do Sebastião, o pai do menino dizia: “Ô senhor, toma cuidado senão o Luiz vai sujar sua roupa!" Quando vi o meu marido que não levava desaforo pra casa, respondeu: “Ô senhor que vai tomar cuidado com seu filho, porque se ele me sujar vou jogá-lo fora da jardineira.”
Pintou aquele clima. Foi até chegar em Diamantina com o garoto roendo essa coxa de frango, eles diziam: “O Luiz já deve estar sentindo o cheiro de sua terra né Luiz?" Nunca esquecemos desta viagem. Hoje esse Luiz já deve ser vô ou bisa como eu.
Morando em Curvelo, as tardes gostávamos de andar de bicicleta, saíamos em turma. Sebastião ficou desejando também, mas não sabia andar, era preciso aprender. Como fazer? Comprar uma bicicleta e pedir aos meninos pra ensinar estava fácil, bastava querer.
Na praça perto de casa tinham muitos buracos, na rua do centro era paralelepípedo difícil pra quem não sabe equilibrar só quem já estava treinado. Então, comprou uma bicicleta, equipou com tudo que tinha direito: retrovisores dos dois lados mandou fazer capa de couro para o cilindro, colocou umas tiras de plástico pendurados em cada lado do guidão, umas rodinhas coloridas nos raios, campainha já veio na bicicleta, mas precisava de buzina daquela bem sofisticada, estava mesmo bem bacana. Só faltava saber andar. Pensou logo: "Vou pedir ao Armando pra me ajudar, segurar pra eu não cair.” Assim foi feito, ele montava, Armando ia segurando. Ele todo torto e desequilibrado, quando pegava uma reta que melhorava o equilibrio ele dizia: "pode soltar" Armando dizia: "já soltei!” Então era um tombo na certa.
Tentaram muitas vezes e nunca conseguiu andar bem de bicicleta. Machucou muito, cortou até o tendão do polegar, precisou dar diversos pontos e sofreu com isso, viajando carregando malas pesadas e a mão enfaixada por muitos dias. Como já disse, os primos e primas moravam na rua do fundo e os nossos quintais se encontravam, até mesmo já tinham feito uma passagem no muro, às vezes juntavam todos e saiam à noite. A Nicinha como sempre preparava as dela.
Na volta do passeio separavam na bifurcação da rua e os primos seguiam pela rua de baixo, então, Nicinha corria pra chegar primeiro em casa, passar pelo quintal, entrar na casa deles, sabia onde ficava a tramela, era só abrir e estava dentro da casa, a intenção era assombrar os primos... Ela pegava uma vassoura de folhas de coqueiro e começava a varrer a casa no escuro, ela nunca sentiu medo de nada, quando colocavam a chave na fechadura ouviam aquele barulho de gente varrendo a casa, saiam correndo davam a volta no quarteirão, todos muito assustados, a chamar papai.
Enquanto isso Nicinha vem embora e deita. Para Fingir que não sabia de nada,eles nem desconfiavam, podia estar repetindo a assombração toda semana. Ela às vezes esperava que eles apagassem as luzes e jogava milho debulhado no telhado. Era corrida certa pra nossa casa, queriam chamar o padre pra ir benzer, acabar com a assombração, mamãe dizia: ''Isso não é nada vocês estão cismados."
Ela não imaginava que Nicinha fazia essas coisas. Como nada fica sem resposta, um dia ela vai no escuro para aprontar mais uma... De repente, atrás do pé de fava que ficava na porta da cozinha, Nicinha foi assustada com dois olhos olhando pra ela, bem grandes, só os olhos. Ela voltou sem graça, com um sorriso amarelo. E, pediu ajuda, então juntou os primos vizinhos amigos e tudo que tinha direito, acendeu uma vela pra cada um, fez uma procissão e foram cantando: “BENDITO LOUVADO SEJA...” Pisaram toda a horta, acabaram com a plantação, esse foi o fim das assombrações.

domingo, 4 de dezembro de 2011

A viagem de lua de mel


A viagem de lua de mel já estava programada, iríamos de jardineira para BH no domingo ficaríamos em um hotel por poucos dias. Depois de uns dois dias recebemos visita de uma parenta dele, que era dona de uma pensão perto da Praça Raul Soares e convidou-nos para ficar lá um dia, mais que depressa ele aceitou, a moça era muito agradável e alegre e Sebastião pelo jeito tinha bastante amizade.
Fomos para a pensão,no dia seguinte partiríamos para Santo Antonio do Rio Abaixo, terra do querido marido,o mesmo não ia lá desde o tempo da guerra...Volto a falar nisso...Preciso terminar de contar o que sucedeu na pensão...prometi ser verdadeira e não deixar nada pra trás.
Naquela noite vi que os quartos eram em um corredor comprido... Fechando com o banheiro para todos o hóspedes. Fiquei imaginando como seria para ir fazer xixi na madrugada!!! Tinha medo do desconhecido, aquilo estava muito estranho... Como seria? Sempre achei soluções para as coisas simples, e isso era coisa simples.
Entramos para o quarto, junto com a dona que nos mostrava tudo, e dava as boas vindas, eu só prestava atenção no que tinha dentro e qual seria a minha saída... Achei... Achei... Não falei guardei só pra mim, já estava resolvido meu problema. Havia uma porta que dava para uma sacada de frente para avenida, era mesmo espetacular... Reparando mais, vi em cima do guarda roupas um globo daqueles de colocar nas lâmpadas em formato cônico, isso não ia preocupar mais.
A moça nos leva pra conhecer o resto da pensão, muito atenciosa nos serve sucos, pasteis, bolos etc. Ficou até tarde pondo as fofocas em dia, recordando de pessoas que eu não conhecia. Eu apesar de tudo, era muito tímida com quem não convivia... Tudo estava sendo novo para mim, agora era tratada de senhora, Dona, e ser respeitada como tal.
Terminadas as conversas, fomos dormir, foi só um pequeno sono, acordo com vontade de fazer xixi, pensei, ir naquele corredor escuro jamais! Lembrei do plano, para pegar o globo lá no alto teria que subir na cadeira que estava ao lado da cama sem fazer barulho pra não acordar o marido tinha que ser muito sagaz, ou melhor, esperta, fazer uma rodia com a anágua, que era bem engomada a fim de equilibrar o globo e fazer ali, depois pensa no restante... Logo me veio a idéia, olhei pela sacada e vi a copa de uma arvore e uma marquise que não me deixava ver o passeio, era silêncio total... a rua estava deserta... Advinha!!! Joguei na arvore!
No mesmo momento saem de debaixo da marquise, dois homens que iam passando assustados, só ouvi dizerem: "olha, veja só, está chovendo!" O outro respondeu, "Viu é só debaixo da arvore, isso é um aviso pra nós”, o outro diz é mesmo credo!
No quarto tinha uma pia com torneira, lavei o globo e coloquei no mesmo lugar, não ficou nenhuma pista do que tinha acontecido. Dia seguinte, tudo normal, fomos almoçar em casa dos pais dele, e a tarde seguir viagem para Santo Antonio do Rio Abaixo, nunca tinha feito viagem mais longa, estradas estreitas de buracos com muitas curvas encima de serras, dava pra ver as copas dos coqueiros e muito perigosa, essa era minha visão.
Lá no alto da serra do Cipó havia uma construção antiga, que chamavam de palácio, acho que lá deveria ser um hotel não tenho certeza. Os passageiros enjoavam, um rapaz estava em pé na jardineira, o lugar dele vago, depois observando podemos notar que ele estava com disenteria, e que a calça estava cheia!!!
Coitado, estava muito envergonhado... Com os solavancos da jardineira a coisa foi ficando feia, até que chegou em um ponto de parada, ele foi o primeiro a descer, Sebastião ofereceu a ele uma calça, que o moço aceitou prontamente, agora é pegar a mala no bagageiro, foi falar com o dono da parada para arranjar um lugar pra ele tomar um banho pra seguir viagem e jogar água na jardineira que ninguém aguentava de tanto odor.
Essa viagem parecia não ter fim, a jardineira precisava parar sempre para o povo ir ao mato fazer as necessidades e as mulheres vomitar... Foi assim até chegar a noite no Santo Antonio do Rio Abaixo. A cidade era pequena, povo hospitaleiro, lá moravam muitos parentes que a muito não se viam, lá só tinha uma pequena pensão, muito simples, os donos se desmanchavam em amabilidades, cada dia éramos convidados para almoçar em casa de parente para conhecer, as comidas feitas com muito capricho.
Sebastião tinha uma irmã que morava lá, ela tinha um filho já moço, tinha visto o tio quando pequeno, quando me viu ficou de olhos brilhando, eu era tão jovem quanto ele, Sebastião, cortou logo, me disse para não dar muita prosa... Tinha ciúmes de tudo e de todos... Imagino que ficamos neste lugar uma semana, seguimos depois para Ferros, cidade que ele também tinha parentes que não se viam há muito tempo.
Tudo era muito diferente do que conhecia, os costumes, lá fui conhecer a canjiquinha, que comiam no lugar do arroz, a folha de samambaia, a taioba... Etc. Em Ferros foi pouco tempo, o ponto final seria Borba Gato, fazenda do tio rico com fama de mão de vaca. Família grande, muitos filhos, uma prima já teria tido uma queda por ele, antes de ter ido embora para guerra, tinha ficado alguma coisa em suspense, parece que havia alguma esperança, agora ele volta casado com uma menina... Ela continuava solteira, o pai bastante severo, não deixava as moças namorarem, ninguém servia... Havia três solteiras, os rapazes eram um casado, o resto também sem namoradas.
A fazenda era linda, tudo muito bem cuidado, também não tinham empregados, a família que cuidava de tudo, levantavam muito cedo para tirar o leite, fazer queijos, tratar dos porcos, o dia era de muito trabalho. As moças cuidavam da casa das roupas da cozinha, panelas grandes, comidas boas.
Era fazenda de café, com vastos pastos, no cafezal a terra era escura, parecia um côco ralado com chocolates, a casa ficava no alto, assoalhos de taboas largas, com varanda em volta, debaixo da casa era seleiro onde ficavam os cavalos prontos para sair a qualquer hora e os que poderiam chegar ficavam ali recolhidos. Na porta da cozinha tinha uma nascente com uma bica que jorrava água sem parar dia e noite, água pura e gelada, ali formava-se um rêgo que cortava o quintal e seguia para as lavouras, ainda perto da casa tinha uma casinha construída sobre o rêgo, o assoalho tinha um buraco onde as pessoas faziam suas necessidades, os banhos eram tomados na bacia com águas aquecidas no fogão.
Nas noites de lua assentavam na varanda pra conversar e contar causos, moças e rapazes não tinham nenhuma vivencia, não tinham um radio uma revista... Nada para distrair somente serviço. A ex do meu marido, moça já nos seus trinta anos vivia deprimida talvez tivesse alguma esperança... As vezes eu surpreendia os dois conversando baixinho, quando eu aproximava eles disfarçavam, eu fazia de conta que não tinha notado, pra não ficar clima ruim.
Nunca fui ciumenta, sempre resolvi tudo sem perder a esportiva, levava na brincadeira. Quero contar essa lua de mel com todos os detalhes, talvez venha a ficar cansativo... São muitas passagens engraçadas durante esse casamento que durou cinquenta e seis anos aos trancos e barrancos, vou me revestir de coragem para colocar tudo isso na história.
As vezes vão pensar que estou aumentando, mas aconteceu realmente... Uma noite, Sebastião Comeu muito e ainda tomou um copo de leite com muita nata, ele amava tomar leite com sal e natas... Lá tinha dois cães, que durante o dia, eram amigos, mas a noite viravam feras e ficavam soltos no quintal e ninguém chegava. Lá pelas tantas... ele sentiu dor na barriga e tinha urgência para ir ao banheiro, mas como? Era longe... E passar pelo quintal!!! Ele pensou... Não querendo me acordar levantou devagar, abriu a porta da cozinha sem fazer barulho, e não dava pra esperar muito, foi chegando atrás do pé de café e descendo a calça, de repente... Os cachorros rosnam e vem com tudo... Ele apavora corre com a calça nas pernas e pula na grade da varanda, e os cachorros pega não pega... Ele pendurado, todos acordam saem correndo, o tio pensou que fossem bandidos e já busca a carabina, eu dei falta dele na cama e corri também, e ouvi gritar: “Sou euuuu...” “Socorro segura os cachorros”, o tio gritou, as mulheres vão pra lá... Ele tá sem a calça, nestas alturas os cachorros já tinham puxado a calça dele e rasgado... Os primos e o tio ajudaram a sair da grade. E o levaram para tomar banho, e na água fria da bica. No dia seguinte para ele só servia ir embora... Todos pediam para ficar mais, eu estava até gostando mas ele se sentiu envergonhado e fomos embora.
Depois de certo tempo voltamos lá, e sempre que lembrávamos dos cachorros era motivo para muitos risos.