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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A volta pra casa


A volta foi o mesmo trajeto ficamos mais uns dois dias em Santo Antonio do Rio Abaixo, lá conheci o Juquinha com as suas orquídeas, ele colhia na serra e levava pra vender na cidade, quando me viu se apaixonou. Dava-me todas as orquídeas, eu dava pra ele o dinheiro, mas nunca queria aceitar precisava forçar.
O marido não descuidava. Dizia sempre: "não confio em homem nenhum." Voltamos para BH e finalmente para nossa casa em Curvelo. Não via a hora pra chegar em casa e ver meus presentes porque não houve tempo para ver tudo. A casa tinha ficado fechada por muitos dias, e como era tempo de chuvas era dezembro!
Quando abrimos a porta, as pernas ficaram pretas de tantas pulgas, isso mesmo, pulgas. Foi difícil acabar com elas, ficamos em casa dos pais até dar fim nas pulgas. Com tudo isso, os dias foram passando... Eu peguei a obrigação de dona de casa: arrumar, lavar, passar com ferro a brasas, cozinhar em fogão a lenha. O fogo demorava pra pegar, pois as lenhas às vezes estavam molhadas, chegava a ficar vermelha de tanto soprar. Chorava de fumaças nos olhos, mas feliz, me achava a mais feliz do mundo...
Ele continuava no emprego de viajante. Nos finais de semana, eram só alegrias, caprichar na comida, encerar os assoalhos para ficar brilhando, com escovão e flanela na escova pra ficar bem bonito sem arranhar e estar pronta pra receber com cara boa. Essa era a vida e era feliz. Também pudera, estava separada da família, mas perto. Tinha até uma porta que ligava à casa dos meus pais. Precisava mais? Não era bastante?
Poucas pessoas têm essa oportunidade, às vezes viajava com ele para Diamantina, achava lindas as estradas, sem nenhuma conservação, os pontos de paradas precários, os sanitários terríveis, eram em casinhas improvisadas, feitas de madeiras no alto, assoalhadas com buraco e porcos debaixo esperando. Advinha o que?
Uma vez na jardineira, no banco a nossa frente, ia um casal com uma criança de uns dois anos que ficava em pé entre os pais e virado para trás, após a parada para o almoço, resolveram levar a comida para o menino comer durante a viagem, como já disse Sebastião andava só de terno e gravata. Eu também estava bem arrumada, vejam que o casal deu ao menino uma coxa de frango pra segurar e um prato de arroz, então o garoto mordia o frango e o arroz caia nas pernas do Sebastião, o pai do menino dizia: “Ô senhor, toma cuidado senão o Luiz vai sujar sua roupa!" Quando vi o meu marido que não levava desaforo pra casa, respondeu: “Ô senhor que vai tomar cuidado com seu filho, porque se ele me sujar vou jogá-lo fora da jardineira.”
Pintou aquele clima. Foi até chegar em Diamantina com o garoto roendo essa coxa de frango, eles diziam: “O Luiz já deve estar sentindo o cheiro de sua terra né Luiz?" Nunca esquecemos desta viagem. Hoje esse Luiz já deve ser vô ou bisa como eu.
Morando em Curvelo, as tardes gostávamos de andar de bicicleta, saíamos em turma. Sebastião ficou desejando também, mas não sabia andar, era preciso aprender. Como fazer? Comprar uma bicicleta e pedir aos meninos pra ensinar estava fácil, bastava querer.
Na praça perto de casa tinham muitos buracos, na rua do centro era paralelepípedo difícil pra quem não sabe equilibrar só quem já estava treinado. Então, comprou uma bicicleta, equipou com tudo que tinha direito: retrovisores dos dois lados mandou fazer capa de couro para o cilindro, colocou umas tiras de plástico pendurados em cada lado do guidão, umas rodinhas coloridas nos raios, campainha já veio na bicicleta, mas precisava de buzina daquela bem sofisticada, estava mesmo bem bacana. Só faltava saber andar. Pensou logo: "Vou pedir ao Armando pra me ajudar, segurar pra eu não cair.” Assim foi feito, ele montava, Armando ia segurando. Ele todo torto e desequilibrado, quando pegava uma reta que melhorava o equilibrio ele dizia: "pode soltar" Armando dizia: "já soltei!” Então era um tombo na certa.
Tentaram muitas vezes e nunca conseguiu andar bem de bicicleta. Machucou muito, cortou até o tendão do polegar, precisou dar diversos pontos e sofreu com isso, viajando carregando malas pesadas e a mão enfaixada por muitos dias. Como já disse, os primos e primas moravam na rua do fundo e os nossos quintais se encontravam, até mesmo já tinham feito uma passagem no muro, às vezes juntavam todos e saiam à noite. A Nicinha como sempre preparava as dela.
Na volta do passeio separavam na bifurcação da rua e os primos seguiam pela rua de baixo, então, Nicinha corria pra chegar primeiro em casa, passar pelo quintal, entrar na casa deles, sabia onde ficava a tramela, era só abrir e estava dentro da casa, a intenção era assombrar os primos... Ela pegava uma vassoura de folhas de coqueiro e começava a varrer a casa no escuro, ela nunca sentiu medo de nada, quando colocavam a chave na fechadura ouviam aquele barulho de gente varrendo a casa, saiam correndo davam a volta no quarteirão, todos muito assustados, a chamar papai.
Enquanto isso Nicinha vem embora e deita. Para Fingir que não sabia de nada,eles nem desconfiavam, podia estar repetindo a assombração toda semana. Ela às vezes esperava que eles apagassem as luzes e jogava milho debulhado no telhado. Era corrida certa pra nossa casa, queriam chamar o padre pra ir benzer, acabar com a assombração, mamãe dizia: ''Isso não é nada vocês estão cismados."
Ela não imaginava que Nicinha fazia essas coisas. Como nada fica sem resposta, um dia ela vai no escuro para aprontar mais uma... De repente, atrás do pé de fava que ficava na porta da cozinha, Nicinha foi assustada com dois olhos olhando pra ela, bem grandes, só os olhos. Ela voltou sem graça, com um sorriso amarelo. E, pediu ajuda, então juntou os primos vizinhos amigos e tudo que tinha direito, acendeu uma vela pra cada um, fez uma procissão e foram cantando: “BENDITO LOUVADO SEJA...” Pisaram toda a horta, acabaram com a plantação, esse foi o fim das assombrações.

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