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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Rio do Peixe

Nestes dois lugares passei o melhor de minha infância: Rio do Peixe e Santo Antonio! No primeiro Nasci, e vivi até os seis anos. Lembro-me da guerra a última que terminou em 45. Era bem pequena, mas me lembro de como o povo amedrontado se escondia. Foram momentos tristes e divertidos ao mesmo tempo. Mas voltarei a falar sobre isso aqui.
Sim, naquele tempo não havia luz elétrica na fazenda de meu avô. Morávamos lá em uma casa construída ao lado da de meu vô. Éramos três: papai, mamãe e eu. Fui a primeira filha. Nem preciso dizer o quanto era paparicada. Lembro de que minha mãe não gostava de morar ali. Minha vó era bastante exigente e eu não tinha liberdade para brincar. Tinha uma tia caçula que era o dodói da casa e tudo de bom e bonito era pra ela.
Lembro de meu vô ser chamado de coronel, porque quem tinha muito gado e terras naqueles tempos, era considerado coronel. Que chique! Eu nem sabia o que queria dizer. Ele tinha um cofre grande, aonde só ele e minha vão podiam mexer. Às vezes, punham aquela porção de notas no sol, para tirar o mofo que se formava, de tanto ficarem guardadas. Colocavam pedrinhas sobre as notas, para que não fossem levadas pelo vento. E a gente ficava ali de castigo vigiando pra ninguém pegar, eu não gostava dessa obrigação.
Ligando a casa do vô na nossa, tinha um galpão bem grande e tínhamos de passar por dentro dele para chegar à nossa miserável casa, mas muito cheia de amor, meus pais se amavam muito. Eu podia notar isso já na minha tenra idade. Havia preso junto ao telhado do galpão um garrafão enorme meu avo dizia que morava ali o saci pererê.  Para nos fazer medo. Ali depositava as colheitas de algodão, arroz, feijão e até abobora. Apanhava com o talo para conservar e servir até as outras colheitas. Uma noite, voltava da vó com uma lamparina acesa. Peguei uma mechinha de algodão e encostei no fogo. Imagina o desastre. Para não me queimar, joguei a lamparina encima do monte de algodão, o fogo alastrou-se rapidamente. A mamãe me tirou rápido e o resto do pessoal veio ligeiro com baldes de água e cobertores para apagar as chamas que estavam consumindo as colheitas. Neste dia levei umas palmadas, se o pai não desse, com certeza a vó daria.
Havia na fazenda um belo pomar, mas eu não podia nem passar perto. As frutas que caiam a vó me culpava e minha mãe ficava nervosa. Ela não descuidava hora nenhuma desta pequena travessa. Nessa época ouvi falar em guerra pela primeira vez.
A água usada para os banhos era tirada na cisterna, ou buscada no rio com uma lata na cabeça. Subiam grandes ladeiras, quando estava chovendo era um Deus nos acuda. As roupas eram lavadas no rio e secadas nas cercas do quintal. Naquela época, meu vô mandou construir uma barragem para levar água pra casa e obter energia elétrica. Não demorou para ficar pronta, era uma bela represa, um açude bem largo. Aquilo fez meu vô ficar radiante e orgulhoso. No dia da inauguração, mandou matar boi, porco, não sei quantas galhinhas. Convidou os vizinhos, os parentes, compadres, teve ate gente da cidade. Minhas tias que ficavam na cidade estudando, outras que já tinham noivo e estavam preparando enxoval. Vieram trazendo noivo e família. Trouxeram também um rádio para o vô. Isso foi o maior presente que ele podia ganhar, ninguém conhecia rádio. Meu vô reservou uma sala grande, mandou que tirassem tudo da mesa, e colocou na mesa um forro bonito e a preciosidade encima. Só ele ouvia, acomodado em uma cadeira de balanço, o resto do povo ficava assentado nos bancos encostados nas janelas na varanda, ele ouvia o repórter Esso com noticias da guerra, quando terminava passava tudo que ouvia para o povo. Todos tiravam o chapéu quando ele falava sinal de respeito assim imagino.
A fazenda então ficou uma beleza, tinha água na torneira e sanitário. As comadres queriam conhecer tudo, ver como tirava água da torneira, aquilo era a novidade do momento. O banheiro então, não existia coisa mais bonita! Tinha uma banheira grande para tomar banho. O costume era tomar na bacia com água esquentada no fogão a lenha e num caldeirão bem grande. Nas torneiras também tinha água quente, veja só que maravilha! O coronel era mesmo muito poderoso.
Olha, de repente deu no repórter Esso que a guerra estava convocando os rapazes de certa idade pra ir servir o Brasil. Quando meu vô deu a noticia, só se via os peões saírem com o chapéu na mão e avisando que iam se esconder pra não ir. E foram se esconder nas grutas no campo. Lembro também de ver as mães irem levar comida pra eles. Não iam nem para o trabalho com medo. Até o dia em que o repórter deu a noticia de que a guerra tinha acabado, isso depois de ter passado um tempo que não me lembro quanto.
Posso lembrar que tiraram as garruchas das cinturas e começaram a dar tiros para cima, o vô buscou a carabina e também deu uma meia dúzia de tiros. Os peões estavam tão assustados, que um dia estavam no campo fazendo roçada, e viram no céu uma coisa brilhante que parecia uma cruz. Ficaram com tanto medo que puseram as foices nos ombros e foram embora pra fazenda pedir proteção ao coronel. Diziam que o mundo ia acabar, que aquela cruz era um aviso do céu. Na verdade era um avião que estava passando bem alto e com a luz do sol refletindo. Meu vô teve dificuldades pra fazê-los entender a realidade.
Meu pai nessa época era boiadeiro junto com vô. Eles ficavam meses viajando montados em mulas, acompanhados de diversos peões para comprar gado. Iam nas outras fazendas negociar, levavam ate a tralha de cozinha e o cozinheiro, onde paravam faziam as refeições. Quando voltavam era uma festa só de ver chegar aquela grande boiada toda branca. Eles preferiam gado branco. Geralmente chegavam ao entardecer e no dia seguinte era o melhor momento de marcar todas aquelas cabeças. As crianças subiam na cerca do curral para ver e dar risadas, porque os bois ficavam muito bravos e avançavam nos peões e eles tinham que correr senão seriam pegos, para a meninada isso era a festa.

7 comentários:

  1. Adorei,quero mais..............

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  2. Olá!
    Obrigada por ter visitado o nosso cantinho.
    Gostámos muito do seu blog, iremos passar mais vezes.
    Um abraço de Portugal

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  3. Olá lindona

    Adorei, quero mais ... quero mais... rsss

    Beijos, carinho no seu coração

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  4. Olá vim agradecer sua visita...estou te seguindo...Lindo blog!

    Beijos

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  5. DONA ZÉLIA ESTOU ENCANTADA COM SUAS CRÔNICAS.FIZ UMA VIAJEM HISTÓRICA , LEMBREI DE QUANDO DAVA AULA DE HISTÓRIA, POIS , SABER TEORIA É UMA COISA, AGORA VIVENCIAR É A REALIDADE. PARABÉNS POR CONSEGUIR EXPOR OS DETALHES DA VIDA COTIDIANA DO INTERIOR, DA FAZENDA, LEVANDO O LEITOR A QUERER SABER MAIS. AH! NÃO POSSO DEIXAR DE COMENTAR QUE A SENHORA ERA UMA TRAQUINAAAAAAAAAAAA!!!! ÉPOCAS BOAS, A VIDA ERA MAIS SIMPLES E VIVIA-SE INTENSAMENTE OS MOMENTOS.PARABÉNS! ADOREI .

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  6. Bença, titia. Estive no Rio do Peixe a dois meses atrás. Lá na casa aonde voce e meu pai moraram. Quanta coisa mudou e quanta poeira para chegar lá. O irmão do Dominguinhos Leite esta morando lá com a esposa, e muitas vezes ficam meses ou até ano sem irem em Corinto. A época em que estive llá, não era das melhores, pois a seca esta brava. Ainda não tive tempo de ler boa parte de suas histórias, más as poucas que li foram belas. Parabéns.

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