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domingo, 17 de abril de 2011

Santo Antônio



Bem, com os negócios de compra e venda de bois para corte, o papai conseguiu em pouco tempo, comprar a fazenda Santo Antônio. Eram grandes terras que faziam divisa com meu avo. Terra boa, muitos pastos e culturas para plantio de cereais. Tinha nessa ocasião, muitos peões pra tirar o leite desnatá-lo, e cuidar dos porcos que eram muitos, e de todo o gado que não eram poucas cabeças. Com isso mudamos para o Santo Antonio. Todos felizes, porque estávamos no que era nosso. Nessa ocasião já éramos quatro. Mamãe já tinha ganhado uma menina, era bem pequena não me lembro do nascimento dela, só sei que minha vó que fazia os partos de todas as filhas e noras.
O papai costumava ir sempre ao Morro da Garça, um povoado perto uns 18 quilômetros de nossa fazenda, para comprar o que não tínhamos. Ia na sua mula preferida. Na volta, trazia pão e maçãs eu adorava, só comia quando ele trazia de lá. Lembro-me de que guardava as maçãs por vários dias, porque elas eram muito cheirosas diferentes das de hoje. Cheirava, e enrolava no papel que vinha nelas, era um papel roxo, vinha segundo diziam da Argentina.
La no Morro da Garça tinha também um farmacêutico, que consultava o povo e vendia os remédios. Qualquer doença o pai pegava a mula e ia buscar o farmacêutico, eram muitas horas de viagem. Minha irmã crescendo, e minha mãe estava de novo esperando outro filho. Uma tarde vi minha mãe aflita, a filha estava com muita febre, já tinha dado os remédios que havia, e nada adiantava. Papai também se preocupou, mandou selar um cavalo que era o mais rápido e se pôs à caminho do MORRO. Lembro-me bem de que minha irmã tinha tanta febre que variava, ficava tirando as lãzinhas da coberta com as unhinhas e trêmula. Era difteria. O farmacêutico mandou falar que não tinha cura. Quando papai chegou ela já estava morta. Uma criança linda, mamãe estava só comigo quando tudo aconteceu. Com luz de lamparina, tinha energia só no meu avo. Foi um quadro lastimável até que avisaram meus avós e os vizinhos, era já de madrugada, não posso jamais esquecer este momento. O povo chegando, o papai pegando tábuas para fazer o pequeno caixão, ele serrava e as lagrimas pingavam na madeira, imagine o pai fazendo o caixão para sepultar a filha de apenas um ano e pouco. Aquela criança tão alegre e saudável.
No dia seguinte foi o enterro no cemitério que ficava do outro lado do rio. Diversas pessoas acompanharam o enterro, lembro de que não deixaram que mamãe fosse, ela já estava num estado bem adiantado da gravidez e o cemitério era distante.
Passaram-se os dias com nossa casa muito triste, minha mãe pelos cantos chorando, o papai se desdobrando com o trabalho, e esperando a hora de sair correndo para chamar minha avó para fazer o parto. Preocupava-se também comigo que era pequena e não estava entendendo o que se passava. Mamãe convidava as meninas dos agregados para brincar de casinha comigo, elas ficavam todo dia me fazendo companhia eu adorava os brinquedos, bonecas de pano cada qual mais linda que a outra, brincávamos de comadres fazíamos batizados das bonecas, o papai vestia uma capa grande, chamavam de capa ideal, devia ser a marca da mesma, para ser o padre as mães faziam docinhos para a festa do batizado. Um dia, a mãe entrou para o quarto e me pediu que chamasse o pai bem rápido, chamei, ele respondeu: - Fala pra ela esperar um pouco, que estou terminando de prender os bezerros.
Mamãe gritou:
- Venha rápido - ele correu, logo ouvi o choro da criança, era outra menina, tão linda quanto a que DEUS levou. Puseram o mesmo nome. A menina nasceu com um pequeno problema, o pezinho era virado para cima. Papai mandou buscar minha vó, para ver se estava certo o que ele tinha feito. Foi papai que fez o parto, homem de coragem, também não teve como correr, ou faz ou fica feito. Vi quando ele pegou um pedaço de bambu e começou a fazer umas talinhas, colocou no pezinho forçando a ficar direito, depois enfaixou e deixou ficar por alguns dias. Quando tirou, o pé estava perfeito.
Ai a situação foi melhorando. Já podíamos ter sempre alguém pra ajudar no serviço da casa, buscar água no rio que passava no fundo do quintal, era um belo rio, muitos peixes e muitas pedras, onde punha as roupas para quarar. Também já éramos quatro de novo. Meus pais eram muito divertidos, noite de lua cheia, juntava as amigas para brincar de roda, os mais velhos jogavam baralho, as crianças corriam e pulavam corda. Às vezes até acendia fogueira, quando a noite estava fria. Assavam milho verde na brasa, era aquela delicia. Dia de fazer pamonha era anunciado com antecedência pra ninguém fazer outro compromisso, reuniam as comadres e se ouvia risos e casos engraçados, as crianças também tinha obrigação, que era a de emendar as palhas para amarrar as pamonhas, cozinhavam diversos tachos de deliciosas pamonhas. No final, cada comadre voltava levando boa quantia pra casa.
O tempo ia passando, as crianças precisavam ter escola, éramos muitas, tinha filhos dos agregados, primas porque os pais também tinham fazenda por perto. Todas precisavam aprender e não tinham como ir pra cidade, os pais trabalhavam ali. Ai veio a solução, Coronel mandou vir de Curvelo uma professora para ensinar essa criançada. A professora ficou morando na fazenda do Rio do Peixe, minha vó dava as ordens. A gente almoçava às 9 horas, papai mandava selar meu cavalo e me punha em cima, então eu ia galopando, nas encruzilhadas encontrava algumas crianças que já estavam indo também, todas galopando seus cavalos, era uma turma grande, chegávamos lá na fazenda, meu avô mandava um empregado tirar os arreios dos cavalos e soltar para pastar, pois íamos ficar ali por muitas horas. No começo foi uma maravilha, era uma mesa bem grande com bancos dos dois lados, e nas cabeceiras cadeiras, onde de um lado assentava a professora e no outro minha vó, para fazer manter o silêncio. Esse era sagrado.
Lembro-me das ameaças com a vara de marmelo, e palmatória, isso partia dela, a mestra era boa, risonha e carinhosa com todos, não tinha distinção. Na hora do recreio era ótimo, corríamos para as bananeiras, as bananas, podíamos pegar à vontade, até levar pra casa quem quisesse, tinha fartura de bananas. Tinha um preto velho que tinha apelido de Lagoa, ele apareceu por lá e ficou, então ele cuidava dos porcos e das bananeiras. Gostávamos muito dele, brincávamos com ele de esconde-esconde, não me esqueço da conversa dele, dizia, coitado do pobre Lagoa, operado coitado, sempre repetia a mesma coisa, a gente era tão criança não sabia perceber que ele deveria estar sentindo alguma dor. Nem o pessoal adulto fazia conta do que ele dizia.
Não posso deixar passar o caso das goiabas, essas eram as prediletas, veja o que acontecia: Minha, vó mandava que trepássemos no pé e apanhássemos as maduras, jogávamos pra ela, ela partia as goiabas, comia os miolos que era o mais saboroso e deixava as cascas pra nos, era sempre assim. Hoje quando pego uma goiaba a primeira coisa que como é o miolo.
Assim terminada a aula, pegávamos de novo os cavalos e subíamos o morro de volta pra nossa casa onde os pais esperavam pra saber como foi a escola, todos os dias tinha que contar tudo de novo. 

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Oi Zelia obrigada pela sua visita e pelos elogios ao meu blog, o seu também é muito lindo !!!
    Apareça sempre para uma visitinha.

    abraços Alessandra

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  3. Olá, minha colega de farra.
    Li e reli suas histórias. Ainda bem que você não esqueceu o nosso passado, que é de grandes e boas lembranças: uma da infância e outras, que pelas experiências, marcaram a sua e a minha vida. Boas ou más, só restou a SAUDADE.
    Sua tia Teté.

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