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terça-feira, 1 de maio de 2012

Os barcos



As noites, Ana Maria e eu gostávamos de ficar na janela olhando os pescadores que saiam em busca do sustento, ao longe podíamos ver as lanternas dando sinais, centenas delas na escuridão... Imaginávamos o que estariam pensando, se estariam em paz ou preocupados, saudáveis ou adoentados... Só Deus poderia saber! Mas era muito lindo contemplar o mar à noite, aquela imensidão onde tantos segredos se escondem... Ver os transatlânticos chegarem com seus apitos ensurdecedores, fazendo manobras, soltar seus botes para levar os passageiros até ao cais para seus passeios. Ah! Mas quando partiam! Geralmente à noite, eram como palácios ambulantes, saiam apitando, e todos iluminados, aquilo era um presente para nossos olhos, ficávamos ali quietas, vivendo aqueles momentos, que eram só nossos... Eles iam ficando pequenos, pequenos, até virarem só um ponto de luz e sumirem no horizonte escuro deixando um rastro de luz...
Outras noites, após os trabalhos, chamávamos as crianças nos assentávamos no chão da cozinha e íamos competir para ver quem fazia a careta mais feia, ali eram só risadas, cada uma queria fazer melhor, a Licia que tinha se tornado uma mãe para o Peter, todo lugar em que ia sempre o levava junto escanchado na cintura, era quem ganhava nas caretas feias, porque ela tinha dentaduras e na hora ela usava desse recurso.
Pela manhã a musculatura do rosto estava toda dolorida de tanto forçar e fazer caretas. A feira como já disse acontecia todos os dias, Licia levava o Peter, não sabia sair sem ele, pensavam que era filho dela com um espanhol dono do armazém, ele a chamava de mãe “Ia”, então os amigos dela ficavam em dúvida, ela gostava, nunca dizia a verdade deixava pensarem...
Quando menos esperávamos, a firma que o marido trabalhava ofereceu a ele para vir para o triangulo mineiro, pretendiam abrir ali naquela cidade uma filial, esclareceram que se tratava de uma boa cidade, prospera e que seria de grande futuro. Soares não pensou duas vezes, apesar de já ter se acostumado em Salvador, seria uma oportunidade de estar mais próximo da família.
Isso não foi resolvido rápido, ainda precisava arranjar alguém de confiança que pudesse assumir a filial de Salvador. Havia um funcionário, dedicado atencioso, bastava um pouco mais de experiência, Soares se pôs a prepara-lo para ocupar seu posto. O lugar escolhido no triangulo foi Uberlândia, cidade progressista, com grande desenvolvimento, ali seria a filial.
Acertaram para Soares ir conhecer, arranjar local bom, bem central e de livre acesso. Precisariam de um galpão espaçoso com boas instalações. Naquele ano ainda não deu. Começou aquela revolução para tirar o presidente João Goulart, então parou tudo, o país não fazia nenhum investimento, as multinacionais em alerta... Era esperar...
Não sabíamos até quando... A Bahia virou um palco de guerra, não podíamos ir às ruas, as crianças não iam para a escola. Ouvia dizer que muitas pessoas estavam sendo presas, não podiam andar em grupos nem ficar parados nas esquinas, policiais armados por todos os lados, nem todos tinham TV ouvíamos as noticias pelo rádio e nem sempre eram verdadeiras. O terminal de ônibus era na Praça Castro Alves, em Salvador, tem um bairro que se chama liberdade, naquela época um cara chegou para pegar o ônibus, que já estava saindo do ponto, o cara gritou pra confirmar se era o seu, então gritou "liberdade?" O policial que estava ali deu diversas cacetadas no pobre homem e até que se explicasse que não era subversivo!
Exército nas ruas, cavalaria por todos os cantos, perto do palácio ninguém passava, tudo vigiado e como!... Depois que sossegou essa bagunça, veio o pedido de ouro para ajudar o Brasil o povo fazia fila para entregar a única coisa que tinha de valor, acho que essa foi a maior corrupção que já ouve, pois tiravam de todos com chantagem, dizendo que era para refazer o Brasil, as pessoas pegavam tudo que tinham em ouro e levavam para doar no palácio, eram joias antigas, com valores estimativos incalculáveis, haviam pessoas que só tinham as alianças de casamento e iam entregar às vezes chorando, juntaram centenas de quilos de joias e jamais ficamos sabendo de sua utilidade e o que foi feito delas, o povo saqueado mais uma vez...

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