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sábado, 10 de setembro de 2011

A venda


Terminado a reforma da casa, que demorou muito, pois teve quase que jogar toda no chão, deu tempo até pra mãe engravidar de novo e nascer Maria de Lourdes, menina espigadinha e sapeca, fiquei feliz, mais uma para o bando. Também ela já tinha feito freguesia com a parteira Jozina. Já éramos quatro contra dois.
A casa foi dividida em duas, uma menor, que poderia ser alugada, e a maior onde foram feitos diversos quartos, um grande, cabia sete camas, esse era pras meninas, os outros também, parecia que esperavam ainda muitos filhos. Duas salas, uma cozinha enorme quintal grande com canteiros, caixa d’água pra muitos litros, ainda um depósito subterrâneo, pra segurança, o consumo era grande, muitas roupas para serem lavadas, agora já sabe, eram banhos todos os dias, precisava pegar o ritmo da cidade.
Tudo ali era mais fácil, não precisava buscar lenha no campo nem água na fonte, o leite e o pão vinha na porta, a escola só atravessar a praça, colégio ficava um pouco distante, mas tinha muitas colegas vizinhas. Lá eu não tinha bom comportamento, gostava de conversar, também meus pais não me puniam, acostumada com liberdade, demorava a entrar nos eixos. Fugi de novo, agora as carteiras eram de duas em duas, a menina que assentava na minha frente deixou o cabelo por cima de meu caderno e vi um piolho andando na minha carteira, ai falei pra todos ouvirem, a freira ficou brava comigo, não podia agir assim, tinha que ter chegado à colega e falado.
Na hora do recreio fizeram fila pra ir para o pátio, a freira ficou na porta, quando chegou minha vez de passar ela disse: “Você fica de castigo” voltei triste, ela saiu e fechou a porta. Eu pensei... Tive vontade de chorar... Depois resolvi fui para janela, tinha uma horta, e um pé de mamão junto ao muro, desses que nascem por acaso... Então, peguei a pasta saltei a janela subi no pé de mamão, passei para o muro, lá em baixo estava um caminhão parado com uns sacos de ração dentro, devia ter uns dez, não deu outra, joguei a pasta depois pulei, saí correndo e fui embora. Encontrei com o pai que estava montando um comercio na casa da vó no cômodo de loja que tinha lá, contei o motivo, o pai achou por bem ir lá conversar, justificou... pediu desculpas... No dia seguinte cheguei muito sem graça as meninas olhavam e riam, fiquei com vergonha, mas já tinha feito e assumi, pedi desculpas pra freira e tudo bem, só me ameaçou, se fizesse de novo ia ser expulsa.
O comercio estava sendo montado, ponto bom, esquina da praça, ali não teria erro. Vinha muitas coisas da chácara: ovos, queijos, requeijão, frutas, frangos etc. A Liu ficava na chácara, e fazia os queijos, os requeijões e mandava Serenita, ajudava minha mãe na lida da casa. Maria de Lourdes, que chamávamos de Lourdinha, já engatinhava por toda casa, minha mãe ajudava na venda, às vezes eu também. Freguesia só crescendo, por quê? Porque será? Não demorou pra fechar... Já tinha um caderno cheio de anotações, e já começava outro. Pra comprar na venda dele não precisava de dinheiro, bastava falar que estava precisando. E lá iam as mercadorias. Cobrar nunca. E as noticias espalhavam, não aguentou muito tempo. Ele viu que ia quebrar, cobrar ele não gostava, tinha vergonha, o jeito que achou foi fechar. Quando minha mãe falava ele dizia, deixa Maria, se eles tivessem dinheiro, não estariam passando falta das coisas.
Ele foi sempre assim o que era dele era de todos, herdei esse lado, não me apego a nada. Não tenho nada, e tenho tudo. Tudo que necessito: família, amigos, saúde, vida e paz. Não troco isto pelo maior tesouro do mundo. A presença de DEUS é visível em nossas vidas. Quem tiver olhos que veja quem tiver ouvidos, que ouça. O quarto ano não consegui passar de ano também poderá, com tantos transtornos? Repeti, a quinta série fui bem, também já era tempo de tomar jeito. Estávamos na chácara, quando fiquei menstruada, nem nunca tinha ouvido falar disso, parece mentira, mas é pura verdade, as mães não comentavam nada dessas coisas com a gente, tomei o maior susto, a primeira pessoa que falei foi a Serenita, me tranquilizou, me explicou que era assim mesmo, e que todo mês ia repetir até eu ficar velha. Nem conhecíamos obsorventes, não recebíamos nenhum preparo para enfrentar esse tipo de coisa. E casavam também completamente sem saber o que estava pra acontecer, tamanho atraso, quando digo isso muitos duvidam, pensam que é exagero.
Agora, já começava a me interessar pelos meninos, saia pra passear com as amigas e as primas, era dar voltas na praça do jardim ou praça do fórum. Lá todas as noites as moças se aprontavam e de braços dados rodavam a praça, os moços ficavam parados nos postes de luz paquerando, às nove horas pra casa. Se atrasasse um pouco tinha bronca, se arranjasse namorado nada de pegar na mão, ia ficar falada, depois não arranjava casamento. Também andar com mulheres separadas, nem pensar, se estavam todos assentados na porta e passasse uma separada e parasse pra perguntar alguma coisa, os pais mandavam agente ir pra dentro.
A missa não era mais das crianças as nove, era as dez missa campal, celebrada na praça da matriz, o padre ficava no coreto, e o povo em pé, as moças de sapato alto, no sol quente, pisando em cima dos cascalhos, era chique a missa das dez aos domingos. Agora mudou o prefeito, esse queria mostrar serviço, mandou fazer um calçamento, em frente ao cinema era uns dez metros, fizeram tijolos de concreto e calçaram, ficou bonito, chamaram as escolas pra desfilar no calçamento na inauguração, houve até banda de musica, o tiro de guerra marchando os alunos com uniformes de gala, muitos fogos, era mesmo uma grande festa.
Sim, passou o dia de domingo. Na segunda, passou um caminhão, nem estava cheio, não é de vê que o calçamento partiu todo? Lá se foi o trabalho. Esse serviu só de chacota para o prefeito.

2 comentários:

  1. Olá, boa tarde, minha xará. Fazendo uma visita ao blogs amigos descobri você. Fiquei encantada com seus contos, pois gosto muito de memórias. Sou do tempo da oralidade em nos reuníamos para contar histórias, umas verdadeiras e outras, como você diz,nem tanto. Adorei seu espaço, passa lá no meu.
    Tenha um ótimo final e domingo.
    Beijos

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  2. Olá!
    É sempre bom passar por aqui e ler estas histórias maravilhosas.

    Um beijinho de Portugal

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