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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A PRAÇA




Na semana seguinte começaram a chegar às meninas veteranas, que vinham das férias. Eram muitas, todas contentes, por ver de novo as colegas. Só via abraços, pulos de alegria, troca de presentes, cada uma trazia pra colega mais querida. A primeira turma se encontrava desolada meio sem graça... Sem assunto... Não conhecia ninguém... “Deve ser assim mesmo,” pensávamos. Na primeira semana, meus pais não vieram. Estavam ocupados com as colheitas, só minha tia Eldina, eu tinha verdadeira adoração a ela... Sabia ser simpática, carinhosa e alegre, trouxe-me um pacote de balas variadas, daquelas quadradinhas de caramelo, coco queimado, umas grandes redondas do tamanho de uma bola de ping pong, listradas coloridas, uma delicia eu já sabia.
Tia Eldina, depois de ficar comigo um bom tempo, resolveu me contar que minha vó Donana tinha tido um problema, que estava muito doente e que Deus a tinha levado pra junto Dele. Fiquei muito triste, era muito querida e nem fiquei sabendo no dia. Mas entendi que era impossível saber, a comunicação era difícil, só fiz chorar em silencio.
Agora já iniciaram as aulas, tinha grandes dificuldades, parecia tudo diferente, decorar as tabuadas os pontos de história do Brasil, geografia era tantas coisas que me deixavam louca, sem falar na matemática, era muitos problemas para dar soluções. Não posso esquecer os pés... Acho que os sapatos eram maiores, o calcanhar estava que era só ferida, já tinha colocado algodão nos bicos para deixá-los mais justos e não ficar esfregando nas feridas.
As turmas que chegaram eram animadas, nos intervalos brincavam de pega pega, jogavam vôlei, corriam, eu ficava só olhando, mesmo que me convidassem não poderia, os pés!.... Como ia fazer!... No final da outra semana, vieram o pai, a mãe e os irmãos. Foi um dia de festa, chorei muito pedindo, queria ir embora de todo jeito, mas me convenceram de que era só por mais uma semana, que estavam prontos para mudar no final do mês, as colheitas já estavam terminadas. Não gostei, mas aceitei.
Na segunda feira cedo, na fila pra capela, com o véu na cabeça, enquanto a freira destrancava a porta, eu estava na direção da porta da recepção, quando alguém chamou para entregar uma encomenda. Assim que a secretária abriu a porta, que eu vi a rua, não me segurei, sai da fila em disparada, atravessei a porta e ganhei a liberdade. Só que gritaram: “Pega! Pega!” E o rapaz que fazia entregas saiu correndo e me segurou.
Meus pais já tinham saído cedo para ir embora, voltei de cara grande e com vergonha, as meninas olhavam em mim e riam, virei motivo de criticas e chacotas. Foi besteira minha, o pé não deixava ir longe. O colégio mandou carta para o pai contando o que tinha acontecido, e pedindo sua presença. Assim que ele recebeu voltou, e foi lá atender o chamado. Chegaram a mim e disseram: “A madre superiora está te chamando” Tremi toda, não sabia que tinham chamado o pai, achei que ia ser castigada, a superiora já tinha fama de brava, as meninas quando passavam por ela abaixavam as cabeças, pensei: “Hoje é meu dia...” Qual foi minha surpresa? Chegando lá, meu pai, dele não tinha nenhum medo... Era paz total... Ele me pôs no colo, passou a mão nos meus cabelos, me abraçou apertado, não me deu nenhuma lição de moral, não comentou minha fuga, pra ele estava tudo certo. A surpresa maior foi quando me disse: “Amanhã já vamos mudar, e sábado venho te buscar.” Aquela foi a mais linda fala que ouvi, contava as horas, ai o pé parou de doer.
No sábado como tinha marcado chegou cedo, apanhou minhas coisas e fomos pra casa do vô Domingos. Lá tinham muitas pessoas fazendo visitas, o vô estava assentado na cadeira de balanço bem abatido, pela doença quase não falava, pálido e triste. A tia caçula tinha saído do colégio em Belo Horizonte estava em casa, por causa da doença do pai. Fiquei feliz quando a vi, gostava e gosto ainda muito dela. Era companheira e amiga, era adolescente e gostava muito de namorar, mas tinha que ser escondido de minha vó.
Meus pais esperavam a mudança lá na chácara, meus irmãos também. Fiquei no vô até arrumar as coisas e alguém me buscar. A segunda feira prometia, logo cedo vesti o uniforme, tomei leite com café e pão com manteiga da roça, peguei a pasta com os cadernos e livros, uns trocados pra comprar merenda da Guily, tinha muita vontade de comer os pasteis, as puxas e a carne no pão, mas as freiras não deixavam a gente comprar fiado para o pai pagar depois, e o dinheiro nem dava. Neste dia sim, Vou fazer minha vontade. Saindo de casa me deparei já, com duas colegas que estavam indo, foi uma alegria para mim, éramos amigas de sala, atravessamos a praça, e fomos em direção a escola, ficamos todo tempo juntas amigas para sempre.
Agora voltei ao normal, chegava da aula, arrancava os sapatos, pés no chão, juntar as colegas que moravam na rua de baixo ir para praça brincar de rodas pic de esconder, bola queimada, estatua, elas sabiam brinquedos novos, pra mim era um aprendizado dos bons.
A praça tinha partes com gramas que nasciam por acaso, outras partes era com poeiras e buracos isso não servia de empecilho para nós. Ficávamos até tarde nas brincadeiras. Antes de dormir precisava tomar banho, era uma sujeira só. Nesta praça também tinha a cadeia, sempre cheia de presos, que ficavam nas grades olhando, ela ficava mais ou menos do lado, não permitia a visão de toda a praça. Às vezes eles pediam cigarros, agente pedia pras pessoas e jogava pra eles, era preciso amarrar em uma pedra pra chegar até eles, às vezes conseguiam aparar outras vezes não, caia no chão, pediam ao guarda pra pegar. Isso tudo escondido da vó, mas como ela estava sempre ocupada com o vô nunca via, era tudo muito diferente. Pra começar, entregavam o pão toda manhã nas portas o padeiro chegava numa carroça fechada e coberta, só uma portinha atrás onde pegava o pão com o garfo, tocava a buzina, e vinha logo uma pessoa com um prato pra receber, tinha de sal e sovado, podia escolher.
O leite vinha das fazendas, era entregue também nas portas tinha acabado de ser tirado das vacas estava ainda quente, vinha nas latas grandes, numa carroça puxada por cavalo, a medida era uma lata de litro presa em um cabo, que enfiava na lata de leite e depois despejava na vasilha que a freguesa trazia, ali era só ferver com uma pitada de sal. Também tinha carroça pra carregar defuntos da Santa Casa, era igual a do padeiro, porém preta. O pessoal que vinha da roça não sabia distinguir qual carroça era de pão, então às vezes eles perguntavam a de defunto, se tinha pão fresco. Na praça, tinha dois pés de eucalipito enormes... Lá as mocinhas namoravam escondidas de seus pais. Minha tia era uma delas, não faziam nada, nem pegavam nas mãos, mas precisava vigiar, e as meninas vigiavam... Quando a vó aparecia na porta a gente jogava uma pedrinha assim já tava avisada, ela saia correndo e o rapaz ficava atrás do pau, pra dar um tempo.
Logo abaixo da casa do vô, meu tio Dino, marido da irmã do meu pai a Stela, tinha um açougue, os bois vinham da fazenda e ficavam detidos no matadouro que era pouco abaixo, à noite a freguesia levavam os pratos com os nomes escritos no fundo, enfiavam pela grade, e pela manhã ia buscar com o kilo da carne, se não levasse vasilha, a carne seria enrolada no jornal.
Esta praça era local das barraquinhas de São Geraldo, no mês de outubro, se cobria de barracas que vinham de fora e o comercio tomava conta. As pessoas alugavam casas na cidade, traziam as famílias para participar dos festejos, tinha de tudo até bandidos para explorar os pobres coitados. As barraquinhas eram feitas com cerquinhas de pequenas estacas enfiadas no chão, formando um circulo, dentro as mesas também com pequenos tocos aterrados, com taboas pregadas formando assim uma mesa os quatros bancos do mesmo jeito.
As moças rodavam o circulo de braços dados, os moços ficavam parados em volta, paquerando e curtindo as meninas, todas se arrumavam ao máximo para conquistar os mais bonitos. Ao ir pra casa, que não podia passar das nove, sempre algum moço pedia se podia levar em casa, quando isso acontecia, no dia Seguinte se encontravam de novo, só que desta vez ele vinha até a casa buscá-la, ai já considerava que estava namorando. Em volta da barraquinha era só poeira, quando chegava em casa tinha que tomar banho, os pés e pernas ficavam irreconhecível, mas os olhos brilhavam, eram muitas diversões.



Um comentário:

  1. Olá Zélia!
    Fiquei aqui um tempinho me encantando com seus textos :) ... Fantásticos!!!

    Beijocas super em seu coração..
    Verinha

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