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domingo, 14 de agosto de 2011

O Internato


Conforme o verão avançava, meu avô continuava a se recuperar, embora lentamente. Ele estava fazendo experiência com um novo medicamento que veio de fora. Contava que saia para passear no quarteirão uma vez por dia, todos os dias exatamente vinte minutos, mas até isso era difícil para ele devido à fraqueza que sentia. Se havia um lado positivo nisso tudo, era proporcionar a ele algo em torno do que organizar seu dia, agora que estava adoentado. Observavam sinais de cansaço em sua voz e lembravam-lhe constantemente a comer bem, dormir bastante e tomar os medicamentos.
Bem, a segunda feira chegou rápido, levantei, tomei banho, só isso já era estranho, tomar banho direito era só no dia de sábado ou dia de passear, ai sim, lavava da cabeça aos pés. Aprontei como a mãe tinha ensinado, escovei os dentes agora com creme dental, tomei um copo de leite, não descia mais nada, além disso.
Papai pegou a mala e fomos, o colégio ficava perto, era só atravessar a praça da igreja pegar, uma rua pequena de uns dois quarteirões, mais uma pracinha a de Santa Rita, e já estava lá. Chegamos exatamente às sete horas, já tinham alguns pais com suas filhas esperando a porta abrir, e foram chegando outros... Mais outros... Mais outros, já fazia um bom numero, quando a porta abriu. Apareceu uma freira sorridente muito amável, olhava em nossas caras e certamente pensava... “Coitadas! Não sabem o que as espera...” Mandou que entrássemos nos guiou para uma sala imensa... Com diversas cadeiras, pediu que todos se assentassem, comentou as normas da escola, falou que as visitas só eram permitidas aos domingos, e que tínhamos que obedecer rigorosamente a diretora, e na próxima reunião ela viria falar com os pais.
Convidou a todos para conhecer a escola, lá dentro, naquele momento só estavam as órfãs limpando o chão. As outras alunas só iriam retornar na semana seguinte porque elas já conheciam o esquema. Depois de percorrer todos ambientes, isto é: capela, refeitório, dormitórios, área de recreio campos de jogos, por ultimo salas de aulas e de estudos. Os pais ficaram deslumbrados com a organização, não sei se as outras meninas pensavam igual a mim, eu não sentia nem via nada bonito e nem bom, meu pensamento não saia de casa nem mesmo da minha escola na roça. Depois a freira agradeceu a presença de todos, falou que as filhas estariam em boas mãos, podiam voltar para suas casas despreocupados. Assim, quando abracei o pai tive a sensação que não ia me soltar dele, quando vi que as outras meninas estavam serenas, fiquei com vergonha e o libertei. Nestas alturas, já se aproximava o almoço, mas ainda dava tempo de arrumar as coisas no armário, cada uma tinha um pequeno.
Após terminar, fizemos fila para lavar as mãos e ir para o refeitório. Éramos umas trinta e cinco novatas, nossos lugares já estavam marcados na mesa com o nome de cada uma. Antes de assentar a freira nos ensinava a rezar, e agradecer pelo alimento que iríamos comer, no final rezamos de novo, e saímos em fila fomos para o pátio para recreação e entrosamento, nesta hora a freira nos deixou a sós para conversarmos e nos conhecermos. Em determinado tempo, tocou um sino e veio a freira, mandou formar fila, e ir para o refeitório para fazer um lanche, pão com manteiga e chá, ou bolachas de água e sal e chá, podia optar.
Voltava em fila para tomar banho, de novo! Outra vez. Agora todas vestiam uma camisola branca bem simples depois de ter tirado todas as roupas, a freira tava ali, era outra, de cara mais fechada, sisuda, nariguda, causava medo em qualquer uma de nós. Entra debaixo do chuveiro frio... Que terrorismo. A freira ali, andando de um lado pra outro, de olho no que estávamos fazendo ou deixando de fazer. Todas prontinhas, fila, agora a capela, o padre já tinha chegado para celebrar a missa. Todas de véus nas cabeças, sem dizer uma palavra.
Lá cada uma tinha também lugar marcado. Eu pensava... ”Porque essa preocupação de marcar lugar?... Porque não podia assentar onde queria?” Durante a missa celebrada em latim com o padre de costas pra assembléia eu não entendia nada... Ficava o tempo todo pensando em minha mãe. Como ela deveria estar pensando em mim. Na minha dificuldade de adaptação, ela sabia que eu estava sofrendo, só de ter que ficar calçada o dia todo já era um suplicio. “E será que o sapato não estava machucando?” A disciplina era rígida, Zélia foi criada como pássaro... Voava quando quisesse. Seu mundo não passava de uma pequena região em que todos a conheciam, agora caminha na incerteza, sobre ordens de quem ela não conhece.
À noite após o jantar e as orações, caminho ao dormitório nos acompanha outra freira diferente, parece de poucos amigos, mal deu uma boa noite, vestida de branco, e foi falando logo: “Não gosto de brincadeiras nem conversas.” A gente tinha medo até de respirar... Disse logo: “Tirem as roupas e coloquem camisolas, brancas de mangas compridas, escovem os dentes e vamos rezar.” Já tinha rezado muitas vezes durante o dia, “não chegou?” de novo... Agora: “SANTO ANJO DO SENHOR, MEU ZELOSO GUARDADOR QUE A TI ME CONFIOU A PIEDADE DIVINA, SEMPRE ME REGE ME GUARDA ME GOVERNA ME ILUMINA AMEM.” Terminada a oração todas se deitam sem nenhum piu.
Durante a noite a freira não dorme, anda de um lado pra outro com o rosário na mão, rezando as AVES MARIAS. Minha mãe tinha ensinando a rezar pelas almas do purgatório todas as noites, uma ave Maria, alguém já tinha me dito que, se não rezasse pelas almas, elas viriam cobrar, fiquei pensando nisso naquela noite, não havia rezado, não houve tempo. Acordei durante o sono e vi uma coisa branca andando, parecia que flutuava, lembrei de imediato... “Será a alma?” Suava de medo... Comecei a rezar com a voz presa na garganta e um pouco alta para que a alma ouvisse. Ela pôs o dedo na boca e fez psiu... No dia seguinte tudo correu como o dia anterior, não tinha a menor graça. Até recomeçar as aulas foi assim, depois piorou, sentia vontade de sair correndo, para junto de meu povo, “Aquilo lá que era vida!”
Havia na porta da capela um aviso: “sexta feira confissões, todas as alunas terão que fazer o exame de consciência uma hora antes, e comparecerem em fila por ordem de tamanho, e com véu, o padre estará esperando no confessionário.” Pensei... ”Contar o que? Não fiz nada.” O único pecado era de não estar gostando de nada daquilo que estava acontecendo.

Um comentário:

  1. Como ficou linda e tocante sua história...posso até sentir a sua tristeza de pássaro preso!

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