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domingo, 31 de julho de 2011

A dúvida


Chegamos em casa à noite, minha mãe desceu do carro com dores, parece que foram os solavancos do caminho. Pensei: Virgem!...Será que vai perder outro neném? Meu pai só fez soltar os bois, pegou o cavalo que estava no pastinho e buscou a vó. Não fiquei sabendo de nada, crianças não tomam parte nessas coisas de gente grande. Só percebi que ela ficou de repouso por uns dois dias. Também não podia esquecer-se dos bichos de pés, entrava a noite debaixo da unha e aquilo coçava a noite toda, era esfregando o pé no lençol, aquela coceira gostosa. Pela manhã falava com a mãe, ela ia até a laranjeira pegava um espinho e tirava, mas doía muito... Se deixasse ficar uns dois dias pra criar uma barriguinha, ficava mais fácil dele sair. Às vezes a gente achava o bicho já com uma barriga enorme... Quando tirava ficava aquele buracão e era preciso por cera de ouvido, diziam que isso sarava... Veja a idéia... Assim era a vida...
No dia seguinte acordei muito cedo, olhei da fresta da janela, vi o sol nascer, uma bolinha de ouro emergindo da terra. Ouvi movimentos na cozinha, era a moça já providenciando o café da manhã, os bezerros berravam esperando suas mães que estavam sendo ordenhadas saí do quarto lavei a cara, como diziam... Cheguei à cozinha a mesa já estava posta com biscoitos de polvilho fritos, bolo assado na caçarola com brasa em cima, o caldeirão no fogo com leite fervendo com sal, na chaleira ovos quentes pras crianças. Eu gostava mesmo era de tomar o leite no curral tirado na hora, com açúcar e café no fundo do copo. Logo que cheguei à varanda, vi amarrada no mourão da porteira uma mula castanha, ricamente arreada com peitoral e freios com detalhes em prata cabresto de cordas trançadas, colchonil branco e laço enrolado na garupa, chegando até a cerca me deparei com um senhor gordo muito sorridente, parecia muito amigo de meu pai, conversavam animadamente, olhava as vacas leiteiras, quantos litros dava cada uma, idade delas, parecia estar interessado em comprá-las por isso veio tão cedo. O pai convidou para o café, o homem admirava tudo, as terras, as lavouras já com as plantas crescidas e o milharal começando a soltar os primeiros pendões. Tinha visto ao descer o morro, após comer e beber foi ver os porcos, as águas, o pomar. Em tudo ele fazia perguntas e o pai respondia com prazer. Pensei logo: “Será que tá querendo comprar nossas coisas?” Nas conversas ouvi dizer que ele tinha uma chácara perto de Curvelo, bem perto, dava para os meninos irem a pé para escola e era muito linda, tinha um belo pomar, boas sevas e pasto pra poucas vacas. Meu pai prometeu ir lá pra ver. Minha mãe como estava de repouso demorou um pouco a se levantar, a Liu, como já era experiente em cuidar de tudo em casa, já imaginava que o senhor iria ficar para o almoço, mandou Peri pegar o frango, bastava mostrar qual seria, na certa ele corria atrás até cansar o frango e ficar fácil, qualquer um podia chegar e segurar.
A Lui foi à horta pegar verduras frescas, no quintal apanhar quiabo, abobora d’água. O feijão já estava no fogo desde que clareou o dia. Antes de despedir o senhor falou para o pai que soube que ele estava pretendendo mudar por causa dos filhos. Desde aquele tempo as noticias andavam pelos ares, não havia nenhum meio de comunicação só cartas e recados, mesmo assim todo mundo sabia de tudo. Somente o surdo, não sabia que Jesus tinha morrido para nos salvar.
Vi o pai ficar pensativo. O homem se despediu, marcando de se encontrem em Curvelo dai uns dias. Assim, papai achou por bem falar com o vô, tudo era muito conversado precisava ouvir a opinião dele. Mas meu vô não andava passando muito bem, sentia dores no estomago. Marcaram o dia de viajar pra Curvelo, iriam a cavalo para o Morro, estes seriam deixados no pasto do bisavô João Coelho e daí, seguiria de jardineira pra Curvelo. Lá consultaria o medico e iria com o pai conhecer a tal chácara, assim foi feito. Só tem que primeiro o vô foi ao médico, fez alguns exames e acharam por bem procurar um especialista do tubo digestivo, como diziam: a palavra gastroenterologista não conhecíamos.
Belo Horizonte, era o lugar indicado. lá é que tinha os recursos necessarios para o caso de meu avô. Após alguns dias voltaram com o diagnóstico: Meu vô estava com câncer no estomago já em estado avançado, não podiam fazer quase nada, somente analgésicos para suavizar as dores. Meu pai tinha mais oito irmãos, ele era o mais velho, sendo assim, ele e o vô se relacionavam melhor. A noticia foi como uma bomba. Aquele homem forte sendo derrubado por uma doença incurável era um abalo para todos que dependiam dele, e se lamentavam: “Coronel doente, impossível, isso não pode acontecer.” Mas mesmo assim foram ver a chácara, agora mais um motivo para ficar próximo de Curvelo.
Meu vô já tinha uma boa casa na esquina da praça de S. Geraldo, onde tinha também um cômodo de loja, bom lugar de comércio. Na época da festa faria bons negócios, e se o pai resolvesse mesmo vir pra cidade poderia montar ali um comércio e ganhar algum dinheiro. Visto que o vô estava agora estava precisando de cuidados, não era justo que eu ficasse pra estudar. Papai aproveitou que estava lá e foi conversar com as freiras no colégio, explicar a situação, ele precisava que eu ficasse lá pelo menos os primeiros meses de aulas até fazer o negócio da chácara e trazer minha mãe com as outras crianças.
A freira aceitou imediatamente, e deu o estatuto do colégio pra quando chegar em casa desse pra mãe ler e fazer o enxoval. Ele ficou pensativo, mas tinha preocupação maior, o vô, como dar a noticia a vó que tinha ficado na fazenda e não sabia de nada até aquele momento, todos evitavam comentar o assunto.

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