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sábado, 23 de julho de 2011

O momento da despedida


Após a primeira comunhão faltavam as provas e o encerramento das aulas, muitos colegas iam se separar, eu estava triste não teria mais aquela professora tão boa, não sabia o que me aguardava... Tudo era mistério... Não devia adiantar nada. Foi feita a festa de encerramento com muitas apresentações, cantos, danças e comes e bebes, comemorou-se antecipado o Natal, com trocas de presentes comprados na venda do vô, eram sabonetes, grampos de cabelos, corte de chitas para as meninas, os meninos ganhavam canivetes, caixas de traques, bolachas do reino, balas Sertaneja e tudo enfim.
Quando chegou o momento das despedidas, que tristeza... Só choro... Chegava a soluçar. Abraçar a Maria Luiza, agradecer a ela por tudo, a voz não saia, engasgava... Precisava a mãe chegar e falar pra gente. Então entoaram o canto... "Quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor, por isso eu não quero lembrar quando partiu o meu grande amor... Ai... AI... Aiai... está chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem e tenho que ir embora!” Cantavam em soluços, até os velhos choravam. Depois todos se despediram e voltaram pras suas casas em silêncio, a tristeza predominava... Começando de novo... Vida nova... Tínhamos que manter a santidade! Todos puros sem pecados, fiquei livre daquele peso de consciência que eram as pimentas... “agora preciso me vigiar, senão faço alguma coisa que não devo.” Era difícil me manter na linha, era muita tentação, e já que estamos de férias novamente, e todos já sabem, vô Evaristo virá buscar-nos ou iremos no carro de boi, aí, sim podemos ir todos.
Minha mãe já tinha chegado de Curvelo onde estava em repouso tudo normal, agora é só esperar... Ainda dava pra fazer essa viagem. Agora não tem outro jeito, vai ter que levar aquele carneiro, certamente amarrado no fueiro do carro, desta vez iria demorar e o bicho morreria de fome, ele era chantagista aproveitava das ocasiões. No caminho foi só trabalho, o carneiro ficava cansado, punha no carro o bicho esperneava esbarrava nas crianças elas caiam no choro, com o cheiro dos bois minha mãe enjoava, vinha chuva cobria com couro de boi era o que tinha e achando bom... feliz. Carneiro berrava, não queria ficar abafado debaixo do couro, foi o dia inteiro. Já estava escurecendo, de longe se via a pequena luz da lamparina, era minha vó Donana segurando a lamparina na janela pra dar sinal pra gente, aquilo era tudo...
Gritos sem parar até chegar na porteira e ser recebidos por todos, as primas também estavam lá pra nos receber. Naquela noite ninguém dormia conversava e ria o tempo todo contando os casos, a primeira comunhão, as despedidas os choros... Só de ouvir também choravam, companheiras são assim... Compartilham tudo. As camas já estavam arrumadas, faltava arranjar um lugar para o bicho do Armando. Os primos também estavam Lá curiosos pra ver o carneiro, ninguém tinha igual, o dia seguinte prometia... Correr para fonte de águas cristalinas, descendo em cascatas sobre as pedras, logo em baixo formava uma pequena cachoeira... Era um convite ao banho com roupas e tudo, ir até ao barranco tirar argilas e fazer as panelinhas, aqueles dias ficaram na memória para sempre, os meninos brincavam de subir em arvores montar nos cavalos e correr. À noite as pessoas contavam histórias de lobisomens, mulas sem cabeças e assombrações.
Minha vó fazia muitos queijos e guardava em um guarda louças, pra evitar que ratos o tocassem, o guarda-louças, ficava junto da porta que saia para o terreiro, um dia chegou um caixeiro viajante, ele já era acostumado a passar por lá, vendia de tudo, cortes de sedas, corte pra calças, espelhos, ruges, batons, pentes etc. Ele chegou e pediu pouso, soltou o cavalo pra pastar, lavou o rosto, jantou, contou uns casos, e foi dormir pra seguir viagem. Todas as casas eram sem forros e as telhas tinham sempre uns buracos por onde se podiam ver pedaços do céu até estrelas. Não é de vê, que o homem deu vontade de fazer xixi, levantou pra ir lá fora, mas errou a porta e abriu a porta do armário e fez lá dentro nos queijos de minha vó! Pela manhã, quando ela levantou viu aquela coisa escorrendo debaixo do armário ela ficou nervosa e perguntou o que tinha acontecido. O homem escutando a conversa, disse: “Bem que eu vi que a noite tava cheirando a queijo...” Foi preciso levar pra fora lavar deixar no sol e jogar os queijos para os porcos.
Ficamos lá uma semana, só alegria, minhas primas e eu brincávamos de fazer guisados e de comadres cada uma preparava a sua casa em um buraco no barranco, as bonecas de pano seriam as filhas, os meninos maridos, só tinha que os maridos não paravam pra ajudar em nada queria só ficar correndo e subindo nas arvores, a gente brigava com eles pra buscar lenhas e acender o fogo. O Batista que era maior ficou encarregado de arranjar os ovos de anu branco, pra isso ele teria que ir às grutas, procurar nos galhos altos os ninhos e pegar os ovos. Eram grandes, azuis, pintados de branco uma beleza. Enquanto isso preparávamos as panelas geralmente pequenas latas, os pratos eram fundos de tigelas quebradas, a fornalha fazíamos com argila. Tudo bem... chegou o Batista com os ovos enrolados na barra da camisa, eram quatro, só que caíram três, ficou um. Cozinhamos o único, descascamos com todo cuidado, era pra dividir com todos, mas não é que Armando, passou, pegou o ovo inteiro, pôs na boca e correu, fomos atrás, “Se pegar é pra torcer o pescoço!” Não tinha outra coisa a fazer... “Menino custoso!” Acabou com a brincadeira, voltamos pra casa enfezados e nem podíamos olhar naquela cara. Aproximava o dia da volta, carro sendo preparado, bois já no curral esperando ser trelados, as mulheres ajuntando as trouxas, as garrafas de leites fervidos para fazer mamadeiras. O carro já estava toldado com folhas de coqueiros pra nos proteger do sol. Não voltamos alegres como a ida; era diferente... Se mandássemos alguma coisa não iríamos embora nunca...

2 comentários:

  1. Maezinha que delícia essa historia de hoje ,adorei !!! bjsss te amo

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  2. Mãe....para variar sua história ficou maravilhosa, quanto mais você escreve, mais você vai se soltando. Esta de parabéns...saudades de você. Beijo fica com Deus.

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