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sexta-feira, 1 de julho de 2011

AS ÁGUAS



Após as colheitas, chegava o tempo das queimadas, as pastagens  já estavam secas e os animais sobrevivendo com rações e canas trituradas. As terras também já começavam a ser preparadas para esperar as primeiras chuvas, que na certa não demorariam, assim era todo o ritual, arar quebrar os torrões, verificar as cercas escolher as sementes.
Minha mãe sofria com as chuvas ela tinha muito medo de trovões e raios, então o que ela fazia para nos proteger, veja só. Na cozinha tinha uma mesa enorme... Quando começavam os trovões, ela vestia aquela capa ideal que já falei anteriormente, enfiava debaixo da mesa ajuntava a perrada, como a galinha faz com os pintos, e ficava ali esperando tudo passar. Nada a tirava daquele lugar, rezava uns dois terços, o Salve Rainha, colocava o Brevio de Roma na mão. Assim que terminava tudo, os pequenos estavam dormindo, todos suados com tanto abafamento, o Peri que era nosso cachorrinho também tinha medo e ficava bem junto, eu  gostava mesmo é de ir brincar nas enxurradas, aquilo era maravilhoso... Colocava um pano na cabeça e seguia as águas até chegar ao córrego, eram muitas quedas, Muitos arranhões, estrepes nos pés e tudo que tinha direito. Voltando pra casa, só os olhos estavam limpos o resto era só barro e toda molhada. A mãe enchia a bacia com água morna e me lavava dos pés a cabeça. Enrolava numa toalha e me punha em cima do fogão pra aquecer. Os irmãos ficavam chorando pra me acompanhar, mas eram pequenos, se deixasse a enxurrada levava.
Ao lado do rio tinha uma várzea onde se costumava plantar arroz, era espécie de um brejo, ali quando dava enchente alagava tudo e virava um grande lago, só por um tempo. Depois voltava ao normal, se demorasse matava o arroz. As águas vinham até no quintal era aquela beleza! Eu não tinha noção de perigo tudo era lindo. Ver o gado atravessar o rio a nado, os vaqueiros montavam nos bois e atravessavam a enchente. Ficávamos na varanda olhando o espetáculo.
Há... Tava me esquecendo, no Morro da Garça faziam todo ano uma tourada, os fazendeiros levavam seus bois para competir, montavam uma arena com toras de madeira, um tablado em cima, onde as pessoas ficavam para assistir. Iam todas as famílias, as crianças não podiam faltar era muito divertido, depois de cada apresentação jogavam dinheiro lá de cima e o dono do boi ia apanhar, pois ele não atacava o dono.
Os bois de carro do papai eram vermelhos e muito mansos, mas quando estavam em lugar estranho viravam feras, ninguém ficava em cima, eram os mais aplaudidos. A meninada gritava o quanto podia, quanto mais gritava, mais os bois pulavam. Esses sempre ganhavam, também pudera, com tanto barulho.
Papai ficava todo sorridente, descia na arena pra catar as moedas e ser aplaudido. Saia dali gastava tudo com pipocas e puxas feitas com rapaduras, era um dia feliz. Voltávamos pra casa com os mesmos bois puxando o carro, pareciam outros de tão mansos.
Quando acontecia de ser aniversário de alguém, e a lua fosse cheia, então reuniam todo o pessoal, pegava a sanfona e a viola que o Raimundo tocava e saiam à noite pra fazer serenata, mas com um trato. Meninos só iam se prometessem não fazer nenhum barulho, ou melhor, ninguém, era trato. Pra não estragar a surpresa. Só que o Peri ia também, ia correndo na frente, de repente aparece um tatu, como faz.?! O cachorro solta uma batelada de latidos, as crianças começam a gritar pra calar a boca, o bicho corre, o povo corre atrás, o tatu torna-se mais importante que o aniversariante.  Ai adeus serenata! Só se   ouvia as cordas da viola passar nas moitas e fazer barulhos, a sanfona embaraçar na cerca e soltar algumas notas e lá se foi serenata. E a caça ao tatu ficou até de madrugada, nem uma coisa nem outra. Só teve um porem,  quando fosse fazer esse tipo de coisa não era pra levar cachorro nem meninos. No dia seguinte o assunto era só a serenata, cada um que contava aumentava um tanto e risos que não tinham fim. Engraçado, os cantos. Já  estavam treinados, cantavam: “Sertaneja se eu pudesse... Se papai do céu me desse... Um espaço pra voar!... Eu pedia a natureza...” esqueci perdoa-me. Cantavam também... “Ó jardineira porque está tão triste?... O que foi que aconteceu? Foi a Camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu... Vem jardineira! Vem meu amor... Não fique triste que esse mundo é todo teu tu és muito mais bonita que a Camélia que morreu.” Cantavam: “Sereno eu caio eu caio... Sereno  deixou cair... Sereno da madrugada não deixou meu bem dormir...” E a saudades de matão? Quem não lembra? “Nesse mundo eu choro a dor... De uma paixão sem fim... Ninguém conhece a razão porque eu choro no mundo assim! Lá no céu junto a Deus... Eu lamento a minha desventura desta grande dor...” Ai vai. E continua bem apaixonada... Um dia vou conseguir as letras, vocês vão ver.

3 comentários:

  1. Suas memórias são repletas de delícias e belezas.
    Beijo grande.

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  2. Linda história mãe...veja só as músicas se repetem de gerações em gerações.... bjsss amo vc

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  3. Olá!
    Linda história. Obrigada por partilhar.

    Um beijinho de Portugal,
    Isabel e Lucília

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