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domingo, 19 de junho de 2011

A Colheita

Bom, o tempo ia passando... As crianças cada dia mais crescidas, ai cada uma queria ter obrigações, Nicinha gostava de quebrar milho para os pintinhos; era assim: Colocava o grão de milho em cima de uma pedra e batia com outra só que quando levantava a pedra os pintinhos iam comer e morriam de pedradas nas cabeças, ela punha a boca no mundo dizendo que eles estavam dormindo e não queriam comer. Mamãe corria pra ver o que estava acontecendo, quando chegava restavam poucos pintos, pois a metade ela já tinha matado.
Armando agora já usava calças, perto, em um sitio, morava a comadre Divina, era costureira das melhores. Tinha grandes freguesias, a mãe sempre levava nossas roupas pra ela fazer. Nossos vestidos eram com babados e rendas, as combinações brancas com babados nas barras e tiras bordadas compradas em Curvelo na época das barraquinhas de São Geraldo. Mamãe foi até a comadre levar os tecidos para fazer as calças do papai e do Armando.
Comadre Divina tinha uma maquina pequena tocada à mão, quase não rendia serviço, era mesmo para servir os amigos. Ela disse pra mãe, que só podia fazer a do papai e se a comadre não importasse, ela ia cortar a calça do Armando e que mamãe mesmo fizesse. Era muito simples, ela também tinha maquina. Então voltou minha mãe trazendo a calçinha só cortada e a preocupação de ter que fazê-la. Mas não foi nada, de manhã levantou bem cedo, mandou a domestica por brasa no ferro para ela ir costurando e abrindo as costuras como fazia a comadre Divina. Então, montou a maquina encima de uma mesa, balançou o ferro pra esquentar e começou a cantar o Oficio de Nossa Senhora. Sempre que ia costurar cantava. “Agora lábios meus dizei e anunciai os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus...” Assim por diante, enquanto durasse o trabalho.
Ficou o dia todo fazendo aquela minúscula calça. Ela observando, viu que tinha muitas pontas e que não poderia dar certo e foi acertando por conta dela, já a noitinha estava pronta. Mandou dar banho no menino, ia experimentar a dita cuja. Passou bem até ficar brilhando, Armando chegou já de cabelo penteado e contente rindo de orelha a orelha, pronto pra ficar bonito, mas é que quando vestiu a calça não conseguiu andar, estava capando e prendendo as pernas.
A mãe ficou triste e disse, “imagina se eu não tivesse tirado as pontas como teria ficado?”. Depois disso fiquei curiosa, queria também fazer roupas. Comecei a desmanchar roupas velhas e fazer pra Nicinha e Ana Maria, não havia agulha que bastasse para quebrar. Ainda bem que na venda do vô vendia. Demorei para conseguir tocar a manivela da maquina, depois tomei gosto. Fazia roupas para nossas bonecas, anáguas e tudo que desejasse.
Agora, já esta chegando o tempo das colheitas, era muito trabalho! Mas para a turma do barulho, era uma beleza. Subir nos montes de milhos, ver bater o arroz no jirau pra desfazer os cachos, trazer os carros de feijão e espalhar no terreiro para secar e depois bater com uma vara comprida até soltar das palhas, depois ensacar e empilhar na sala, encher o paiol de milho, apanhar as abóboras com talos e jogar por cima do milho para consumir durante o ano. E a horta? Essa ficava do outro lado do rio, a gente não podia ir lá sem uma pessoa grande, era perigoso, tinha jacaré no poção, ele já havia comido alguns leitões e algumas pessoas já tinham visto e disseram que era muito grande. Papai estava colocando armadilha para pega-lo. O jacaré dava prejuízo comendo animais.
Para molhar as hortaliças o rapaz amarrava uma cuia na ponta da vara e pegava água no poço jogando nas plantas, ninguém chegava perto do poço com medo do jacaré. Uma tarde foram ver a armadilha, lá estava o bicho. Imenso, uns dois metros levaram uma corrente bem forte, uma junta de bois e puxaram até em casa, amarraram no mourão da porteira. Eu sei que sacrificaram ele. Não falaram mais em jacaré.
Ha! Chegou também o dia de marcar o gado. todos já presos no curral esperando o momento de serem laçados e jogados ao chão para serem marcados com ferro quente, isso era feito todos os anos, e quando comprava outras cabeças de outros fazendeiros. As crianças não podiam perder a oportunidade de cada uma ganhar uma bezerra. Ficávamos em cima da cerca escolhendo as bezerras. Todos só queriam aquela pintada. Era a mais bonita, mas só tinha uma, nós éramos quatro. Então começava a briga. Não tinha fim. Papai ficava bravo, o barulho deixava o gado irritado, ele disse: “Gente pequena só serve pra dar recado, e tirar ovo debaixo de assoalho” e expulsava a gente de lá. Quando terminava tudo, ficávamos curiosos pra ver se as nossas bezerras estavam marcadas. Para surpresa, as quatro eram iguais. Papai sempre foi muito correto.
À noite, antes de dormir, precisávamos lavar os pés. Então era colocada uma bacia com água morna junto à escada da sala pra copa e os quatro enfiavam os pés de uma vez só. Junto estava a bucha de palha de milho, rasgada com um garfo que era pra ficar mais macia e o sabão que mamãe fazia sem soda pra não estragar nossas peles. De manhã todo mundo tinha que lavar o rosto ai novamente água morna, que era colocada numa bacia esmaltada de branco em um tripé. Agora usava sabonete Lever. E geralmente escovávamos os dentes com o sabonete. Depois para pentear os cabelos. O caso é o seguinte: Quando matavam porco. Tirava um pouco da banha, que era fritada em separado, colocava num frasco de boca larga amarrava com cordão em volta da boca do frasco e pendurava no sereno pra ficar cheiroso. Aquilo era passado nos cabelos pra ficar bonito e bem escorrido! Era chique!
Não posso deixar de descrever a barbearia de meu pai, onde ele atendia aos sábados. Era debaixo de uma gameleira, uma cadeira, um jarro de água morna, uma bacia no tripé, uma toalha branca com bainha ou abrolha, uma tesoura e navalha que amolava a todo momento, assim ele trabalhava o dia de sábado.

6 comentários:

  1. Aíííí.... fui a primeira desta vez.
    Mãe, como as outras, ficou ótima.Beijo.
    Te amo.

    Sandra

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  2. Uai minha irmã ... Vc é mto danadinha! ... E que cabeça boa vc tem pra lembrar de tudo e com tantos detalhes...pra mim está sendo uma grande oportunidade de conhecer o passado de nossa família e refletir sobre ela. Sua redação tem um estilo agradável e de fácil leitura. Parabens! É mto bom entrar no blog e ver que tem uma estória nova...to achando que Prosa Mineira vai se tornar um Best seller!!! E se continuar neste ritmo não vai demorar mto. Que orgulho para nós!!! Bjus

    Lucia

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  3. Mãezinha ..adorei entrar no meu face hoje e ver que a Selma postou novidades de seu Blog...adorei mais esta história...minha vontade é de ligar para o Tio Armando agora e pedir que procure um computador e entre no seu Blog , pois tenho certeza que ele vai se emocionar com essas linda lembrança...continue escrevendo , está cada vez mais esperta !! rsrs..bjsss amo vc

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  4. Oi Da.Zélia,
    Ganhei dois selos da Lena, do Blog Amadeirado e tive que indicar dez blogs para receber o prêmio, ou seja os dois selos. As regras e os selos estão postadas lá na Alma Zen Aguardando vc.
    Beijo.

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  5. Hola,D.Zélia,obrigada pelos selinhos...Fiquei muito honrada e quando vi que era de Uberlândia,me emocionei muito.Vivi aí por 15 anos,estudei na UFU,sou o que chamam uberlandina, mas mãe de uberlandenses.Adorei seu blog,cheio de prosa boa...Besitos

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  6. Hei, dona Zélia...que surpresa boa!!! Agora ninguém mais segura. Parabéns!!! Bjos, Olinda

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