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domingo, 15 de maio de 2011

Os sapatos

Como eram bons aqueles dias, eu ficava com meus avós maternos por longo tempo, enquanto isso minha mãe cuidava dos dois que ficaram. Quando a saudade apertava o pai ia me buscar, então chegava em casa e notava a diferença no crescimento dos irmãos todos já bem espertos, minha Irmã, vou dizer a do pezinho, já corria por todos os lados, o irmão já engatinhava e já tinha ganhado um carneirinho filhote que mamãe tratava com mamadeira. Papai mandou fazer um carrinho igual carro de boi, pra ele puxar com o carneiro quando crescesse, era uma gracinha, eu que queria brincar, mais não podia aquilo era brinquedo de homem. Os dois foram crescendo juntos carneiro e menino até que chegou o dia, depois de muito esperar. O carneiro estava sendo treinado para puxar o carro com o menino em cima, no dia esperado forraram o carro com uma coberta grossa pra não machucar o bumbum, mandou que segurasse bem, assim que o bichinho viu todas aquelas armações assustou-se e disparou, não ficou ninguém em cima. Soltaram o carneiro, guardaram o carro por um bom tempo. Mamãe já estava de novo grávida, vomitava tudo que comia era sempre assim todas as vezes que engravidava, era o primeiro sinal e começava tudo de novo a mesma historia, nem precisa repetir. Tentei não dar nomes, mais se tornou impossível somos 11! Pois isso pode virar uma bagunça e ninguém entender nada, esse é o motivo que vou dar nomes. A menina que faleceu chamava-se Eunice, depois nasceu a próxima, quiseram por o mesmo nome, a chamamos de Nicinha, logo veio o macho e papai logo escolheu o nome de peito cheio: - Vai chamar Armando!  Não tem nome mais bonito que este! - Ninguém mudava a idéia. Não adiantava trazer nome estrangeiro, nada servia só o escolhido por ele. Minha escola recomeça... As aulas eram dadas para o primeiro, segundo, e terceiro ano juntas. A mestra tinha que ter jogo de cintura para administrar tudo. La na fazenda do coronel Domingos Leite e dona Ezequiela nossos avós, tinha uma venda de secos e molhados vendia também tecidos sedas e chitas, lá mamãe comprava peças de morim branco para fazer fraldas, as peças mediam 18 metros ela desmanchava tudo em fraldas e enchia uma mala, sabia que sempre ia precisar, ano sim, ano não, nascia um ou uma. Fazia também deste morim roupas para nós, ela não sabia costurar, tentava só saia camisola com um buraco pra cabeça e lugar de enfiar os braços em forma de “T”. Armando já estava andando pra todo lado de camisolona batendo no meio das pernas, era mesmo uma graça de garoto. Eu já tinha obrigações, pegar pela manha os urinóis debaixo das camas, jogar o que tava dentro na latrina era como se falava, e depois levar no córrego pra lavar e pendurar nas cercas. A noite recolher todos, colocando novamente debaixo das camas. Antes de ir para escola precisava levar comida na roça para as pessoas que capinavam. Meu cavalo já ficava selado porque depois eu teria que sair galopando pras aulas, nunca almoçava antes. Mamãe pegava uma bacia, media e colocava farinha depois o feijão quente, mexia, jogava gordura com torresmo por cima, o arroz. Tudo tirado do fogão à lenha fervendo. Por último as carnes de panela bem gostosas, o quiabo apanhado na roça, a abobora e amarrava em um pano junto com os garfos. Eu subia no cavalo, colocava uma almofada na frente para não esquentar, segurava com uma mão, a bacia, com a outra a rédea. Tocava batendo os calcanhares na barriga do cavalo. Só que no caminho tinha uma aroeira com bela sombra, eu parava, abria o pano que amarrava só um pouco, tirava as carnes e comia o quanto aguentava, amarrava de novo, tocava a viagem e entregava a comida, voltava em casa comia pouco e ia pra escola. Quando dava a hora do café, o pai ia levar e trazer a bacia, chegava em casa, mamãe desamarrava, e os garfos estavam trançados, era o sinal que a bóia foi pouca, ela ficava brava falava que tinha colocado muita comida e estavam reclamando. Um dia papai falou, arruma ai Maria eu vou levar, montou em meu cavalo que já estava selado, e foi chegando debaixo do pé de aroeira, ele empacou, nada fazia o cavalo andar e ficava rodando por um bom tempo. Chegando em casa ele falou: - Descobri Maria, a Zélia ta comendo as carnes, e está ficando pouca para o pessoal. Ela perguntou: - Como você sabe? Os homens disseram?  - Não, o cavalo empacou sinal de que ela para ali todos os dias. À tarde quando passaram pra guardar as enxadas, mamãe foi servir o café e pediu desculpas pelo meu procedimento. Fiquei muito envergonhada, podia levar o que tinha de mais gostoso que não mexia, mas o cavalo continuou empacando todas as vezes que passava debaixo do pé de aroeira. Já estava aproximando a chegada de mais um irmão ou Irma, mamãe já estava mandando lavar as roupas de neném, via as roupas estendidas nas cercas se misturarem com as nossas, que eram também pequenas, mas sabíamos diferenciar, Nicinha e eu. Armando ainda não entendia nada, ficava só alisando o carneiro puxando amarrado em uma corda, o bicho corria ele caia, e punha a boca no mundo.  Tinha sempre uma pessoa pra ajudá-lo era muito manhoso e cheio de vontades. Mamãe começou as contrações pela manhã, deu tempo de mandar um peão buscar minha vó Ezequiela, que já veio trazendo tudo que fosse necessário para fazer o parto, então como sempre foi rápido, nasceu mais uma menina pequenininha linda pra mim e Nicinha, que não passava de uma bonequinha. Voltou todo o esquema que todos sabem, sopa de galhinha etc...Visitas presentes etc...Comadres...Compadres. Nessas alturas, minha tia caçula já estava em BH em um colégio interno: Izabela Hendrix era o melhor e mais caro da época. Ela veio de férias, então a nossa escola fez uma festa pra recebê-la, cada aluno tinha que falar uma poesia tudo decorado, na hora a emoção era tanta que começavam, depois esqueciam e a turma começava a dar gargalhadas, ai é que não saia mesmo. No final a homenageada subiu ao palco para agradecer, foi emocionante a desenvoltura dela, falava tudo certinho puxando os “S”, foram tantas palmas que a homenageada ate chorou, assim que a vimos chorar, choramos também e terminou tudo em choradeira.  A cerimônia foi encerrada com comes e bebes. Durante o tempo das férias todos os dias ela ia ajudar a professora dar aulas para as crianças, contando como era a cidade grande, e falava de como eram as pessoas nas ruas, como o povo se vestia e o bonde como era interessante o povo andava até pendurados dos lados, quando os bancos ficavam cheios. Minha mãe já tinha terminado o resguardo da pequena Ana Maria, precisava batizar como padre não ia lá, como era em nossos avos Evaristo e Donana, o papai mandou toldar o carro de boi, colocou colchões, levou a tralha de cozinha, mamãe fez doce de leite, levou para fazer mingau dos pequenos, dissolvia o doce na água e engrossava com maisena, não tinha como conservar o leite se não fosse dessa maneira fazendo doce. Chegando no Morro da Garça ficávamos em casa dos bisavós João Coelho e Mariquinha eram bem velhinhos. Ate ai nós todos fomos batizados lá no Morro usando o mesmo procedimento. A casa do bisa ficava ao lado de uma ponte sobre um belo rio, tinha na entrada escadaria de toras de madeiras no quintal que ficava ao fundo da casa, era o que tinha de melhor, os pés de goiaba. Como posso esquecer? Eram deliciosas! Nunca comi outras iguais, costumava ficar uns dois dias pra dar tempo de descansar e fazer compras de sapatos, brinquedos e outras coisas que mamãe precisasse. Quando nós não estávamos presentes para comprar sapatos, porque os pés cresciam iguais abóboras, ficávamos muito de pé no chão, era o queríamos e gostávamos sapatos só pra fazer visitas, Quando o papai ia sozinho na cidade e precisava trazer sapatos porque os que tinham não davam mais, ele precisava medidas, então punha nossos pés no chão e riscava com um pauzinho o tamanho e media no cordão e dava dois nós, um do calcanhar, outro da ponta do dedão. Assim, ele media todos em apenas um cordão. Começava sempre comigo que era a mais velha, levava aquele cordão no bolso e do jeito que viesse tava bom, Ele gostava de comprar branco pras meninas e botina para o Armando.  Demorava pra achar, o pé dele era muito pequeno e tinha só duas vendas na cidade. Quando retornava todos corriam para experimentar e sair mancando, sempre estavam muito apertados, então ele pegava a faca e cortava na ponta dos sapatos pra dar uma folga, ai ficava bom por uns tempos. Estávamos felizes com tudo, de repente surge uma epidemia de varíola, enquanto não apareciam as bolhas de pús minha mãe e o pai só pensavam que era difteria as febres eram muito altas, mas as crianças da redondeza estavam todas sofrendo do mesmo mal. Só pessoas procurando flor de sabugueiro para fazer chá, ensinaram que era bom para jogar as erupções pra fora, senão ficava no intestino e era perigoso. Saíram tantas bolhas em nós três que era impossível vestir roupas. Naquele tempo não existia plástico, pegavam então folhas de bananeira antes de abrir isto e quando ainda estavam enrroladas para forrar as camas no lugar dos lençóis, não podia cobrir com panos pois o mesmo grudava nas feridas e quando fosse tirar para dar banhos sangravam e doíam muito. Depois, quando passou a fase pior, sobraram algumas mais persistentes que cheiravam mal. Armando tinha uma no dedo polegar que deu trabalho, João Gabriel rezou, fez remédio, tudo que sabia pra melhorar, papai foi ao Morro buscou pomadas pra nós e para os vizinhos que também estavam sofrendo. Depois que passou, ficamos muito tempo manchados, Demorou desaparecer. La em nossa casa no sábado virava barbearia, começava cedo os camaradas chegando, alguns vinham de longe para cortar cabelo com papai, cortava e fazia as barbas. As crianças também. Minha Irma Nicinha pegava a tesoura escondido e cortava as sobrancelhas e enfiava a tesoura no cabelo da testa e cortava tudo, ficava com aquela cara chata escondida com medo da bronca, ela não deixava o cabelo crescer já estava crescida e fazia isto sempre, foi muito divertida desde pequena, tenho muitas proezas para contar dela. No desenrolar da historia. Peço que me aguarde...

 
 

10 comentários:

  1. Vim correndo retribuir a visita... Em casa mineira a gente realmente se sente em casa... Vou aguardar o desenrolar da sua história...

    bjs

    Catia

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  2. Olá Zelia!.. Obrigada por sua visita e volte sempre que sentir vontade.. as portas estarão sempre abertas para vc!
    Que textos deliciosos se ler..fico aguardando a continuidade deste que me encantei ao ler.

    Beijocas super em seu coração..
    Verinha

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  3. Ei Tia!! Que delícia!!! Estou doida para o tempo ir passando e chegar o nascimento do meu pai, imagino ele pequeninho de perninhas tortas e todo invocadinho!!!
    Estou adorando!
    bjo

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  4. Mãe, sua historia ficou mavioooooosa!!!!! Uma delicia...bj, te amo e me orgulho mto de vc !!! Minha veiiiinha arretada!

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  5. Olá,
    Obrigada pela visita e pelo carinho de seu comentário.
    Adoro BH, a cidade mais charmosa do planeta.
    Sou apaixonada por Minas.
    Beijo na alma
    Saudações Poéticas!

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  6. Nossa, me deu uma nostalgia esse texto, amei *-*
    adorei aqui, to seguindo. Tenha uma linda semana, bjs, Meire. ;)

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  7. É um imenso prezer conhecer o seu blog e deixar aqui o meu comentário, pois sei o quanto é gratificante receber um. Já recebi milhares deles e cada um que recebo sempre me deixa feliz. Ofereço a minha página e meu msn para ajudar com seu blog. estou a quatro anos neste universo blogueiro e adoraria que vc tbm entra se nesse mundinho. MEU BLOG www.dado.pag.zip.net MSN dado.pag@hotmail.com . Um abraço Dado

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  8. Adoramos as suas histórias de vida!
    OBRIGADA POR PARTILHAR!
    É uma calma, um sossego, um bem-estar, que nos invade ao visitar o seu blog.
    CONTINUE ASSIM.

    Um beijinho de Portugal
    Lucilia e Isabel

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  9. Emocionante ! Lembrei da minha infância com os meus avós.
    Obrigada, pela visita.
    Seu blog tbém é lindo.
    bjs

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  10. Oi Mãezinha querida...estou adorando suas histórias...como disseram ai em cima, vamos lendo e entrando nela sem percebermos ...está de parabéns e muito chique é claro....a parte do cordão que media os pés é minha preferida rsrsrs..bjss amo vc

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